Conteúdo
Recordações de Meus Encontros
[35] Veena Sikri ex-diretora-geral do Conselho Indiano para Relações Culturais (ICCR)
Diálogo Sobre Religião Humanística
TC
As perseguições enfrentadas pelo bem da Lei
Esta é a nona parte da série "Diálogo sobre a religião humanística" publicada na revista de estudo mensal da Soka Gakkai, Daibyakurengue, edição de setembro de 2002. Neste diálogo, o presidente da Soka Gakkai Internacional, Daisaku Ikeda, o coordenador e o vice-coordenador do Departamento de Estudo de Budismo da Soka Gakkai, Katsuji Saito e Masaaki Morinaka, enfocam vários fatos da história do budismo e da vida de Nitiren Daishonin de forma abrangente e profunda. Com certeza, este artigo contribuirá para facilitar a compreensão dos ensinamentos budistas e da filosofia humanística que cada vez mais atrai a atenção das pessoas do mundo inteiro.
01/12/2003
"Uma sucessão de montanhas e uma sucessão de ondas" de perseguições
Katsuji Saito: Doze de setembro é o dia em que Nitiren Daishonin enfrentou aquela que ficaria conhecida como a Perseguição de Tatsunokuti,1 a maior das provações de toda sua vida. Na Soka Gakkai designamos 12 de setembro como o "Dia do Departamento de Estudo" para relembrar esse fato profundamente significativo.
Presidente da SGI, Daisaku Ikeda: Isto porque a data cristaliza a essência do Budismo de Nitiren Daishonin. Uma vez que estudamos e praticamos o budismo, devemos estar profundamente cientes de seu significado.
Masaaki Morinaka: Acredito que seu significado só pode ser compreendido do ponto de vista da fé diretamente ligada a Daishonin e de uma prática embasada no Gosho, os pilares do movimento de estudo da Soka Gakkai.
Pres. Ikeda: Por que Daishonin teve de enfrentar perseguições tão graves? Como devemos interpretar isso do ponto de vista da fé? Em certo sentido, essas perguntas convergem para a essência do budismo, já que se relacionam a outras questões como: o que é um buda e o que significa atingir o estado de Buda.
As perseguições que ocorreram a Daishonin possuem um significado extremamente importante, pois nos ajudam a compreender a vida do Buda.
Saito: Então, gostaria de propor que nesta oportunidade analisássemos as diversas perseguições enfrentadas por Daishonin.
Pres. Ikeda: Concordo. Isso é algo muito importante. Até o momento, havíamos analisado as perseguições em relação a outros tópicos diversos. Por que não aproveitamos esta ocasião para examinar as perseguições a Daishonin mais detalhamente e para aprofundarmos em seu significado?
Morinaka: Será para nós um prazer. Em sua obra Homens Representativos do Japão, Kanzo Utimura2 descreve Daishonin da seguinte forma: "Ele é o único caso que conhecemos entre os budistas japoneses que, sem nenhum exemplo como referência, arriscou sua própria vida em defesa de um sutra e de uma Lei [...] As perseguições religiosas no Japão, no verdadeiro sentido da palavra, começaram com Nitiren."3
Utimura também elogia a luta espiritual de Daishonin que o permitiu resistir ao exílio na Ilha de Sado, o que em tempos modernos equivaleria a uma sentença de morte: "Sua conquista foi da mente sobre o corpo e do espírito sobre a força."4
Pres. Ikeda: Utimura interpreta as perseguições a Daishonin de uma perspectiva limitada, no entanto, creio que tem muita razão no que diz. Daishonin foi perseguido por ter afirmado categoricamente que o Sutra de Lótus era o ensino para aliviar o sofrimento das pessoas dos Últimos Dias da Lei e para possibilitá-las serem felizes. Ele não foi perseguido por cometer delitos ou faltas. Daishonin arriscou sua vida para proclamar em alta voz o ensino correto e isso amedrontou os líderes das demais escolas religiosas, provocando uma grande inquietação entre as autoridades de mentalidade conservadora e tradicionalista. O resultado de sua declaração foi uma enxurrada de fúria e inveja sobre ele próprio.
Nitiren Daishonin declara que as perseguições que suportou foram "pelo bem do Sutra de Lótus". Em outras palavras, elas ocorreram porque Daishonin deu sua própria vida para propagar o Sutra de Lótus.
Morinaka: As perseguições surgiram em resposta a sua firme convicção religiosa. A isso se refere Utimura quando diz que foram "perseguições religiosas, no verdadeiro sentido da palavra".
Pres. Ikeda: O Sutra de Lótus ensina que todas as pessoas podem atingir o estado de Buda. Postula também que isso não é mera doutrina ou teoria. O sutra revela a prática de infinita benevolência do Buda, que deseja ardentemente realizar esse princípio e a missão dos bodhisattvas que se empenham em perpetuar esse grande desejo após a morte do Buda.
O princípio da iluminação universal de todas as pessoas, que o Sutra de Lótus expõe tão minuciosamente, é muito difícil de acreditar e compreender. Isto porque o ensino que possibilita todas as pessoas a atingir a iluminação - ou seja, a Lei Mística - é, de acordo com o mesmo trecho do Sutra, "difícil de compreender e de transpor". (The Lotus Sutra [LS], cap. 2, pág. 23.) A Lei Mística só pode ser compreendida por meio da sabedoria profunda e ilimitada do estado de Buda.
O verdadeiro significado de atingir a iluminação está além da sabedoria comum. Por exemplo, quando enfrentamos grandes dificuldades, é quase impossível acreditar que podemos atingir a iluminação. Por outro lado, quando nos encontramos em circunstâncias favoráveis e tranqüilas, o estado de Buda ou a iluminação parece desnecessário. Em momentos de sofrimento e de alegria tendemos a perder de vista nossa aspiração ao estado de Buda. E, nessas circunstâncias, falar que todas as pessoas são capazes de atingir o estado de Buda pode parecer algo do outro mundo.
Além disso, o Sutra de Lótus diz: "Visto que o ódio e a inveja por este sutra proliferam mesmo quando o Buda vive neste mundo, quão pior será depois de sua morte!" (LS10, pág. 164.) Esta frase enfatiza a dificuldade de acreditar e de compreender o Sutra de Lótus.
Saito: Esse trecho pertence ao 10º capítulo, "Mestre da Lei". "Visto que o ódio e a inveja por este sutra proliferam mesmo quando o Buda vive neste mundo" significa que, como o Sutra de Lótus é um ensino difícil de acreditar e de compreender, haverá muita animosidade e desconfiança por aquele que o propaga, mesmo na época em que o Buda vive. "Quão pior será depois de sua morte!", significa que, quando o Sutra de Lótus estiver sendo propagado depois do falecimento do Buda, o ódio e a inveja serão muito maiores do que durante toda a sua existência.
Pres. Ikeda: Do ponto de vista da doutrina, as grandes perseguições enfrentadas por Daishonin podem ser atribuídas naturalmente ao fato de o Sutra de Lótus ser difícil de acreditar e de compreender. Além disso, por ele ter propagado o Sutra de Lótus no mundo maléfico dos Últimos Dias da Lei, as perseguições que surgiram foram ainda mais severas. Em outras palavras, aqui também intervém o fator tempo.
Os Últimos Dias da Lei são descritos como uma "era de conflitos em que a Lei pura se perderá e será obscurecida",5 como um tempo em que, no budismo, os ensinos parciais que Sakyamuni expôs como simples "meios" se dividem em escolas distintas, que entram em conflito umas com as outras. É também uma era em que as pessoas não reconhecem o sutra de Lótus como o ensino correto, que prega o bem supremo de atingir o estado de Buda.
Morinaka: Quando as pessoas propagam o Sutra de Lótus nessa era, os diversos ensinos expostos por Sakyamuni dificultam a prática do Sutra de Lótus e provocam a ação da natureza maléfica inerente na vida que bloqueia o caminho para atingir o estado de Buda.
Pres. Ikeda: Aqui se encontra a causa principal das grandes perseguições dos Últimos Dias da Lei. Como as raízes dessa causa são profundas, as perseguições que delas resultam se manifestam de forma persistente. O Sutra de Lótus esclarece que essas perseguições que surgiram depois da morte de Sakyamuni, assumem a forma de ataques perpetrados pelos "três poderosos inimigos".6
Daishonin empreendeu uma luta para propagar o Sutra de Lótus nos Últimos Dias da Lei, com a plena consciência de que, ao fazê-lo, teria de suportar ataques ferozes das funções do mal.Quanto mais tenazmente lutarmos, mais as funções malévolas tentarão nos impedir. Em síntese, Nitiren Daishonin provocou o ataque dos três poderosos inimigos, que surgiram exatamente como o Sutra de Lótus havia predito, e perseverou com toda firmeza e coragem.
Em "Abertura dos Olhos", Daishonin descreve como as grandes perseguições se levantaram contra ele:
"Quão mais severa será então a oposição após seu falecimento [do Buda], especialmente nos Médios e Últimos Dias da Lei, e num país remoto como o Japão! Assim como as montanhas se amontoam sobre montanhas, e ondas seguem ondas, as perseguições somam-se a perseguições, e críticas engrandecem críticas." (The Writings of Nichiren Daishonin [WND], pág. 241.)
Como Daishonin afirma, logo depois de declarar o estabelecimento de seu ensino, começou a sofrer uma série de perseguições, das quais, conforme ele próprio diz, as mais severas foram quatro.
Consolidação da base por meio da luta contra os três poderosos inimigos
Saito: Em "Abertura dos Olhos", Daishonin também diz: "Já transcorreram mais de vinte anos desde que comecei a proclamar minhas doutrinas. Dia após dia, mês após mês e ano após ano venho sendo alvo de constantes perserguições. As perseguições e hostilidades menores são tão numerosas que não vale a pena contá-las, mas as grandes perseguições foram quatro. Entre elas, duas foram perpetradas pelos governantes da nação. A mais recente quase me custou a vida. Além disso, meus discípulos, seguidores leigos e até mesmo aqueles que simplesmente ouviram meus ensinos têm sido submetidos a severas punições e tratados como se tivessem cometido a mais alta traição." (WND, pág. 240.)
Morinaka: As quatro grandes perseguições que Daishonin menciona são: Perseguição de Matsubagayatsu (1260), o exílio a Izu (1261), a Perseguição de Komatsubara (1264), e a que começou com a tentativa de execução em Tatsunokuti e se prolongou até o seu exílio em Sado (1271). Quando Daishonin diz "duas foram perpetradas pelos governantes da nação", ele se refere às perseguições das autoridades militares que governavam o Japão naquela época. Essas perseguições são: o Exílio em Izu e a Perseguição de Tatsunokuti e o subseqüente exílio na Ilha de Sado. Quanto à frase "a mais recente", que quase lhe custou a vida, Daishonin se refere à última, à tentativa de execução em Tatsunokuti e sua posterior transferência para a Ilha de Sado, onde escreveu "Abertura dos Olhos". Como resultado dessas grandes perseguições Dai- shonin fortaleceu sua convicção de ser o "devoto do Sutra de Lótus".
Pres. Ikeda: Daishonin focaliza, em particular, os três poderosos inimigos mencionados na estrofe de vinte versos do capítulo "Devoção Encorajadora" do Sutra de Lótus. Ele provocou a manifestação desses três adversários temíveis para eternizar a Lei Mística. Em outras palavras, derrotou completamente as funções maléficas que surgiram com o propósito de destruir o ensino correto, e assim assentou a base para "assegurar que a Lei perdurasse".7 Dos três poderosos inimigos, o terceiro - os sacerdotes venerados como santos - é o de maior influência. O Grande Mestre Miao-lo, da China, disse a respeito do terceiro que "a dificuldade de reconhecê-lo é cada vez maior",8 indicando que é difícil identificá-lo porque ele engana a todos com sua aparente modéstia e sabedoria. Justamente por esse motivo, é importante revelar às pessoas sua verdadeira natureza. Se o reconhecimento dessa natureza for confinado somente a um grupo limitado de pessoas, então a sociedade não mudará. Portanto, o primeiro passo que uma pessoa perfeitamente ciente disso deve dar é revelar o terceiro dos poderosos inimigos. Quando uma pessoa luta contra a maior das maldades e consegue vencê-la, é capaz de abrir o caminho para que as pessoas atinjam o estado de Buda nos Últimos Dias da Lei. Saito: Dessa forma, quando um devoto do Sutra de Lótus aparece na sociedade, tudo depende da reação das pessoas: ou rechaçam o terceiro dos poderosos inimigos, ou rechaçam o devoto do Sutra de Lótus.
Pres. Ikeda: Em última análise, a sociedade que ataca o devoto do Sutra de Lótus inevitavelmente caminhará para a ruína, manipulada pelo terceiro dos poderosos inimigos. A luta para vencer esses adversários é a própria luta para estabelecer o ensino correto para a paz da nação.
Quando derrotamos o mais terrível dos três poderosos inimigos, asseguramos a perpetuação da Lei. Assim, assentamos a base para a prosperidade eterna da Lei pelos dez mil anos dos Últimos Dias da Lei.
Jossei Toda, o segundo presidente da Soka Gakkai, dizia:
"[Quando o segundo dos três poderosos inimigos esgota todos os meios possíveis para atacar o devoto do Sutra de Lótus], surge então o terceiro, o mais temível. Porém, quando este se manifestar, ficarei feliz e espero que vocês ajam da mesma forma. Esse será o momento de lutarmos com bravura.
"Para livrar a nação do sofrimento, para melhorar a vida das pessoas, vamos nos empenhar na fé de tal maneira que, quando chegarmos ao Pico da Águia, possamos informar a Nitiren Daishonin: 'Eu, um membro da Soka Gakkai, cumpri minha missão e consagrei minha vida totalmente ao Kossen-rufu'."9
Esse é o espírito da fé diretamente ligado a Daishonin, que lutou corajosamente contra essas funções maléficas em defesa do Kossen-rufu e pela felicidade de todas as pessoas dos Últimos Dias da Lei.
Daishonin foi expulso do templo Seityoji logo após proclamar seu ensino
Saito: Quando consideramos todas as perseguições a Daishonin juntas, fica evidente que ele atraiu o primeiro, o segundo e o terceiro dos três poderosos inimigos, nessa ordem.
Durante o período em que estabeleceu seu ensino (1253) até submeter sua "Tese sobre o estabelecimento do ensino correto para a paz da nação" (1260), os perseguidores de Daishonin mais proeminentes podem ser identificados principalmente com o primeiro dos três poderosos inimigos, ou seja, eles eram pessoas leigas ignorantes do budismo.
Daishonin descreve a oposição que enfrentou após declarar o estabelecimento de seu ensino:
"A princípio, quando era o único que recitava Daimoku, os que passavam por mim tapavam os ouvidos com as mãos, lançavam olhares furiosos, torciam a boca em sinal de menosprezo e cerravam os punhos e os dentes. Até meus pais, irmãos, mestres e amigos tornaram-se meus inimigos. Não demorou muito, o administrador e o senhor do feudo em que eu vivia começaram a me atacar." (WND, pág. 1006.)
Pres. Ikeda: Em "Abertura dos Olhos", Daishonin diz: "Se digo uma única palavra a respeito, sem falta serei censurado por meus pais, irmãos e mestres, e o governante da nação tomará medidas contra mim." (WND, pág. 239.) Tudo realmente aconteceu conforme ele predisse.
Morinaka: De fato, parece que Nitiren Daishonin enfrentou certa oposição de seus pais e foi tratado friamente por seu mestre Dozen-bo. No entanto, provavelmente Dozen-bo não sutentava inimizade por Daishonin, mas se opunha a ele porque tinha medo de Tojo Kaguenobu, o administrador da Vila de Tojo, na Província de Awa (atual Tiba).10
Pres. Ikeda: Tojo Kaguenobu foi a figura-chave na perseguição a Daishonin logo depois de ele ter declarado o estabelecimento de seu ensino. O ódio de Kaguenobu não era comum. No sermão que proferiu ao meio-dia (de 28 de abril de 1253), Daishonin declarou o estabelecimento de seu ensino, e refutou a doutrina da Nembutsu. Parece que Kaguenobu soube disso e nesse mesmo dia providenciou a expulsão de Daishonin do templo Seityoji.11
Nitiren Daishonin realmente leu com a própria vida o trecho do capítulo "Devoção Encorajadora":
"Haverá muitas pessoas ignorantes que nos caluniarão e nos atacarão com espadas e bastões,
(...)
seremos banidos várias vezes a um lugar muito remoto de torres e templos." (LS14, págs. 193-195.)
Morinaka: Acredita-se que Enti-bo era o prior do templo Seityoji nessa época e que estava firmemente decidido a cumprir as ordens de Tojo Kaguenobu. Ele e um sacerdote novato chamado Jitsujo que pertencia a seu círculo de confiança, pressionaram Dozen-bo de todas as formas.
Intimidado, Dozen-bo abandonou seu dever como mestre de proteger Daishonin, e se uniu à facção de perseguidores, ainda que tenha sido só para manter as aparências.
Até mesmo seu mestre Dozen-bo enfrentava circunstâncias difíceis. Daishonin estava completamente cercado, isso sem contar a oposição das muitas figuras influentes da Nembutsu das áreas próximas ao templo Seityoji - incluindo o irmão mais velho de Dozen-bo, Dogui-bo; Endon-bo de Inomori (acredita-se que seja o nome de um lugar perto de Amatsu, na Província de Tiba), Saigyo-bo de Kiyosumi e Jitiy-bo de Kataumi.
Pres. Ikeda: Na época, Joken-bo e Guijo-bo, dois sacerdotes que haviam ensinado Daishonin no templo Seityoji, quando ainda era um menino, mostraram-se indignados com a situação e deixaram o templo junto com ele.12
Mais tarde, Daishonin louvou altamente os dois que, apesar de estarem cercados de inimigos, reconheceram a virtude de Daishonin e agiram com coragem ao seu lado. Nitiren Daishonin descreve suas ações como um "serviço ao Sutra de Lótus". (Gosho Zenshu, pág. 373.)
Saito: A razão de haver tantos seguidores da escola Nembutsu no templo Seityoji era que Kaguenobu, um fervoroso seguidor desses ensinos, vinha tentando converter os principais sacerdotes desse templo em seguidores de sua escola.13 A refutação de Daishonin da Nembutsu, declarando que ela conduzia ao inferno de incessante sofrimento, interpôs um grande obstáculo para a consecução das ambições de Kaguenobu.
Morinaka: Foi um ataque frontal e direto de uma única pessoa contra o inimigo. Por essa ação Daishonin conseguiu desprender um flanco das forças opositoras e converteu-o em seu aliado. Daishonin deixou Seityoji e a aldeia de Tojo e empreendeu uma viagem a Hanabusa, em Saijo, rumo ao oeste. Acredita-se que ali vivia um sacerdote conhecido como Joen-bo, que esteve presente no sermão em que Daishonin estabeleceu publicamente seu ensino. Presume-se que depois disso a casa de Joen-bo tenha sido utilizada como centro das atividades de propagação na Província de Awa. Pres. Ikeda:
Na etapa inicial, Daishonin assentou um firme terreno para sua batalha. Em toda luta, por mais difícil que seja, deve-se avançar infalivelmente, dando um passo de cada vez até concretizar a vitória.
Saito: Kaguenobu criou intrigas para derrubar uma monja leiga a fim de obter o controle dos templos Seityoji e Futamaji. A monja era a viúva do senhor feudal das terras em que os templos se localizavam14 e que havia ajudado os pais de Daishonin quando ele ainda era jovem.
Morinaka: Ao que tudo indica, Kaguenobu, por repetidas vezes, promoveu ações judiciais contra a monja leiga, instigado pelo poderoso Hojo Shiguetoki e vários sacerdotes da Nembutsu (cf. Gosho Zenshu, pág. 1413).
Pres. Ikeda: Shiguetoki era o terceiro filho do terceiro regente do xogunato Kamakura, Hojo Yasutoki, e sogro do quinto regente, Hojo Tokiyori. Atuava como co-regente e, junto a Tokiyori, era uma importante figura dentro do governo.
Parece que Shiguetoki, o administrador Kaguenobu e muitos seguidores da Nembutsu somaram forças para pressionar a monja leiga [com a intenção de tomar sua propriedade].
Daishonin interferiu nesse caso judicial em retribuição à ajuda que a monja havia oferecido à sua família. Com o apoio de Daishonin, ela ganhou o caso em menos de um ano.15
Morinaka: Kaguenobu perdeu a ação judicial que havia apresentado com o respaldo de figuras poderosas do governo. Isso foi para ele uma grande derrota. Como Kaguenobu deve ter se sentido furioso e humilhado com essa reviravolta em seus planos! Sem dúvida, ele ficou ressentido com isso.
Uma certa pessoa, que dizia cumprir ordens de Shiguetoki, proibiu injustamente Daishonin de entrar nas áreas sob controle da família Tojo. Conseqüentemente, Daishonin não pôde regressar a sua vila natal durante muitos anos.
Tempos depois, Shiguetoki morreu em estado de completa insanidade. Então, em 1264, tão logo foi perdoado do exílio que cumpria em Izu, Daishonin regressou ao lar para visitar o túmulo de seu pai e para ver sua mãe. Nessa ocasião, Kaguenobu e seus comparsas aproveitaram para atacá-lo.
Pres. Ikeda: Esta foi a Perseguição de Komatsubara. Porém, mais adiante analisaremos em detalhes as circunstâncias que envolveram esse ataque.
De acordo com uma fonte, quando Daishonin foi expulso de Seityoji, alojou-se por um curto tempo em Awa. Outras fontes afirmam que ele permaneceu por um tempo com Toki Jonin, em Yawatanosho, Província de Shimosa (atual Itikawa, Província de Tiba).
Seja como for, Daishonin não tardou a ir para Kamakura, a principal cidade do leste do Japão. Ali, mais precisamente em Matsubagayatsu, região de Nagoe, ele construiu sua morada e iniciou a luta para propagar seus ensinos munido de forte determinação.
Perseguição de Matsubagayatsu: O ataque do segundo dos três poderosos inimigos
Morinaka: Nagoe localiza-se no acesso sudeste de Kamakura. Depois de passar por Nagoe, o caminho continua até o outro lado da Península de Miura (atual Baía de Tóquio). De Miura era possível tomar um barco para a área de Boso, na Província de Tiba. Na região do Vale de Nagoe havia um paredão chamado Kirguishi, que provavelmente fora construído para impedir que o clã Miura atacasse a capital.16
Além disso, em toda a região de Nagoe, a sudeste de Kamakura, existiam muitas valas nas colinas para o sepultamento de cadáveres. Kamakura havia sido assolada por várias calamidades naturais, como o grande terremoto da era Shoka (1257) e muitas inundações e incêndios, e todos eles haviam feito inúmeras vítimas. Essas circunstâncias terríveis, que Daishonin testemunhava diariamente, devem ter deixado uma profunda impressão nele.
Pres. Ikeda: Tendo presenciado o sofrimento de pessoas inocentes, Daishonin dedicou longos anos à busca de uma solução definitiva e expôs suas conclusões na "Tese sobre o estabelecimento do ensino correto para a paz da nação".
Saito: Ele submeteu esse tratado ao ex-regente Hojo Tokiyori em 16 de julho de 1264. E a Perseguição de Matsubagayatsu ocorreu menos de um mês depois, em 27 de agosto.
Os principais orquestradores desse ataque foram os clérigos da Nembutsu, sendo que muitos deles não haviam sido ordenados formalmente no sacerdócio nem adotado os preceitos oficialmente recebendo instrução no budismo. Ao contrário, eram pessoas leigas que haviam abandonado a vida secular por conta própria.
Pres. Ikeda: Em "Abertura dos Olhos", Daishonin cita como exemplo do segundo tipo dos três poderosos inimigos "homens como Honen, que não respeitam os preceitos e mantêm visões deturpadas" (WND, pág. 274), ou seja, sacerdotes arrogantes. Quando ele se refere às pessoas que "desrespeitam os preceitos e mantêm visões deturpadas", estou seguro de que está aludindo diretamente ao clero da Nembutsu da época.
Saito: Na "Tese sobre o estabelecimento do ensino correto para a paz da nação", Daishonin descreve o crescimento descomunal que a escola Nembutsu havia atingido.17 Nessa situação, parece que os seguidores dessa prática exclusiva da Nembutsu propagada por Honen,18 considerando seu renascimento na Terra Pura como garantida, agiam de modo totalmente indulgente e decadente para pessoas religiosas que diziam ser, contribuindo para aumentar a crise moral do país e destruir a paz e a ordem social.19
Morinaka: Há obras da época que descrevem muito bem a conduta dos seguidores da Nembutsu.
Areia e seixos, uma antologia de contos compostos durante a era Koan (1278-1287), ilustra o seguinte panorama:
"Não faz muito tempo, quando a doutrina da Nembutsu começava a difundir-se, uma certa pessoa atirava cópias do Sutra de Lótus no rio e outras esfregavam a cabeça de Jizo com persicária,20 dizendo que, exceto as escrituras do Buda Amida, os demais ensinamentos e budas eram inúteis."21
Nessa obra há também referências ao fanatismo. Em um episódio, um seguidor da Nembutsu ameaçou uma pessoa que havia recitado mil vezes todo o Sutra de Lótus, dizendo que os que liam esse sutra, mesmo tendo abraçado a Nembutsu, cairiam no inferno, pois era uma prática impura.22
O texto prossegue:
"O homem arrependeu-se de ter recitado os sutras e de não ter feito o mesmo com a Nembutsu. Ele adoeceu gravemente - sem dúvida, efeito dessa visão deturpada - enlouqueceu por completo. 'Ai, como me arrependo de ter recitado os sutras', repetia monotonamente. Então, o homem mordeu a própria língua e os lábios, arrancando-os e morreu ensanguentado depois de muito gemer de dor. O monge que o havia induzido a abraçar a Nembutsu disse: 'Tendo se arrependido do pecado de recitar o Sutra de Lótus e arrancado os lábios e a língua como castigo, fica redimido de seu pecado e, agora sim, pode renascer na Terra Pura."23
Pres. Ikeda: Esse é um pensamento totalmente retrógrado. Em vez de nos mostrar uma religião que existe em função do ser humano, descreve uma condição em que as pessoas são escravas da religião. Nitiren Daishonin lutou durante toda sua vida contra a função maléfica desse tipo de religião que faz o povo sofrer confundindo sua mente.
Uma crença assim não oferece sequer consolo momentâneo. Essa deve ter sido uma das razões pelas quais Daishonin diz que os que apresentam essa mentalidade são indivíduos "que não respeitam os preceitos e mantêm visões deturpadas".
Morinaka: Na época em que Daishonin nasceu, a corte imperial e o governo de Kamakura emitiram muitos decretos ordenando o fim da propagação da Nembutsu e condenando Honen e muitos de seus principais discípulos ao exílio.24
Honen e seus devotos alteraram os ensinos da Nembutsu para obter o favor de outras escolas e conseguir difundir a sua. Em muito pouco tempo, a Nembutsu de Honen multiplicou sua força. Na época em que Daishonin estudava em Kamakura e Quioto, muitas pessoas já haviam abraçado a fé nos ensinos de Honen. A escola havia conseguido a lealdade de figuras-chave dentro da corte e do governo militar.
Pres. Ikeda: Nesse contexto, Daishonin refutou diretamente a Nembutsu. Esse seu ato provocou uma reação enorme. Podemos ter uma noção disso lendo o escrito "Refutação a Ryokan",25 no qual Daishonin descreve a forma como os seguidores da Nembutsu, subestimando completamente sua pessoa e seu conhecimento, desafiaram-no para um debate. Porém, eles foram derrotados, de forma humilhante. Daishonin declara que, em pouco tempo, não restou um único seguidor da Nembutsu que se propusesse a enfrentá-lo cara a cara. (cf. Gosho Zenshu, pág. 1293).
Morinaka: De acordo com esse mesmo escrito, havia leigos que, com o respaldo de sacerdotes de várias escolas, desafiavam Daishonin a debates. Em alguns casos, essas pessoas iam até sua morada e exigiam que ele saísse, só para ficarem ali, paradas e mudas, enquanto Daishonin as refutava do início ao fim.
Desesperados, os oponentes de Daishonin mobilizavam os samurais, guerreiros detentores de títulos militares notáveis, mas sem nenhuma compreensão de assuntos seculares. E também convocaram leigos poderosos, mas ignorantes dos princípios básicos do budismo. Essas pessoas recorriam a todos os tipos de táticas, incluindo intimidações e ataques aos seguidores de Nitiren Daishonin, que eram expulsos de suas terras, despojados de seus bens e privados de seus direitos.
Saito: Elas também apelaram para o governo de Kamakura. Daishonin descreve então como "a pessoa que governa os homens", provavelmente aludindo a Hojo Tokiyori, decidiu que em vez de tomar medidas drásticas contra ele, examinaria a situação com mais cuidado.
Pres. Ikeda: Dessa forma, os seguidores da Nembutsu viram-se forçados a recorrer a manobras cada vez mais astutas e perversas. Como relata Daishonin: "Ministros poderosos aliaram-se para instigar os habitantes das vilas e outras pessoas. Com uma força de milhares de homens, eles chegaram no meio da noite, com a intenção de me matar." (Gosho Zenshu, pág. 1294.)
Em outras palavras, os seguidores da Nembutsu conspiravam com setores poderosos do governo e com pessoas influentes da localidade para fomentar um ataque em massa. Essas foram as circunstâncias que envolveram a Perseguição de Matsubagayatsu. Daishonin também diz: "Esse foi um incidente que os dois ministros de Estado haviam planejado juntos" (Gosho Zenshu, pág. 1294). "Os dois ministros de Estado" se referem ao sexto regente, Nagatoki, e ao co-regente, Masamura.
Morinaka: Ou seja, as duas pessoas mais influentes do governo estavam envolvidas no plano. E por trás dessa pessoa estava o pai de Nagatoki, Shiguetoki. Depois de Tokiyori ter adoecido, ele confiou a regência inteiramente a Nagatoki, até que o filho, Tokimune, atingisse a idade exigida para execer o poder.
Pres. Ikeda: Essas pessoas que, em virtude de sua responsabilidade, deveriam reprimir e abafar esses ataques e orar pela felicidade de todos para resguardar a paz e a segurança, foram as que orquestraram a perseguição por inimizade pessoal. A situação, portanto, era amedrontadora.
Saito: Aqueles que causaram todo esse tumulto não receberam nenhuma punição. em um de seus escritos, Daishonin denuncia rigorosamente isso como "uma subversão desavergonhada dos deveres governamentais" (Gosho Zenshu, pág. 335).
Pres. Ikeda: Finalmente, os segundo dos poderosos inimigos havia se revelado. "Perversão" é a unica palavra que cabe para descrever as ações de fuguras religiosas que procuraram vencer seus opositores não por meio do debate ou da palavra, mas com armas e violência. Não obstante, essa é a realidade da maioria dos líderes sacerdotais nos Últimos Dias da Lei.
As palavras e os atos corruptos desses indivíduos fazem com que as pessoas em geral não confiem na religião, a qual desempenha um papel fundamental para os seres humanos. Consequentemente, cresce entre as pessoas a tendência de pensar que todas as religiões são prejudiciais, sem analisar profundamente se seus pricípios são corretos ou não. Essa ofensa é extremamente grave.
Justamente por essa razão, aqueles que acreditam em uma religião correta têm uma imensa responsabilidade. Devems fortalecer muito nosso espírito para vencer o mal e estabelecer princípios válidos. Caso contrário, o ensino correto parecerá e acabará sendo esquecido, e as pessoas mergulharam espiritualmente na escuridão do sofrimento.
Morinaka: De acordo com um relato, Noto-bo e Shinji Taro foram feridos durante a Perseguição de Matsubagayatsu. Foi por pouco que Nitiren Daishonin conseguiu escapar. Como ele pôde sair ileso? Um relato fantasioso diz que um macaco branco puxou Daishonin pela manga de seu manto e o levou até um local seguro [antes de os agressores chegarem].
Saito: Os sacerdotes da seita Nikken, sem perder tempo, têm dito coisas como: "A agitação de macacos [perto da morada] alertou Daishonin do perigo." Esse é um exemplo de falta de rigor e responsabilidade com que a seita Nikken estuda a doutrina
Compartilhar nas