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Discurso do Presidente da SGI

A sabedoria benevolente do Buda forja a individualidade

A sabedoria do Sutra de Lótus - Uma discussão sobre religião no século XXI - Parte 12

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09/11/1996

A sabedoria benevolente do Buda forja a individualidade
Esta é a décima-parte da série "Diálogos sobre o Sutra de Lótus" com o presidente da SGI, Daisaku Ikeda; o chefe do Departamento de Estudo da Soka Gakkai, Katsuji Saito; e os vice-chefes Takanori Endo e Haruo Suda, publicada na edição de janeiro de 1996 da revista Daibyakurengue. Nessa parte, o presidente Ikeda e os participantes do diálogo discutem o significado do capítulo "Parábola das Ervas Medicinais"(5º) e sua posição dentro do Sutra de Lótus, a parábola dos três tipos de ervas medicinais e dos dois tipos de árvores, a "unicidade da sabedoria e da benevolência" do Buda e o humanismo do Sutra de Lótus. (Parte-2)

Suda: No capítulo "Parábola das ervas Medicinais", Sakyamuni explica:

Eu olho todas as coisas

como seres totalmente iguais,

eu não intenção de favorecer este ou aquele,

de amar um ou odiar outro.

Não tenho ambições ou afeições

nem limitações ou impedimentos.

E todas as vezes, para todas as coisas

prego a Lei igualmente;

como se para uma única pessoa,

da mesma forma que eu faria para muitas pessoas.

(LS5, 103)

Ele declara que o Buda expõe igualmente a Lei para todos os seres, e que ele expõe a Lei para muitas pessoas sem parcialidade, assim como faria para um indivíduo.

Pres. Ikeda: O importante é que a pregação do Buda começa do reconhecimento da diversidade humana. A partir da questão "Como eu posso fazer cada pessoa atingir o estado de Buda, não obstante diferentes circunstâncias, o temperamento e a capacidade?". O Sutra de Lótus, sem fugir o mínimo da "realidade" do indivíduo, esclarece o caminho para todos atingirem o estado de Buda.

O humanismo do Sutra de Lótus transmite o princípio da valorização do indivíduo. Esse é o espírito do Buda. O objetivo fundamental da iluminação universal do Sutra de Lótus inicia com a valorização do indivíduo e somente pode ser percebido por meio de uma firme adesão a esse ponto.

"Amar as pessoas" ou "amar a humanidade" de forma abstrata é fácil. Por outro lado, sentir compaixão para com indivíduos verdadeiros é difícil.

O grande escritor russo Fyodor Dostoyevsky ressalta essa aparente contradição(nos sentimentos expressos por uma personagem de um de uma de suas obras): "Quanto maior meu amor pela humanidade em geral, menos eu amo as pessoas em particular, ou seja, separadamente, como indivíduos."1. Em outro lugar ele diz: "No amor abstrato pela humanidade, uma pessoa não ama ninguém a não ser ela mesma."2.

A Soka Gakkai, sem jamais separar-se do ser humano individual, vem lutando para possibilitar todas as pessoas a concretizarem a felicidade absoluta. Esse é um sublime empreendimento que brilhará radiantemente na história humana.

Endo : Num sentido prático, o Sutra de Lótus não existe em nenhum outro lugar a não ser aqui e agora dentro da Soka Gakkai.

A propósito, por que as pessoas, cujas vidas são tão preciosas, são alegoricamente representadas como plantas e árvores? Esse ponto pode ser de difícil compreensão.

Pres. Ikeda: Sim. O mesmo pode ser dito do Buda comparado a uma nuvem. Para desvendar a razão dessa alegoria em particular, precisamos considerar o clima e a cultura da Índia.

Suda: O clima na Índia é dividido em três estações - seca, quente e chuvosa. A estação chuvosa dura cerca de quatro meses, e realmente chove pouco durante os oito meses restantes do ano.

Como resultado, a chuva é ansiosamente esperada e chega, literalmente, como um benefício. Talvez por essa razão, encontramos muitos exemplos nas escrituras budistas - como a "chuva darma" nesse capítulo das ervas medicinais - em que o ensino do Buda é comparado à chuva.

Endo: Na Índia, conforme eu soube, quando chove as pessoas costumam dizer que o tempo está bom.

Quatro anos atrás(em 1992), eu acompanhei o senhor, presidente Ikeda, em sua viagem à Índia. Chovia no dia da sua chegada. Fiquei de alguma forma desestimulado, mas todos os demais estavam alegres. Contaram-me que na Índia há um ditado que diz que a chuva cai quando se recebe um convidado de honra. Esse foi um pequeno exemplo de choque de culturas.

Saito: Nós japoneses sempre tendemos a considerar a chuva como um infortúnio. Mas à luz do passado cultural e religioso da Índia, a comparação do Buda com uma grande nuvem faz sentido perfeitamente. Mesmo antes do advento do budismo, o deus veda Indira,3. que se dizia causar as chuvas e os relâmpagos, merecia a maior afeição e reverência do povo indiano. É concebível que a comparação do Buda com uma nuvem traga à tona essa imagem. Assim, no capítulo "Parábola das Ervas Medicinais", descobrimos esta passagem:

Essa nuvem benéfica é carregada de umidade,

os relâmpagos brilham e ilumina,

e o som do trovão reverbera ao longe,

fazendo com que a multidão se alegre.

(LS5, 101.)

Pres. Ikeda: O "som do trovão" é a grande e benevolente voz do Buda com a qual ele busca conduzir toda as pessoas à felicidade. Uma nuvem que cobre os céus e envia a chuva realmente é uma metáfora adequada para o Buda que protege carinhosamente todas as pessoas.

De qualquer forma, essa discussão ressalta como é importante ser sensível às muitas diferenças - culturais, históricas e geográficas - nas experiências das pessoas. Por exemplo, há locais onde mesmo uma analogia aparentemente direta como "a fé que é como fogo versus fé que é como a água" não fará sentido para a pessoas.

As pessoas de outros países não necessariamente compreenderão ou concordarão com algo simplesmente porque "é assim que faz no Japão".

Precisamos forçar nossos cérebros para imaginar como o budismo pode tornar-se compreensível às pessoas de diferentes culturas e informações. Esse é o espírito do budismo; é o exato oposto da auto-complacência.

Quanto à comparação dos seres vivos com as plantas e árvores, uma vez que na Índia ocorrem longos períodos de chuva, cultivar plantas e árvores requer um esforço considerável. E, da mesma forma, as plantas e árvores são altamente valorizadas. As pessoas - todos seres preciosos - são relacionadas às plantas e árvores porque são similarmente guiadas rumo à iluminação do estado de Buda pelos diligentes esforços do Buda.

Endo: Em seu Daitido Ron(Tratado sobre o Sutra da Perfeita Sabedoria), o grande erudito budista indiano Nagarjuna(150-250) usa a imagem de "cortar [as raízes]das plantas e árvores" para descrever o espírito de não poupar a própria vida[ao oferecer oferecimentos à Lei]. Mesmo nessa expressão, percebemos uma reverência pelas plantas e árvores como coisas que possuem vida e têm importância em algum sentido em paralelo aos seres humanos.

Suda: Isso traz-nos a questão de o porquê de esse capítulo ser intitulado "Parábola das ervas Medicinais". Certamente, as ervas medicinais figuram de forma proeminente na parábola dos três tipos de ervas medicinais e dois tipos de árvores; mas no texto capítulo, o termo "ervas medicinais" é mencionado juntamente com as plantas, moitas, arbustos e árvores grandes e pequenas(LS5, 101.). Não seria igualmente adequado um título como "Parábola das Árvores" ou "Parábola das Plantas e das Árvores"?

Pres. Ikeda: Assim parece. De fato, a parte do Sutra de Lótus em sânscrito corresponde ao capítulo das ervas medicinais contém uma seção que não aparece na tradução de Kumarajiva, embora esteja incluída em outras traduções em chinês.

Saito: É uma passagem longa e nela dá-se ênfase às ervas medicinais.

Pres. Ikeda: Ela diz em certo trecho: "Nas Montanhas Nevadas, o rei das montanhas, há quatro tipos de ervas medicinais."4.

Nas Montanhas Nevadas são o Himalaia, que eu conheci quando visitei o Nepal. As grandes Montanhas Nevadas realmente possuem uma aparência majestosa. Elas possuem a dignidade de alguém que concretizou a vitória total. Parece-me muito apropriado que essa terra devesse ser o local de nascimento de Sakyamuni, que atingiu o supremo topo da existência humana.

No texto em sânscrito, o capítulo das ervas medicinais conta a história de como um médico vai ao Himalaia em busca de ervas medicinais para curar um homem cego desde o nascimento.

Saito: Diz-se que os quatro tipos de ervas medicinais que podem ser encontrados no Himalaia são: (1)"Depósito das Causas de Todas as Cores e Sabores", (2)"Cura de Todos os Males", (3)"Remoção de Todos os Venenos", (4)"Dar Paz e Alívio aos Sintomas de Todas as Doenças".

Graças às ervas medicinais, o homem recupera sua visão e alegra-se. Entretanto, ele sucumbe à ilusão de que, uma vez que pode ver, tem a completa compreensão de todas as coisas do mundo.

Pres. Ikeda: A condição de cegueira dessa pessoa representa o estado de vida daqueles que estão imersos nos sofrimentos dos Seis Caminhos.5. Sua condição após sua cegueira ter sido curada significa o estado de vida daqueles que se libertaram do interminável ciclo de transmigração dos seis caminhos de existência. Tais seres incluem aqueles que estão satisfeitos com a iluminação do mundo da Erudição, e aqueles que habitam confortavelmente o estado de Absorção. O ponto central do conto, entretanto, é que todas as pessoas devem aspirar pela suprema iluminação, ou seja, estado de Buda.

Pres. Ikeda: Sim. Também no capítulo "Revelação da Vida Eterna do Buda"(16º) do Sutra de Lótus, o Buda é descrito como um "hábil médico". O Buda é um grande médico da existência e da vida humana.

O caractere chinês para "remédio" tem duas partes.

A parte superior significa "erva" e a parte inferior significa "alívio". O remédio cura as doenças da vida e dá alívio. Essa é apenas uma análise simples da estrutura do caractere e não uma rigorosa etimologia.

Endo: A questão importante é qual é o "remédio" que pode distribuir a paz e a tranqüilidade supremas e indestrutíveis.

Pres. Ikeda: Exato. Nitiren Daishonin declarou que "'remédio' significa o 'remédio de excelente cor e fragrância do Nam-myoho-rengue-kyo'."(Gosho Zenshu, pág.824.) Ele também disse: "Certamente o grande remédio benéfico da Lei Mística curará a grande doença da ignorância que aflige todas as pessoas."(Gosho Zenshu, pág.720.) O Nam-myoho-rengue-kyo é o "remédio secreto" para conduzir fundamentalmente todas as pessoas à iluminação. Esse é o ponto essencial do capítulo das ervas medicinais.

O Buda abraça todos os seres com sua benevolente sabedoria

Saito: O Buda, ao mesmo tempo que compreende as diferenças entre os seres vivos, expõe o veículo único que beneficia a todos igualmente. O capítulo "Parábola das Ervas Medicinais" clama que o Buda possui a sabedoria de ser "aquele que conhece toda as coisas"(LS5, pág.98.); e enfatiza a sabedoria do Buda, que é a "sabedoria que abraça todas as espécies."(LS5, 100.)

Pres. Ikeda: Uma vez que o Buda é aquele "que conhece todas as coisas", ele pode expor todos os tipos de ensinos e conduzir corretamente as pessoas. Além disso, ele educa as pessoas dessa maneira para que elas possam adquirir o mesmo conhecimento universal, ou seja, para atingir o estado de Buda.

Endo: Esse conhecimento soa muito como a faculdade de onisciência que os cristão atribuem a Deus. Qual é a diferença entre esses dois tipos de conhecimento?

Pres. Ikeda: Como o senhor ressaltou, a perfeita sabedoria no Criador no cristianismo é denominada "onisciência". O argumento seria o de que uma vez que todos os seres vivos foram criados por esse ser divino, ele conhece tudo.

O conhecimento abrangente do Buda não é desse tipo. Há várias interpretações, mas acredito que o conhecimento do Buda de todas as coisas consiste em sua sabedoria de compreender completa e totalmente todos os seres vivos e quais ensinos poderiam ser expostos a eles, e que ele possui essa sabedoria devido a sua benevolência de conduzir toda as coisas ao que poderia ser chamado "sabedoria que é una com o Buda".

Sobre esse ponto, achei a interpretação dada no texto budista do Milindapanha muito esclarecedora. Lá é explicado que o Buda pode conhecer todas as coisas porque ele se concentra ardentemente no que deseja conhecer e não que ele conhece tudo de um ponto de vista exterior.

Uma vez que o Buda conhece a verdadeira identidade de sua própria vida, quando direciona seu coração a um indivíduo ele compreende os pensamentos e sofrimentos dessa pessoa assim como tudo o que é necessário para conduzi-la à iluminação - incluindo o ensino pelo qual a pessoa pode atingir o estado de Buda.

Devido a sua benevolência, o Buda direciona seu coração para as pessoas. Seu espírito é o de conduzir todos que sofrem à felicidade, sem exceção. Nesse espírito de afeição e compreensão pelos outros, o Buda é como um pai que procura desesperadamente proteger seus filhos. E dessa benevolência surge uma ilimitada sabedoria. Penso que essa é a natureza da sabedoria abrangente do Buda.

Saito: Concordo plenamente. Numa escritura pré-Sutra de Lótus chamada Sutta-nipata, Sakyamuni discutindo a maneira como aqueles que um modo de vida de acordo com o mais elevado ideal poderiam se conduzir, diz:

Que todos os seres possam estar felizes e em segurança, que seus corações estejam saudáveis!... Assim como uma mãe protegeria seu único filho ao custo de sua própria vida, da mesma forma, deixe-o cultivar um ilimitado coração para com todos os seres... Deixe seus pensamentos e ilimitado amor permearem todo o universo...6.

Pres. Ikeda: Aqueles que atingiram a verdadeira iluminação não se fecham nessa iluminação mas manifestam um espírito de infinita benevolência. Eles anseiam pela felicidade de todas as pessoas e pela paz e tranqüilidade de todo o mundo. Se não for esse o caso, então não é uma verdadeira iluminação. Portanto, Sakyamuni deixou palavras como essas como um guia para os praticantes assegurarem-se de que eles não se influenciaram por uma iluminação superficial ou que confundissem um falso senso de iluminação com o real.

A iluminação e a sabedoria do Buda são inseparáveis dessa benevolência infinita. Não é esse o princípio de que a "benevolência manifesta-se como sabedoria" que o Sutra de Lótus exprime como "sabedoria que abraça todas as espécies"?

Endo: Podemos interpretar esta passagem do capítulo "Parábola das Ervas Medicinais" - "eu sou aquele que conhece tudo, vê tudo, compreende o caminho, desbrava o caminho, prega o caminho"(LS5, 98.) - como uma indicação dessa unicidade de sabedoria e benevolência. Ela indica que o Buda, "que conhece todas as coisas", simultaneamente compreende, desbrava e prega o caminho.

Pres. Ikeda: Um líder budista tem de "compreender", "desbravar" e "pregar" o caminho. Um líder budista utiliza todas as três categorias de ações - físicas(desbravando o caminho), verbais(pregando o caminho) e mentais(compreendendo o caminho) - para desenvolver e expandir amplamente a propagação da Lei Mística.

Suda: Tient'ai interpreta "aquele que conhece todas as coisas" como uma indicação daquele que possui em seu coração os três tipos de sabedoria: a sabedoria de compreender o aspecto universal de todos os fenômenos, a sabedoria de compreender os aspectos individuais de todos os fenômenos, a sabedoria de compreender tantos os aspectos universais quanto individuais de todos os fenômenos, assim como a verdade que os permeia.

Dessas, a sabedoria de compreender os aspectos universais de todos os fenômenos é a sabedoria de perceber a verdade da não-substancialidade. Ela indica a sabedoria de compreender que, em essência, todas as coisas são não-substanciais e impermanentes sem discriminação. Essa é a sabedoria dos ouvintes e dos pratyekabuddhas e também é chamada de sabedoria da não-substancialidade.

A sabedoria para compreender os aspectos individuais de todos os fenômenos é a sabedoria para perceber a verdade da existência temporária. Essa é a sabedoria do bodhisattva que, baseado na percepção de que todas as coisas são essencialmente não-substanciais, compreende a verdade das entidades individuais que temporariamente vêm a existir. Os bodhisattvas requerem essa sabedoria porque conduzem todas as pessoas à felicidade em meio às realidades da vida.

A sabedoria para compreender tanto o aspectos individuais como os universais de todos os fenômenos é a sabedoria do Buda, que possui tanto a sabedoria dos aspectos universais quanto dos individuais e pode empregá-las à vontade e sem erro. Essa é a sabedoria do Caminho Médio.

Tient'ai denomina a possessão desses três tipos de perfeita sabedoria de "três tipos de sabedoria numa única mente" e diz que esse estado pode ser atingido por meio da prática budista. A interpretação de Tient'ai novamente ressalta que a sabedoria do Buda une-se a sua benevolência para conduzir todas as pessoas à iluminação.

Pres. Ikeda: Não importa o quanto as pessoas possam insistir que atingiram a iluminação, se não se comportam com benevolência, então elas estão mentindo. A sabedoria é invisível. Portanto, a conduta de uma pessoa é medida, ou o barômetro, para medir sua sabedoria. A propósito do aparecimento do Buda neste mundo, apesar de tudo, é concretizado por meio de seu comportamento como ser humano.

Suda: Quando olhamos a conduta apavorante e sem benevolência de pessoas como Nikken, torna-se perfeitamente claro que elas carecem de benevolência.

Pres. Ikeda: A sabedoria para compreender tanto os aspectos universais e individuais de todos os fenômenos, ou seja, a "sabedoria manifestando-se como benevolência", é a sabedoria do Buda que alcançou um completo domínio de sua própria vida.

Na obra Jinseiron Noto(Pensamentos sobre a Vida) de Kiyoshi Miki, um livro que li avidamente na minha juventude, há a seguinte frase: "Compreender a si mesmo conseqüentemente leva a compreender os outros."7. À medida que ponderamos sobre nós mesmos e elevamos o nosso estado de vida, podemos aprofundar nossa compreensão dos outros.

Uma pessoa com um estado de vida elevado é capaz de reconhecer e valorizar a individualidade das pessoas. Uma pessoa de sabedoria tenta revigorar e reproduzir o melhor nos outros.

Aqueles que parecem ter sabedoria mas carecem de benevolência não podem revigorar os outros. Pelo contrário, essas pessoas desenvolvem uma "sabedoria" cruel e astuciosa, nociva aos outros. Essa não é uma genuína sabedoria.

Os seres vivos são entidades da possessão mútua dos Dez Mundos e do itinen sanzen, ou três mil mundos numa existência momentânea da vida. Eles são naturalmente diversos. Um único momento da vida contém os três mil mundos, ou seja, todo o universo.

Um buda, que percebe essa verdadeira entidade de sua própria vida, manifesta naturalmente o espírito de valorizar as vidas de todos os seres tão profundamente quanto a sua própria, ou de forma tão preciosa quanto a de seus filhos. O espírito de tornar o mundo, todo o universo, pacífico e tranqüilo surge em sua vida. Essa é a benevolência do Buda, e a benevolência do Buda é inseparável de sua sabedoria.

No capítulo "Parábola das Ervas Medicinais", Sakyamuni expressa esse espírito da seguinte forma:

Aqueles que ainda não atravessaram

[a praia da iluminação]; farei com que

atravessem; aqueles que ainda não foram

libertados[da ilusão]; eu os libertarei;

aqueles que ainda não descansaram, eu

farei com que descansem. (LS5, 98.)

Em outra passagem:

Eu apareço no mundo

como uma grande nuvem que

emudece

todos os seres vivos secos e murchos,

para que eles possam escapar dos

sofrimentos,

obterem a alegria da paz e da segurança

e as alegrias deste mundo

e do mundo do nirvana. (LS5, 102.)

Acredito que se poderia dizer que a essência do veículo único do Buda é a grande condição de vida de sabedoria do Buda em união com sua benevolência. No capítulo "Parábola das Ervas Medicinais", essa essência é representada como uma grande nuvem e como a chuva que cai igualmente sobre todos.

Considerando a chuva que mistura igualmente todas as várias plantas e árvores, o capítulo diz que o Buda "faz com que a chuva Dharma caia igualmente sobre todos".(LS5, pág.103.) Nitiren Daishonin diz que essa passagem pode ser interpretada de duas maneiras. Quando a ênfase é colocada no Buda, refere-se à "igual benevolência do Buda Sakyamuni". Mas quando a chuva Dharma é enfatizada, ela indica a "grande e imparcial sabedoria do Nam-myoho-rengue-kyo".(Gosho Zenshu, pág.828.)

Rumo a um século do florescimento das "Flores Humanas"

Saito: Esse é o imenso estado de vida de sabedoria do Buda em união com a benevolência que "emudece" as vidas das pessoas em sua infinita diversidade.

Pres. Ikeda: Sim. Elas são umedecidas, ou cultivadas, pela benevolência do mestre, o Buda. E elas se desenvolvem como entidades de benevolência. Os seres humanos nutrem os seres humanos. A vida nutre a vida.

No final do capítulo "Parábola das Ervas Medicinais", consta:

A Lei pregada pelo Buda

é comparável a uma grande nuvem

a qual, com uma chuva de sabor único,

umedece as flores humanas

para que cada uma floresça. (LS5, 105.)

Eu gosto desta expressão "flores humanas". Ela expressa uma imagem de florescimento de uma multidão de pessoas, cada uma possuindo uma rica individualidade.

Sakyamuni certamente percebeu a característica única de cada pessoa tão distintamente quanto o fruto e os matizes únicos das flores produzidas pelas árvores tal como as diversas cerejeiras, pessegueiros e damasqueiros. Espero que estudando o capítulo "Parábolas das Ervas Medicinais" possamos aprender sobre o espírito de Buda, e reconhecer e valorizar a unicidade de cada indivíduo.

Isso relaciona-se diretamente a criar a harmonia em meio à diversidade, a qual será uma questão fundamental para o século XXI. Embora respeitando profundamente as diferentes raças e culturas, temos de criar uma solidariedade, não haverá futuro para a raça humana. A diversidade não deve produzir o conflito no mundo, mas a riqueza. E o humanismo do Sutra de Lótus, que encontra expressão concreta num temperamento benevolente, é a chave.

No movimento pela independência budista, por que Mahatma Gandhi foi capaz de conduzir tantas pessoas à ação? Acredito que a causa fundamental está na personalidade de Gandhi, a qual foi polida pela sua sincera dedicação e pelas tenazes lutas em prol da verdade. Sua personalidade "umedecia" os corações das pessoas. Há um episódio que ilustra bem esse ponto.

Certa vez, quando uma importante conferência política estava para se iniciar, Gandhi foi encontrado nervosamente buscando algo. Quando alguém perguntou-lhe o que estava procurando, Gandhi respondeu: "Perdi meu lápis." Uma vez que não havia mais tempo, uma pessoa ofereceu-lhe um outro lápis para usar. Mas Gandhi, dizendo "Não posso perder aquele lápis", continuou sua busca. O lápis, foi finalmente encontrado, era velho e tinha apenas três centímetros. Havia sido doado ao movimento de Gandhi por uma criança."8.

Para Gandhi, o pequeno lápis não era de todo um lápis. Era um belo coração. Portanto, ele não poderia desprezá-lo. Parece-me que o "segredo" de Gandhi, a razão pelo qual esse homem, a quem as pessoas reverenciavam como Mahatma(a Grande Alma), e era ao mesmo tempo carinhosamente conhecido pelo apelido familiar de "Bapu"(pai), está em sua admirável sinceridade de caráter.

Eu não trato negligentemente nem mesmo um simples pedaço de papel, que esteja imbuído com a sinceridade dos membros. Em resposta ao sincero oferecimento de arroz branco que havia recebido, Nitiren Daishonin escreveu: "Disto é obvio que o arroz não é meramente arroz, mas que é a própria vida."(END, vol.I, pág.432.)

Num mundo verdadeiramente humano, mesmo as coisas inanimadas não são meramente objetos. Elas são vidas, um reflexo de nossos corações. E os seres humanos são os mais preciosos de todos.

Saito: Parece que a confiança de Gandhi nas pessoas não conhecia limites. Com a convicção de que o que era possível para uma pessoa era possível para todas, ele defendeu o ideal de não-violência e organizou um movimento popular em larga escala.

Pres. Ikeda: Um movimento ou organização não sobreviverá se for mantido por decretos ou regras. E piorará ainda mais se tentar comover as pessoas pela força.

Somente se respeitarmos a individualidade de cada um, partilharmos as alegrias e tristezas um dos outros, e inspirarmos coragem e esperança uns nos outros é que podemos nos unir em solidariedade. É esse espírito de harmonia e senso de inspiração que torna possível um verdadeiro movimento popular.

Endo: O termo "organização" lembra imagens de conformidade. Mas nesta época e nesta era, não são muitas as pessoas que seriam atraídas por um corpo ou grupo que exija uma rígida conformidade.

Pres. Ikeda: Exatamente. Um movimento popular tem que ser guiado em seu nível mais fundamental pelo humanismo.

Suda: Um humanismo vibrante e revigorante te de ser o âmago do desenvolvimento da Soka Gakkai. Esse é o sentimento honesto partilhado por aqueles de minha geração que desde pequenos cresceram praticando na organização.

Pres. Ikeda: Suponho que este seja um resultado natural. Para esse fim, estou lutando em todas as minhas horas e momentos de cada dia para fazer com que a organização pulse com o espírito budista de benevolência. É imperativo que os líderes da SGI jamais negligenciem essa diligente tarefa, jamais perdendo esse senso de responsabilidade.

Suda: A essência da organização não existe em nenhum outro lugar longe do ser humano, que é o seu núcleo.

Quando lemos o Gosho, vemos que Daishonin dá orientações a um amplo espectro de discípulos e seguidores baseado numa compreensão verdadeiramente miraculosa de suas personalidades e caráteres.

Graças ao Gosho, sabemos por exemplo que Shijo Kingo tinha um temperamento forte.

Pres. Ikeda: Isso demonstra como Daishonin preocupava-se com cada um de seus seguidores.

Para Shijo Kingo, ele demonstra uma preocupação muito detalhada, aparentando mais um pai nutrindo uma criança. Daishonin aconselha-o, por exemplo, a evitar beber quando estivesse longe de casa(The Major Writings of Nichiren Daishonin, vol.VI, pág.91.) e adverte-o a não brigar com as mulheres quando estivesse em casa, mesmo que elas estivessem erradas(Gosho Zenshu, pág.1176.)

E quando o mais velho dos irmãos Ikegami, Munenaka, foi renegado pelo seu pai pela segunda vez, Daishonin, embora profundamente preocupado com a habilidade do mais jovem dos Ikegami, Munenaga, de manter sua fé, escreve a este último de uma forma que, aparentemente, soa como uma rigorosa rejeição:

Desta vez estou certo que você abandonará sua fé. Se assim o fizer, não tenho a mínima intenção de reprová-lo por isso. Da mesma forma, nem deve você culpar Nitiren quando cair no inferno.(The Major Writings of Nichiren Daishonin, vol.II, pág.286.)

A menos que alguém realmente compreenda o coração dos outros, não poderá esperar comunicar sua verdadeira intenção fazendo uma declaração. Daishonin não somente compreendeu plenamente o conflito que assolava o coração de Munenaga, que estava numa encruzilhada de sua vida, como também teve uma minuciosa compreensão de sua personalidade.

Endo: Em particular, fico sempre impressionado pelo fato de Daishonin compreender profundamente os sentimentos dos pais que haviam perdido seus filhos. Algumas de suas cartas de encorajamento a famílias em luto vieram-me à mente.

Pres. Ikeda: Daishonin é realmente um grande Buda. Ele compreende em sua totalidade a realidade da vida de cada pessoa e partilha seus sofrimentos. Ele jamais dá orientações abstratas como se empurrasse respostas prontas às pessoas.

Como resultado, há casos em que parece estar dizendo exatamente o oposto do que ele diz a outra pessoa.

Ele clama à esposa de Toki Jonin, o qal sofria de uma doença mas não estava inclinado a consultar um médico, para procurar tratamento médico, explicando a importância de viver uma longa vida: "Se ele morrer jovem, mesmo um homem cuja sabedoria brilha tão radiantemente quanto o sol valeria menos que um cachorro."(The Major Writings of Nichiren Daishonin, vol.I, pág.23.) Mas ao espirituoso Shijo Kingo, um samurai de Kamakura que estava pronto a morrer por ele, Daishonin enfatiza que obter a honra como um budista e como um membro da sociedade é muito mais importante que a longevidade.

Suda: Ele diz: "É muito mais importante viver um único dia com honra do que, por exemplo, viver 120 anos e terminar a vida com o nome manchado."(END, vol.I, pág.296.)

Pres. Ikeda: Em ambos os casos, é uma orientação de benevolência unida à sabedoria que surge do espírito de benevolência de Daishonin pelos seus discípulos. Ambas as declarações são verdadeiras. Este é o espírito do capítulo "Parábola das Ervas Medicinais".

Por trás da orientação a Shijo Kingo, Nitiren Daishonin, em seu coração, provavelmente queria dizer a seu discípulo para conduzir-se sabiamente a cada dia, cônscio de sua tendência de ter um temperamento forte. Tivesse Shijo Kingo falhado em assim fazer, sua própria vida estaria em perigo.

Quando lemos o Gosho com uma atenção especial aos detalhes, podemos ver como o humanismo do Sutra de Lótus ganha vida pela conduta de Daishonin. Não são somente suas ações como praticante do Sutra de Lótus que sofreram grandes perseguições correspondendo ao espírito que é ressaltado no Sutra de Lótus.

Daishonin censurava com ardente indignação e rigorosas advertências as autoridades e as figuras religiosas em conluio com elas que causavam sofrimento às pessoas. Isso há muito tempo vem sendo usado para rotular o Budismo de Nitiren Daishonin como "intolerante" ou "exclusivo". Mas essa perspectiva é completamente parcial.

Tanto as benevolentes orientações de Daishonin a seus seguidores quanto suas rigorosas advertências para as autoridades estavam imbuídas de um vívido humanismo.

Saito: Em seus discursos nos últimos dez anos, presidente Ikeda, embora o senhor tenha citado muitos Gosho, parece-me que tem consistentemente enfocado o humanismo de Daishonin.

Pres. Ikeda: Eu cito e discuto o Gosho com o desejo de expressar a todo o mundo a suprema humanidade e o vasto e imenso estado de vida de Daishonin, que declarou: "Os vários sofrimentos de toda a humanidade são os sofrimentos de uma única pessoa, Nitiren."(Gosho Zenshu, pág.758.)

O capítulo "Parábola das Ervas Medicinais" diz que a grande nuvem da benevolência do Buda cobre todo o mundo múltiplo, ou seja, todo o universo. Como podemos fazer com que todo o imenso amor e benevolência do Buda Original "chova" em todo o mundo? Esse é o pensamento que constantemente ocupa minha mente; essa é minha constante determinação. Pois conduzir o "trabalho do Buda" é a missão da SGI. Nossa luta começa agora em sinceridade; estamos finalmente adentrando a fase essencial do movimento pelo Kossen-rufu.

Penso que para o mundo de hoje, que parece ter chegado a um grande impasse, ser revitalizado, as pessoas devem começar a pensar em termos de uma perspectiva universal. Desnecessário dizer que quando as pessoas às vêem suas vidas em unicidade com o universo, elas também perceberão a unicidade com a natureza e com o planeta. Visões de nacionalidade, sociedade e raça naturalmente serão revisadas à luz dessa perspectiva sobre a vida humana.

Enquanto a janela do coração humano permanecer fechada, não há esperanças de um grande futuro. As pessoas devem abrir a janela, quando assim fizerem, não haverá mais obstáculos à paz.

As vidas de todas as pessoas são unas com o universo. Todos os trabalhos do universo contribuem para a formação da individualidade de cada pessoa. Colocando de outra forma, cada pessoa é um microcosmo que reflete o macrocosmo de uma maneira única; fundamentalmente, o indivíduo engloba tudo. Portanto, cada pessoa é preciosa e insubstituível.

A derradeira sabedoria para compreender esse segredo da vida é a sabedoria do Buda de compreender tanto os aspectos universais quanto os individuais de todos os fenômenos. O Buda percebe que cada pessoa, cada entidade viva, é igualmente preciosa.

Estou convicto de que o humanismo do Sutra de Lótus é o humanismo universal que contém a chave para o próximo milênio.

O grande poeta indiano Rabindranath Tagore escreveu:

A mesma corrente de vida que corre em minhas veias dia e noite corre pelo mundo e dança em compassos rítmicos.

É a mesma vida que brota em alegria do pó da terra em inumeráveis folhas de relva e irrompe em tumultuosas folhas e flores.

É a mesma vida petrificada no leito de vida e morte do oceano, no fluxo e refluxo.

Sinto que meus limbos tornaram-se gloriosos pelo toque deste mundo de vida. E meu orgulho vem do pulsar vital das épocas dançando em meu sangue neste momento.8.

Vamos continuar a avançar alegre e exuberante com o ritmo fundamental do universo pulsando em nossas vidas.

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