Carta a Itinosawa Nyudo

Suponha que haja um jovem casal. O marido ama muito a esposa e a esposa pensa tão ternamente no marido que se esquecem completamente de seus pais. Em decorrência disso, os pais andam com roupas finas demais para os dias frios, enquanto o quarto do jovem casal é quente e aconchegante. Os pais não têm nada para comer, ao passo que o estômago dos dois está sempre cheio. Esses jovens estão cometendo o pior tipo de conduta filial, e, no entanto, não vêem que estão fazendo algo errado. Uma esposa que deliberadamente dá as costas à sua própria mãe e um marido que vai contra o seu próprio pai - não seriam culpados de uma ofensa ainda mais grave?

Nitiren Daishonin escreveu esta carta em 8 de maio de 1275, aos 54 anos de idade, quando se encontrava em Minobu. A carta foi endereçada à esposa de Itinosawa Nyudo, um sacerdote leigo que vivia em Itinosawa, uma região localizada na Ilha de Sado. Quando Nitiren encontrava-se exilado nessa ilha, manteve um debate com centenas de sacerdotes de diversas seitas budistas. Esse debate foi realizado nos dias 16 e 17 de janeiro de 1272, em torno da desolada cabana em Tsukahara onde Nitiren se abrigou e suportou o rigoroso inverno.

Ele enfrentou sozinho o desafio de centenas de bonzos ávidos em combater seus ensinos. Contudo, rebateu cada argumento com base nos sutras budistas, provou a veracidade de seus ensinos e os derrotou completamente no debate. Diante da supremacia da doutrina de Nitiren, muitos sacerdotes e leigos converteram-se ao seu budismo.

No mês seguinte, a revolta interna predita por Daishonin na "Tese sobre o estabelecimento do ensino correto para a paz da nação" tornou-se realidade quando Hojo Tokisuke tentou tomar o poder iniciando uma luta entre as facções da família Hojo em Quioto e Kamakura.

Esse acontecimento fez com que a credibilidade nos ensinos defendidos por Nitiren e em suas admoestações aumentasse e, em decorrência disso, o governo transferiu-o da desolada cabana de Tsukahara para a residência de Itinosawa Nyudo em abril de 1272. Ele permaneceu ali por dois anos até março de 1274, quando foi libertado da pena de exílio.

No trecho em referência, Nitiren Daishonin descreve um ambiente familiar em que são gerados causas e efeitos negativos devido à relação hostil entre os familiares. Os pais de hoje já foram jovens um dia. Alguns, por não terem cuidado devidamente de seus pais, são maltratados agora por seus filhos. Esses filhos, ao envelhecerem, serão desprezados da mesma forma. Caso esse ciclo não seja interrompido, isto é, se pais e filhos não se esforçarem para criar uma relação de respeito, harmonia e compreensão mútua, a felicidade será apenas um sonho distante.

Muitas vezes, os familiares sentem-se impotentes diante de uma crise familiar pelo fato de a solução depender unicamente deles próprios. Nesse sentido, entre todas as dificuldades, os conflitos familiares são os mais difíceis e os mais demorados de serem resolvidos.

O meio para tratar essas questões é o aperfeiçoamento consciente das qualidades e virtudes do único responsável: o ser humano. Isto é chamado de revolução humana, cujo processo ocorre concretamente em meio às crises de relacionamento humano.

Pode-se dizer que o ser humano será sempre o centro de todos os problemas. Mas, o mais importante é saber que ele é a solução. Tanto na menor unidade social chamada família, quanto nas unidades maiores como a empresa, a comunidade, o governo ou a nação, a tarefa de maior importância é o aperfeiçoamento do ser humano e a criação de excelentes valores humanos.

Uma das relações familiares que gera constante conflito é a intolerância entre nora e sogra. Essa crise provém da natureza própria das mulheres que não permite compartilhar uma mesma "propriedade", isto é, o homem que é, ao mesmo tempo, filho para a sogra e marido para a nora. Essa natureza ou estado de vida vem à tona principalmente quando a relação de nora e sogra torna-se mais próxima, por exemplo, num convívio sob o mesmo teto. Essa relação somente se normalizará quando ambas desafiarem a mudança dessa natureza própria das mulheres, deixarem de lado a disputa e direcionarem seus esforços para o bem-estar familiar.

Na escritura "Carta aos Irmãos" que Nitiren enviou aos irmãos Ikegami, Munenaka e Munenaga, ele fez as seguintes recomendações: "Se um dos senhores desistir no meio do caminho, ambos falharão em atingir o estado de Buda. Os senhores são como as duas asas de um pássaro ou os dois olhos de uma pessoa, e suas esposas são o seu apoio. As mulheres estão numa posição de apoiar e, ao mesmo tempo, de guiar os outros. Quando seu marido é feliz, a esposa se sentirá realizada. Se seu marido é um ladrão, ela será também uma ladra. Isto não é um assunto somente desta existência." (END, vol. 1, pág. 241.)

Nessa mesma escritura, Nitiren destaca a relação entre marido e mulher com as seguintes comparações: "Um marido e sua esposa são tão íntimos como um corpo e sua sombra, as flores e seus frutos, ou as raízes e suas folhas em cada existência da vida. Os insetos comem as árvores em que vivem, e os peixes bebem da água em que nadam. Se a grama murcha, as orquídeas sofrem, e se os pinheiros prosperam, os carvalhos exultam. Mesmo as árvores e a grama estão intimamente relacionadas. Hiyoku é um pássaro com um corpo e duas cabeças. Suas bocas nutrem o mesmo corpo. Hihoku são peixes com somente um olho, e assim, o macho e a fêmea permanecem juntos por toda a vida. Isto é ser marido e mulher." (Ibidem, pág. 242.)

O budismo ensina que as pessoas formam as causas positivas e negativas por três meios - pelo pensamento, pela palavra expressa e pelas ações. E esses três atos são mais freqüentes e mais profundos nas relações familiares. Portanto, o polimento das atitudes no convívio familiar é muito importante para gerar e compartilhar a harmonia e a felicidade entre todos.