
Conteúdo
Diálogo Sobre a Filosofia Budista
Por que os obstáculos e as maldades tentam impedir a prática budista
Diálogo Sobre Religião Humanística
[13] Os “três casos de enaltecimento” a Daishonin pelo cumprimento de suas predições
Gente
TC
Uma vida dedicada às pesquisas de combate ao cancer
Ter uma chance e agarrá-la com todas as forças – isso poderia resumir a trajetória de Edegar Ozório da Silva. Sua história mostra a importância de ter grandes sonhos, fazer as escolhas certas e persistir!
01/10/2004
Minha juventude
Nasci em uma família de agricultores no interior do Rio Grande do Sul, município de Espumoso. Na infância, para ir às aulas, caminhava em torno de cinco quilômetros. De manhã ia à escola e, à tarde, trabalhava na lavoura com meus pais. Esta foi minha rotina até os doze anos, quando conclui a 5ª série.
Éramos dez irmãos e meus pais queriam que pelo menos um seguisse com os estudos. Como eu era o mais novo, fui o escolhido. Para estudar, entretanto, teria de ir morar na cidade. Quando soube que ficaria sozinho, “tremi na base” e, mesmo arriscado a levar uma surra de meu pai, decidi que não iria. Meu pai, pelo contrário, disse que uma surra não resolveria o problema e explicou-me que toda pessoa deve ter uma profissão ou meio de sobrevivência, e que se eu realmente não queria estudar, teria de trabalhar na roça. Desse dia em diante acompanhei-o em tudo, levantando por volta das duas e meia da manhã.
Somente aos dezesseis anos consegui perceber a chance que havia jogado fora: a oportunidade de ter uma condição de vida melhor, não tão sofrida, como a de quem trabalha na roça. Naquela época, estava começando a ir a bailes e festas. Meu pai me deu uma área para plantar. Tudo que eu colhesse seria meu. Dessa forma, pensava feliz: “Agora terei meu próprio dinheiro e não dependerei mais de ninguém.” Preparei a terra, plantei soja e, então, chegou a época da colheita. A produção rendeu treze sacas e logo fui vendê-las. Queria comprar algumas roupas e guardar o restante para ir às festas. Lembro-me de que as sacas encheram uma carroça de bois. Vendi a soja ao dono de um armazém e, naquele momento, senti o que significava trabalhar na roça: todo o esforço, de seis ou sete meses de cultivo, rendeu somente uma blusa e alguns trocados que, talvez, nem seriam suficientes para ir a um baile hoje.
Despertando para os estudos
Enxergando a besteira que fiz, mesmo com medo da reação de meu pai, pedi-lhe uma segunda chance, perguntando se ainda gostaria que eu estudasse. Meu pai respondeu que esse ainda era seu grande sonho.
Assim, no ano seguinte, fui morar em Santa Maria, e para recuperar um pouco do tempo que havia perdido, matriculei-me num supletivo. Em dois anos concluí os ensinos fundamental e médio.
Um ano depois, 1972, prestei vestibular para o curso de Licenciatura em Química, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Como neste curso sobravam vagas, fui aprovado tranqüilamente. Entrar foi fácil, mas para acompanhar o curso tive de estudar no mínimo três vezes mais do que os colegas. Estudava os livros do ensino médio para entender os da faculdade.
Nessa época, minha mãe encontrava-se em fase terminal de câncer. As despesas começaram a pesar e, para ajudar um pouco, trabalhava como garçom no restaurante da universidade. No segundo ano da faculdade, comecei a lecionar em uma escola de ensino médio numa cidade chamada Cachoeira do Sul, situada a aproximadamente cem quilômetros de Santa Maria. Viajava duas vezes por semana para dar aulas e ficava duas noites sem dormir.
Mesmo enfrentando todas essas dificuldades, formei-me em 1976. Nessa época, já estava trabalhando em colégios em Santa Maria.
Em 1979, tive a oportunidade de ingressar como professor substituto no Departamento de Química da UFSM, e em 1980 prestei concurso para regularizar a situação.
O sonho de ser professor numa instituição de ensino superior não era apenas pela melhoria salarial, mas, principalmente, para evoluir na carreira profissional.
Para elevar meu nível profissional, fui fazer mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, em agosto de 1984. Não fui aprovado no exame de seleção, mas aproveitei a oportunidade de ingressar por nivelamento. Com muito esforço, estudando cerca de dezoito horas por dia, em dezembro do mesmo ano estava concluindo o nivelamento e passava a ser aluno regular do Instituto de Química da Unicamp. Acompanhar esse curso também foi um grande desafio. No segundo semestre, estava fazendo três disciplinas. Fui aprovado em duas com conceito mínimo, e na terceira, Físico-Química Avançada, fui reprovado. Havia estudado alguns conteúdos dessa disciplina apenas no início da graduação, ou seja, dez a onze anos atrás. Essa deficiência, somada ao fato de não ter estudado bem a Matemática no ensino médio, fez-me pensar que era impossível superar as dificuldades para concluir meu tão sonhado curso. Entrei em desespero, pois esse curso, para mim, representava minha própria vida. Tive depressão e não via nenhuma chance de poder superar minhas limitações.
Início da prática
Foi nesse momento, quando me sentia num beco sem saída, que encontrei o Budismo de Nitiren Daishonin. A pessoa que me ensinou o Nam-myoho-rengue-kyo disse-me que se eu o recitasse com o forte desejo de terminar o curso, infalivelmente adquiriria força e coragem para superar a falta de base nos estudos.
Confiei em suas palavras e comparei o budismo a um novo remédio que estava conhecendo. Pensei: “Vou experimentar, se me fizer efeito, continuo, se não, páro.” Comecei recitando uma hora de Daimoku diariamente. Também comecei a participar de todas as atividades da organização. Inspirava-me na alegria que via no rosto das pessoas. “Se estas pessoas são felizes, eu também posso ser”, pensava. Determinei que infalivelmente concluiria o curso e seria vitorioso!
No dia 27 de outubro de 1985, numa cerimônia emocionante, recebi meu Gohonzon. Nesse mesmo ano, comecei a participar das atividades do Departamento de Cientistas da Coordenadoria Cultural da BSGI, em São Paulo. Nos encontros desse grupo, aprofundávamos no estudo do budismo. O contato com os veteranos abriu meus horizontes sobre a prática budista e, aos poucos, descobri meu grande potencial inerente. Entendi que tudo é possível e que a vitória só dependia de mim.
Desempenhei minha primeira função na organização com seis meses de prática e fui assumindo sucessivas responsabilidades, desfrutando sempre a confiança dos companheiros. Tenho profunda gratidão por Maria Heloísa do Prado, a pessoa que me ensinou o Nam-myoho-rengue-kyo, e ao casal Luiz e Luzia Koike, que me ajudaram a dar os primeiros passos na prática da fé, além de todos os dirigentes e companheiros da organização de Campinas, pela paciência e perseverança que tiveram comigo no período de 1985 a 1988.
Harmonia familiar
Na mesma época em que enfrentava dificuldades nos estudos e iniciava a prática budista, também enfrentava o divórcio. A dor foi muito grande, porque, de uma hora para outra, as duas pessoas que mais amava, meus filhos Alexandre e Fernando, deixaram de conviver comigo. Isso ocorreu após a concretização do meu primeiro milhão de Daimoku.
Por todos os sofrimentos que enfrentei nesse casamento, após me divorciar, meu grande desejo era viver só, mas logo comecei a sentir uma grande solidão e cheguei à conclusão de que o ser humano realmente não nasceu para viver sozinho. Para preencher esse vazio em minha vida, decidi realizar mais um milhão de Daimoku. Como resultado desse desafio, encontrei Marilyn, e estamos completando 18 anos de casamento.
O início foi difícil. Marilyn também era divorciada e trazia consigo dois filhos do primeiro casamento: Marcelo e Rodrigo. Sentia uma grande dificuldade de me relacionar com eles, pois sofria ao fazer por eles tudo o que não podia fazer pelos meus próprios filhos devido à separação. Era meu carma de desarmonia familiar se evidenciando novamente. Mais uma vez desafiei na recitação de Daimoku. Foi uma longa luta, mas venci, e hoje não faço diferença entre os quatro.
Alexandre e Fernando trabalham e estudam na cidade de Ijuí. Rodrigo, em julho passado, partiu para os Estados Unidos, e está estudando inglês em Miami, preparando-se para fazer mestrado em Educação Física, tendo o voleibol como sua grande meta. Marcelo continua morando em Santa Maria e se tornou um grande publicitário.
Persistência e vitória
Com a prática, fui me acalmando e consegui controlar minha tendência ao nervosismo e à depressão. Conquistei a harmonia familiar e minhas notas na faculdade também foram melhorando. De uma turma de dezoito alunos que ingressaram na pós-graduação do Instituto de Química da Unicamp, fui o segundo a concluir a dissertação, recebendo conceito “A com excelência” na defesa.
Concluído o curso, retornei a Santa Maria vitorioso, trazendo na bagagem minha dissertação e a comprovação da grandiosidade do Nam-myoho-rengue-kyo! Como forma de gratidão ao Gohonzon, por concluir meu tão sonhado mestrado e ter conhecido uma organização tão maravilhosa como a BSGI, que considero realmente como uma família, eu, minha esposa e meus filhos decidimos lutar com todas as forças para construir uma organização em Santa Maria, contando com o auxílio dos dirigentes de Porto Alegre.
Hoje, Santa Maria é uma área, com três distritos e seis comunidades, contando com aproximadamente 150 famílias. Duas destas comunidades estão em outras cidades: Ijuí e Santo Ângelo, situadas a 160 quilômetros e 220 quilômetros, respectivamente.
Novos desafios
Em certa ocasião, li uma orientação do presidente Ikeda na qual ele destacava que o trabalho é a base da vida do ser humano, incentivando-nos a lutar para sermos os melhores em nosso respectivo campo de atuação. Essas palavras me fizeram compreender que precisava desafiar e elevar ainda mais meu nível profissional. Decidi fazer um doutorado e, com essa finalidade, iniciei um desafio de recitação de Daimoku para visualizar a melhor universidade para continuar meu aprimoramento. Essa instituição, em termos de conforto ou comodidade, era a Unicamp, pois já conhecia a cidade, a organização e os professores. Mas meu maior desejo era ter a experiência de estudar onde mais me aprimoraria.
Como resposta a esse desafio, surgiu a oportunidade de ir para a Universidade de São Paulo (USP) — que eu considero a melhor universidade do país — e trabalhar com um professor apreciado como o “número 1” de Química Inorgânica do Brasil. Ele é uma pessoa reconhecida internacionalmente pela qualidade de seus trabalhos, estando também entre os vinte melhores cientistas do mundo. Então, em março de 1993, mudamos, eu e minha família, para São Paulo, e naquele mesmo mês iniciei o curso.
As dificuldades para a síntese de novos produtos químicos são muitas. E o tipo de moléculas com as quais eu trabalhava era de complexidade ainda maior. Enfrentei grandes obstáculos, tanto nas reações de síntese dos compostos que trabalhei, como na aplicação das técnicas para caracterizá-los.
Paralelamente, eu e minha esposa atuávamos como responsáveis pelo Distrito Morumbi. Tivemos a grande boa sorte de atuar com grandes veteranos, podendo aprimorar nossa prática.
Como fruto disso, em dezembro de 1996, conclui a tese. A defesa foi em maio de 1997. Pude comprovar novamente a grandiosidade do Nam-myoho-rengue-kyo. Foi a prova real de um trecho memorável dos escritos de Nitiren Daishonin: “Aqueles que crêem no Sutra de Lótus são como o inverno. O inverno nunca falha em se tornar primavera.” (As Escrituras de Nitiren Daishonin, vol. I, pág. 336.)
Na época em que ingressei como professor no Departamento de Química da UFSM, havia 42 professores, dos quais apenas dois tinham doutorado. Hoje, esses números se inverteram, ou seja, apenas dois não têm e outros quarenta são doutores. Pelo conceito dado pelo Ministério da Educação (MEC), os cursos de Química de nosso departamento estão no mesmo nível dos cursos da Unicamp e da USP.
A evolução do departamento foi muito grande, e, graças aos incansáveis esforços embasados na recitação do Nam-myoho-rengue-kyo, pude acompanhar esse desenvolvimento. É gratificante ver, a cada final de semestre, as novas turmas de formandos dos diversos cursos e ter a certeza de estar contribuindo para a construção de uma sociedade melhor.
Minha vitória pessoal foi impulsionada pelos sábios incentivos do presidente Ikeda – meu grande mestre da vida!
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