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Proposta de Paz

(1) Reforma das Nações Unidas

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01/05/2004

(1) Reforma das Nações Unidas
Gostaria de apresentar duas propostas para a reforma institucional das Nações Unidas e idéias para garantir seu funcionamento efetivo.

Primeiro, a autoridade da Assembléia Geral necessita ser ampliada como o centro do esforço para fortalecer as Nações Unidas.

A Carta das Nações Unidas atribui ao Conselho de Segurança a responsabilidade fundamental de manter a paz e a segurança internacionais; é o único órgão cujas decisões comprometem legalmente os Estados-Membros (Artigos 24–25). Na realidade, entretanto, o poder de veto garantido somente aos cinco membros permanentes impede o Conselho de cumprir suas funções quando um acordo não é atingido.

A fim de superar as limitações do Conselho de Segurança é essencial atribuir poder à Assembléia Geral, fortalecendo tanto suas estruturas como seus sistemas.

A Carta das Nações Unidas estabelece que a responsabilidade da Assembléia Geral pela manutenção da paz e segurança internacionais está subordinada ao Conselho de Segurança. Mas como um fórum global para o diálogo aberto a todos os Estados-Membros, a Assembléia Geral representa exclusivamente a opinião de cada um de seus membros. Existe um órgão com poder de convocar a Assembléia Geral em sessão especial em caráter de urgência e fazer recomendações aos Estados-Membros quando o Conselho de Segurança deixa de cumprir sua responsabilidade fundamental em virtude, por exemplo, do exercício do veto. Esse processo foi estabelecido pela resolução “União pela Paz”, adotada pela Assembléia Geral em 1950, que permite que sessões especiais de urgência sejam convocadas pelo voto de qualquer um dos nove membros do Conselho de Segurança, ou pela maioria dos Estados-Membros das Nações Unidas.

No século XXI, as Nações Unidas devem ter a capacidade de representar e refletir plenamente as opiniões da comunidade internacional, buscando meios apropriados para resolver os problemas. A prática de realizar sessões especiais da Assembléia Geral em caráter de urgência deve ser encorajada, e diretrizes devem ser estabelecidas para que suas deliberações retornem ao Conselho de Segurança, particularmente, quando houver impasse em decisões que exigem obediência. Isso fornecerá uma base mais ampla para tomar decisões difíceis, necessárias para tratar novos tipos de ameaças à paz surgidas em anos recentes. Em dezembro de 2003, a Assembléia Geral adotou por unanimidade uma resolução exigindo medidas para “aumentar a eficiência e a efetividade da organização e para elevar o nível de sua visibilidade, de forma que suas decisões tenham maior impacto” (A/RES/ 58/126).

A força e a autoridade das Nações Unidas se encontram em sua capacidade para criar o consenso dentro da comunidade internacional. Embora medidas contra ameaças à paz e à segurança devam ser efetivas, é ainda mais importante que sejam vistas com legitimidade, base do soft power.

Minha segunda proposta para a reforma institucional refere-se à necessidade de coordenar e integrar estratégias e atividades das agências das Nações Unidas que promovam diferentes formas de apoio a pessoas e sociedades envolvidas em conflitos violentos. Isto deve abranger todo o processo, desde o início do conflito até as atividades de criação da paz.

Recentemente, a interrupção de atividades de auxílio em situações de conflito tem criado sérios problemas. A necessidade de eliminar essas falhas é salientada em “Segurança Humana, Já”, relatório conclusivo do Comitê de Segurança Humana editado em maio de 2003. Consta do relatório: “É preciso coordenar as atividades do grande número de participantes das ações de ajuda humanitária, preocupados apenas em proteger as pessoas, em vez de seguir um planejamento mais abrangente.” (134)

Esse relatório também defende que todos os participantes devem trabalhar sob uma liderança unificada pelas necessidades das pessoas e das sociedades atormentadas pelos conflitos. “A responsabilidade de proteger as pessoas envolvidas no conflito deve ser complementada pela responsabilidade de reconstrução, particularmente depois de uma intervenção militar internacional. A medida do sucesso não está no fim do conflito, mas na qualidade da paz alcançada.” (136)

Há uma necessidade cada vez mais urgente de desenvolver uma estrutura abrangente para atividades de auxílio exigidas por conflitos de natureza ainda mais complexa. Acredito que deve ser criado dentro das Nações Unidas um órgão que assuma, em tais casos, uma liderança internacional efetiva. Especificamente, o Conselho de Curadoria, que teve suspensas suas operações, poderia ser reconstituído como um “conselho de reabilitação da paz” e assumir essa responsabilidade. Isso se baseia em uma idéia que discuti em minha proposta de 1995, quando sugeri que fosse atribuído ao Conselho de Curadoria o novo papel de proteger a diversidade étnica e cultural nas áreas de conflito, trabalhando em conjunto com o Alto-Comissariado para Refugiados e o Alto-Comissariado para os Direitos Humanos. Incorporando algumas dessas funções, este conselho de reabilitação da paz poderia, como responsabilidade principal, promover e coordenar as atividades de ajuda humanitária em todo o seu raio de ação para edificar a paz após o conflito. Enquanto conduz suas funções, deve manter comunicação contínua com todos os países afetados. Além disso, para assegurar um nível elevado de transparência e credibilidade, convém apresentar a todas as partes interessadas relatos regulares dos progressos.

O engajamento e o apoio das pessoas são essenciais para fortalecer as Nações Unidas — tão importante quanto os esforços dos Estados-Membros. Já faz tempo que o organismo mundial vem resistindo às restrições financeiras. Ainda assim, não falta com o apoio que lhe é solicitado.

É claro que alguns progressos foram conquistados. O Painel de Personalidades Ilustres sobre as Relações das Nações Unidas e a Sociedade Civil, por exemplo, foi formado em fevereiro de 2003. Liderado pelo ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, e comprometido com a “abertura, transparência e o processo consultivo”, empenha-se em propor medidas que tornem mais significativas a interação entre a sociedade civil e as Nações Unidas.

Recebo com satisfação essas conquistas e acredito que elas possam ser ainda mais incentivadas por um “fórum popular das Nações Unidas”, uma reunião de representantes da sociedade civil e das ONGs, talvez por ocasião do 60º aniversário do estabelecimento das Nações Unidas em 2005. Dando continuidade ao trabalho do Fórum do Milênio das ONGs, realizado em 2000, isso ajudaria a fortalecer a capacidade das Nações Unidas de contribuir para edificar a paz numa nova era da humanidade.

O Centro de Pesquisa de Boston para o Século XXI (BRC), instituto para a paz internacional fundado em 1993, apoiou as Nações Unidas durante seu 50º aniversário em 1995, promovendo uma série de diálogos a respeito das recomendações da Comissão sobre Governança Global. A publicação desses diálogos no livro A Resposta do Povo aos nossos Vizinhos do Mundo foi seguida por dois seminários nas Nações Unidas, explorando em particular a idéia da comissão para um fórum da sociedade civil. A SGI e suas instituições afiliadas estão comprometidas com a construção de uma solidariedade popular global, apoiando as Nações Unidas por meio de atividades tais como cooperação em pesquisas e patrocínio de simpósios e fóruns públicos.

Complementando essas sugestões para a reforma das Nações Unidas, gostaria de frisar a importância de criar uma tendência mundial para solucionar conflitos com a aplicação de leis como principal medida de defesa contra o terrorismo.

Importantes passos já foram dados nessa direção. Por exemplo, a criação do Comitê Contra o Terrorismo (CTC) nas Nações Unidas com base na da Resolução 1373 do Conselho de Segurança, adotado em setembro de 2001, e o Grupo de Ação Contra o Terrorismo, estabelecido com o propósito de auxiliar as atividades do CTC durante a Cúpula do G-8, realizada em Evian, França, em junho de 2003.

A prevenção contra o terrorismo requer o aperfeiçoamento da função e eficiência dos sistemas judiciários de cada país. O comitê de cooperação internacional é essencial no apoio aos esforços nacionais, e as organizações descritas anteriormente podem desempenhar um papel-chave. É extremamente importante criar, por meio de uma rede de cooperação internacional e com ênfase em medidas preventivas, as condições em que o terrorismo é evitado e eliminado.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) deve ser o centro nesse processo. Aberto oficialmente sob juramento de seus juízes em março de 2003, o TPI é a primeira corte criminal internacional permanente, estabelecida para julgar indivíduos por crimes de guerra, genocídio ou crimes contra a humanidade. É importante aumentar o número de Estados participantes no TPI e incentivar seu funcionamento efetivo.

O TPI pode ajudar a romper o ciclo de ódio e violência que conduz ao conflito e ao terror. Pode contribuir para estabelecer uma cultura de solução de conflitos, recorrendo-se à lei em vez da força. Universalidade e credibilidade são fundamentais para a eficácia do tribunal, e nesse sentido, também se requer a maior participação possível. Na condição de ONG, a SGI se empenhará em desenvolver um amplo apoio popular ao TPI por meio de diversas atividades para elevar a consciência pública de sua existência e o potencial que ele representa.

Logo após o chocante ataque terrorista à sede das Nações Unidas em Bagdá, em agosto de 2003, o Conselho de Segurança adotou uma resolução condenando duramente o terror contra equipes de ajuda humanitária das Nações Unidas em zonas de conflito, identificando esses atos como crimes de guerra. Deveria ser estabelecido um princípio para julgar crimes hediondos de terrorismo em um foro judicial internacional como o TPI. Não devemos subestimar o potencial intimidatório dessas medidas.

Neste sentido, também é necessário reforçar a Lei Humanitária Internacional, desenvolvida para definir a conduta legalmente aceitável de combatentes em tempos de guerra. Assim, será possível responder a novos tipos de conflito, como as guerras civis que se espalham para além das fronteiras internacionais, e assegurar o espírito da lei humanitária nas medidas contra o terrorismo.

(2) Desarmamento e abolição das armas nucleares

Gostaria de discutir algumas perspectivas para reduzir e, por fim, eliminar os arsenais nucleares no mundo.

Em dezembro de 2003, o governo do Irã assinou um protocolo adicional com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) garantindo a seus inspetores amplos direitos de acesso. No mesmo mês, a Líbia concordou em desmantelar seus programas para desenvolver e fabricar armas de destruição em massa, incluindo armas nucleares. O país também concordou em aceitar uma equipe de inspeção internacional imediatamente.

Apesar de essas notícias representarem um enorme progresso nos esforços para a não-proliferação nuclear, eliminando totalmente a ameaça de armas nucleares do mundo, infelizmente continua sendo uma perspectiva distante. Tenho a convicção de que, para conseguir uma suspensão duradoura, será vital mudar a ênfase da não-proliferação — a questão principal em anos recentes — para redução e sua conseqüente abolição.

Obviamente, a defesa da não-proliferação é pré-requisito de progresso no desarmamento nuclear. Eis por que tenho repetidamente bradado para que entre em vigor o quanto antes o Tratado Abrangente de Proibição dos Testes Nucleares (CTBT), cujo texto foi finalizado em 1996. Um sistema de monitoramento internacional está sendo desenvolvido sob o regime de verificação do CTBT, quando entrar totalmente em operação, não mais será possível ocultar testes nucleares.

Mais de sete anos se passaram desde que o CTBT foi adotado. Embora o tratado esteja definhando, aguardando entrar em vigor, o medo de mudanças para retomar os testes nucleares tem aumentado. No ano passado, por exemplo, o governo norte-americano distribuiu fundos para pesquisa de armas nucleares de pequeno porte e de alto poder penetrante.

Em julho de 2003, o CTBT foi ratificado pela Argélia, um dos Estados cuja ratificação foi necessária para que entrasse em vigor. A opinião pública internacional deve ser mobilizada para garantir que os doze países restantes, incluindo os Estados Unidos, ratifiquem o tratado o mais rápido possível.

Ainda com relação a essa questão, há a necessidade de formalizar em um sistema global a Garantia de Segurança de Negação, tratado firmado pelos países detentores de armas nucleares de não usá-las contra os Estados não-nucleares.

Medidas como essas, tomadas com seriedade, incorporam o espírito de autodomínio que mencionei anteriormente e que constitui a essência da conduta civilizada. Demonstrar esse espírito de tal forma que as pessoas do mundo inteiro possam compreendê-lo e reconhecê-lo, seria o meio mais poderoso para deter a guerra e o terrorismo. E nada seria de mais valia para criar um sistema estável para a não-proliferação e aumentar a credibilidade e a eficácia dos tratados de desarmamento nuclear, do que os países detentores de armas nucleares confirmar seu compromisso de longa data com o desarmamento.

O objetivo principal do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) é evitar a propagação de tais armas. Não podemos, porém, ignorar o fato de que o TNP possui mais signatários do que qualquer outro tratado relacionado às armas nucleares, por uma razão muito simples: seu texto exige que as nações busquem negociações de boa fé para eliminar seus arsenais nucleares (Artigo VI).

Em 1995, por ocasião da decisão de estender o tratado indefinidamente, foram adotados os documentos “Fortalecendo o Processo de Revisão do Tratado” e “Princípios e Objetivos para a Não-Proliferação e o Desarmamento Nuclear” (A/57/387). Esse fortalecimento da estrutura para o desarmamento deve ser entendido como manifestação da força da vontade da comunidade internacional.

Em minha proposta do ano passado, sugeri que em 2005 (ano em que está programada a próxima Conferência de Revisão do TNP e que marca o 60º aniversário do lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki) fosse convocada uma sessão especial da Assembléia Geral das Nações Unidas dedicada à abolição das armas nucleares, com a participação de chefes de Estado e de Governo. Clamei também por uma discussão sobre a formação de uma nova agência especializada dentro das Nações Unidas para tratar de questões de desarmamento nuclear.

O documento final adotado pela Conferência de Revisão do TNP 2000 inclui o “compromisso inequívoco das nações portadoras de armas nucleares em eliminar totalmente seus arsenais” (TNP/CONF. 2000/28). Esse documento também pede o “engajamento mais adequado possível de todas as nações portadoras de armas nucleares no processo condutor à eliminação total de tais armas”. A importância desses compromissos jamais deve ser esquecida e todos os esforços devem ser feitos para concretizá-los.

O primeiro passo deve ser dado pelos cinco Estados declarados portadores de armas nucleares — que são também cinco membros permanentes do Conselho de Segurança — cumprindo suas responsabilidades com todas as partes do TNP, iniciando as negociações de boa fé para chegar ao desarmamento nuclear. Estou convencido de que o acordo dessas cinco potências para iniciar negociações na Conferência de Revisão do TNP de 2005, ou na sessão especial da Assembléia Geral que estou propondo, ofereça uma solução para acabar com o impasse atual. Clamo ainda mais fortemente para que se comece a redigir uma petição para a abolição nuclear.

Gostaria de comentar agora os esforços para amenizar os temores de que a Coréia do Norte esteja desenvolvendo armas nucleares, que têm aumentado desde dezembro de 2002, quando foi anunciada a decisão de reativar suas instalações nucleares. Conversações foram realizadas em Pequim em agosto de 2003 entre seis nações: Estados Unidos, Rússia, China, Coréia do Sul, Coréia do Norte e Japão.

Apesar de não ter havido nenhum progresso, as partes chegaram a um consenso em alguns pontos, conforme demonstra o resumo emitido pela China, país anfitrião, como “resolver a questão nuclear pacificamente por meio do diálogo, para manter a paz e a estabilidade na Península Coreana e abrir o caminho para a paz permanente”, e “não tomar atitudes que possam agravar a situação no processo de solucionar a questão pacificamente” (MOFA).

Tentativas para manter mais conversações cessaram, e embora em janeiro deste ano a Coréia do Norte tenha aceito uma delegação norte-americana não-oficial e autorizou a inspeção de suas instalações nucleares, pouco progresso se obteve. Para o Japão, a questão do rapto de japoneses por agentes da Coréia do Norte no passado não pode ser ignorado. Entretanto, é importante que cada país tome iniciativas positivas para desenvolver a estrutura do diálogo multilateral que finalmente surgiu, aderindo ao espírito do resumo mencionado.

De minha parte, enquanto espero pelo breve início do segundo tempo das conversações entre as seis partes, acho que devemos criar uma estrutura formal para essas conversações, como um veículo forte para medidas edificadoras de confiança na Península Coreana e no Nordeste Asiático. Como um objetivo de longo prazo, devemos criar um organismo regional — uma União do Nordeste Asiático — com o objetivo imediato de criar ali uma zona livre de armas nucleares.

(3) Segurança Humana

O terceiro desafio que gostaria de lançar diz respeito à expansão e abrangência da segurança humana.

Segurança humana é um conceito recente surgido do esforço para repensar antigas concepções. É um novo enfoque, centrado na segurança das pessoas e não na do Estado. Trata não somente das ameaças ou das formas diretas de violência como a guerra, o terrorismo e os crimes, mas também a pobreza e a poluição ambiental, a violação dos direitos humanos, a discriminação e a falta de acesso à educação e ao saneamento. Todas essas questões afetam seriamente a segurança e a dignidade dos seres humanos.

Em sua mensagem de Ano-Novo, o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, alertou que a guerra no Iraque tem desviado a atenção do mundo para as ameaças que matam “milhões e milhões de pessoas a cada ano” como a pobreza e a fome extremas, água imprópria para consumo, degradação ambiental e doenças infecciosas. Ele apelou aos líderes mundiais para fazer de 2004 “o ano em que começaremos a mudar a correnteza” (SG/SM/9095).

Desde que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) delineou pela primeira vez o conceito básico de segurança humana em 1994, o reconhecimento de sua importância tem sido crescente. O ano de 2001 viu a formação do Comitê de Segurança Humana, cujo relatório “Segurança humana, já: Protegendo e fortalecendo o povo” mencionei anteriormente. Revendo a evolução do conceito, o relatório define segurança humana como “proteção das liberdades fundamentais — liberdades que são a essência da vida” e “proteção às pessoas de ameaças e situações críticas”. (4)

O que achei admirável nesse relatório é que ele identifica fortalecimento, junto à proteção, como uma das duas chaves para a segurança humana. Frisa a importância de desenvolver o poder e a habilidade inata nos seres humanos, fortalecendo-os para encontrar sua própria felicidade enquanto contribui para a sociedade:

A capacidade das pessoas de agir por si sós — e pelos outros — é a segunda chave para a segurança humana. Fortalecer essa capacidade diferencia a segurança humana da segurança do Estado, do trabalho humanitário e até mesmo do trabalho de desenvolvimento. O fortalecimento é importante porque as pessoas desenvolvem seu próprio potencial como indivíduos e como comunidades. (11)

Isto corresponde à minha convicção de que os esforços para criar algo de valor novo e positivo dentro da sociedade, com ações pelo bem dos outros, formam a base indestrutível da paz.

Conforme frisei em muitas ocasiões, incluindo a parte inicial desta proposta, acredito que a educação deve ser o centro dos esforços para estender a segurança humana.

Estima-se que hoje existam no mundo 860 milhões de adultos iletrados, e 121 milhões de crianças que não têm acesso à escola (A/RES/56/116). A campanha “Educação para Todos” liderada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), visa a tornar a educação básica uma realidade universal. O ano passado foi também o início da Década Internacional das Nações Unidas para a Alfabetização (2003–2012).

A alfabetização abre as portas para o saber, possibilita às pessoas a desenvolver suas habilidades inatas e seu pleno potencial. Incentivar a alfabetização entre mulheres, que representam dois terços dos iletrados, e possibilitar às meninas maior acesso à educação de primeiro grau significa, sem dúvida alguma, melhora significativamente a vida não só delas próprias, mas também a de seus familiares e de sua comunidade.

O relatório “Situação Mundial da Infância 2004”, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em dezembro de 2003, adverte que nenhum dos objetivos de desenvolvimento mundial pode ser atingido sem o progresso na área da educação das meninas, e clama por uma reforma urgente nos esforços de desenvolvimento internacional. A falta de fundos tem levado muitos países a ficar para trás na promoção da educação primária. Este é um obstáculo que pode ser eliminado pela cooperação internacional.

Segundo estimativas das Nações Unidas e do Banco Mundial, a meta da educação primária para todos por volta de 2015 pode ser atingida se a verba dos gastos militares de apenas quatro dias for destinada à educação anualmente (Segurança Humana, 117–118).

A educação primária universal é uma das oito Metas de Desenvolvimento do Milênio (UNDP). Para que isso se torne uma realidade o quanto antes, acredito que um “fundo para a educação primária global” desempenharia um papel extremamente importante para a maior cooperação ao fundo internacional.

Da mesma forma que essas iniciativas para garantir a educação básica para todos, a educação dos direitos humanos é a base para a construção de um mundo sem guerras.

Meu amigo e co-autor, o falecido Norman Cousins (1915–1990), escreveu em seu livro Human Options (Opções Humanas): “A indiferença em relação à dor e ao sofrimento humano é indício mais claro da falha na educação” (30). Como esse sábio jornalista e ativista norte-americano adverte, o preço de nossas falhas coletivas nos esforços na área educacional, no sentido mais amplo do termo, é o ressentimento e potencial para o conflito. Em muitas sociedades, tensões fervilham sob a superfície, prontas para entrar em violenta erupção, sobretudo quando exacerbadas pela recessão econômica e o alto índice de desemprego. Para eliminar com sucesso o conflito do mundo e construir uma base para a coexistência pacífica, precisamos transformar esses sentimentos subjacentes de hostilidade e preconceitos.

Foi com isto em mente que clamei por uma “Década da Educação dos Direitos Humanos para a Paz”, que seguiria a “Década da Educação dos Direitos Humanos das Nações Unidas” (1995–2004), em mensagem endereçada à Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância realizada em Durban, África do Sul, há três anos. Em agosto do ano passado, a Subcomissão das Nações Unidas para Promoção e Proteção dos Direitos Humanos divulgou uma recomendação pedindo para que a Assembléia Geral proclamasse uma segunda “Década de Educação para os Direitos Humanos” com início em 1º de janeiro de 2005 (E/CN.4/Sub.2/2003/L.14). Acolho sinceramente esta iniciativa, e peço que a implementação favoreça particularmente as crianças, as protagonistas do futuro. Ao mesmo tempo, acredito que o objetivo maior da construção de uma sociedade global de paz e coexistência deva ser mantido firmemente em vista.

De sua parte, a SGI continuará a apoiar as atividades das Nações Unidas e trabalhará em parceria com outras ONGs, fazendo o máximo para promover a educação da paz e dos direitos humanos pelo mundo.

O ano de 2004 é o “Ano da Abolição da Escravidão”. Com certeza é uma oportunidade ideal para aprender lições importantes do passado, e construir as bases para vencer o racismo e a intolerância. Nos últimos anos, a importância da educação dos direitos humanos tem sido muito enfatizada. Isto é demonstrado pelos diversos meios de comunicação que incitam o ódio contra pessoas de uma nacionalidade ou de um grupo étnico específico e a proliferação de websites do “ódio” que atacam pessoas por sua etnia, cultura ou crença. Esta realidade é reforçada pelo rápido crescimento da mídia, que pode alimentar o medo, solo fértil para conflitos e crimes hediondos.

Em dezembro de 2003, as Nações Unidas realizaram a primeira Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação em Genebra, Suíça. Além de discutir a crescente disparidade entre “ricos” e “pobres” da informação, a chamada exclusão digital, a Cúpula foi uma oportunidade importante para examinar muitos aspectos da sociedade de informação, incluindo os tipos de abuso citados anteriormente. Apesar de reconhecer a liberdade de imprensa e a independência dos meios de comunicação como fatores indispensáveis, a Declaração de Princípios adotada pela Cúpula clama pelo uso responsável e cuidadoso da informação “de acordo com os mais elevados padrões éticos e profissionais” (8). Espero que haja uma discussão mais aprofundada das questões éticas que cercam as tecnologias emergentes antecipando a segunda Cúpula da Informação no próximo ano na Tunísia.

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