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Na prática

Como transformar veneno em remédio

Ao longo de 61 anos desde a sua fundação — em 19 de outubro de 1960 —, a BSGI testemunhou milhares de membros alterarem um provável destino de infortúnio para uma rota permeada de vitórias. A data citada também foi a ocasião da primeira visita do presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, ao Brasil. Nessa época, eram os imigrantes japoneses que compunham o começo da formação de membros da organização em solo brasileiro, e grande parte deles iniciara a prática budista no Japão, antes de vir ao nosso país tentar uma vida mais promissora. No dia seguinte à chegada de Ikeda sensei ao Brasil, um grupo de pessoas formado em sua maioria por esses imigrantes se reuniu com ele no encontro que posteriormente viria a ser conhecido como dia da fundação do Distrito Brasil. Os participantes relataram os desafios de residir num lugar que possuía cultura e tradições com profundas diferenças da terra natal, além das dificuldades econômicas e sociais que enfrentavam na ocasião. Nessa reunião, o presidente Ikeda dialogou com uma mulher que aparentava ter pouco mais de 30 anos e uma expressão de cansaço e desalento. No romance Nova Revolução Humana é descrita essa passagem: — A senhora tem alguma questão? Por favor, pergunte. Ela se levantou e disse desanimada: — Meu marido ficou doente e morreu. Não sei como vou conseguir sobreviver... Quando penso que terei de continuar vivendo aqui para sustentar meus filhos, num país em que tudo é estranho para mim, não consigo deixar de sentir uma enorme insegurança. Acho que meu carma é terrível. Não sei o que poderá acontecer no futuro. Só sei que não vou conseguir suportar. Sorrindo, Shin’ichi Yamamoto [pseudônimo de Daisaku Ikeda na obra] respondeu: — Não se aflija. Contanto que continue praticando o budismo, a senhora será feliz, sem falta. Esse é o propósito do budismo.1 Esse é um breve trecho dos incentivos proferidos pelo presidente Ikeda que elucida o princípio budista da “transformação de veneno em remédio”. Com a injeção de ânimo recebida nesse dia, os pioneiros da BSGI conseguiram alterar fundamentalmente os sofrimentos vividos naquele período. Além disso, com o desejo de que mais pessoas convertessem infortúnio em boa sorte, eles contribuíram para o amplo desenvolvimento da organização no Brasil. Atualmente, sejam budistas ou não, milhões de pessoas ao redor do mundo enfrentam os desafios desdobrados da pandemia da Covid-19, como o sentimento de pesar pela perda de entes queridos, a alta taxa de desemprego e o aumento das doenças relacionadas à mente. Diante disso, os ensinamentos budistas são determinantes para que os membros da BSGI transformem a profunda dor (veneno) em sabedoria e energia (remédio) que fortalecem a vida de cada um deles e os habilita a superar qualquer adversidade, resultando em felicidade. Então, vamos entender o conceito da “transformação de veneno em remédio”, e como ele se aplica em nossa vida.

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01/10/2021

Como transformar veneno em remédio

A expressão benéfica do veneno

Na ciência, encontramos uma resolução relevante do que é transformar veneno em remédio. Ao longo dos anos, institutos científicos de todo o globo desenvolveram vacinas e soros produzidos a partir de pequeníssimos fragmentos dos organismos causadores de doenças, bem como da extração do veneno de um animal peçonhento para transformá-lo em antígeno.

A função de uma vacina é ensinar o organismo a se defender de um vírus ou bactéria por intermédio de uma versão enfraquecida ou inativa desses agentes patogênicos. Assim, quando a pessoa vacinada entra em contato com o micro-organismo, tem uma boa resposta imunológica àquela patologia.2 No caso dos soros, o primeiro passo é extrair da serpente o veneno e transformá-lo em antígeno. Antígenos são substâncias capazes de fazer o sistema imunológico reagir, produzindo anticorpos.3

Tanto as vacinas como os soros integram o rol das grandes conquistas da humanidade, pois salvam milhões de pessoas anualmente em todo o planeta.4 Desse modo, podemos afirmar que elas são exemplos de que o veneno (peçonha ou vírus), aplicado com consciência, é capaz de proteger a vida de seus males (remédio).

Não seja detido pelas intempéries

Vimos antes uma ilustração no campo da ciência de que veneno, em dose precisa, pode sim ser benéfico à saúde. Já no budismo, o princípio da “transformação de veneno em remédio” (hendoku iyaku, em jap.) muito possivelmente começou a ser explicitado a partir de um importante tratado escrito pelo erudito Nagarjuna, que viveu na Índia aproximadamente entre os séculos 2 e 3. Em seu estudo, Nagarjuna compara o Sutra do Lótus a um “grande médico” que transforma “veneno em remédio”, pois o sutra indica que as pessoas, sem exceção, podem atingir o estado de buda.

Com isso, podemos compreender pela luz do Budismo Nichiren que, quando abraçamos a prática da fé de modo autêntico, mesmo diante de dissabores profundos como a perda, a angústia ou a desilusão, é possível transformar sofrimento em labaredas de esperança. O presidente Ikeda esclarece:

Fé é outro nome para esperança infinita. Não existe vida sem problemas e sofrimentos. A questão é como lidamos com as provações e adversidades, aparentemente intermináveis e que continuam a nos perseguir. Simplesmente as aceitamos e nos entregamos a elas como se fossem fatalidades? Ou mantemos a chama da esperança acesa e as encaramos, levantando-nos para enfrentar os desafios do momento? A chave para edificar uma vida feliz depende justamente de qual atitude tomamos.5

Compreender e confiar nos ensinamentos de Nichiren Daishonin e nos direcionamentos do Mestre e, acima de tudo, pô-los em prática, preparam os praticantes a avançar sem ser detidos pelo temor de fracassos ou de intempéries da vida.

Na sequência, analisaremos o conceito da “transformação de veneno em remédio” na visão da psicologia.

Grandes dificuldades tornam a pessoa forte

O Dr. Martin Seligman, ex-presidente da Associação Americana de Psicologia, é considerado um dos mais importantes teóricos revolucionários no campo da psicologia desde Freud, e se encontrou com o presidente Ikeda em setembro de 1997. Numa entrevista concedida ao jornal Seikyo Shimbun, o Dr. Seligman apresentou perspectivas médicas e psicológicas sobre o conceito estudado.6

Disse ele: “Creio que muitos remédios sejam venenos, e a razão pela qual funcionam é que o veneno os transforma em remédio... O corpo o trata como veneno e combina todos os tipos de defesas contra ele. E o efeito colateral dessas defesas é que mata a doença”.
O psicólogo americano salientou ainda que o mesmo ocorre com o espírito humano. Quando uma pessoa enfrenta a miséria vinda de uma causa externa, “a ocorrência desse evento maligno abre outra porta”, expressou. Quando algo de mal ocorre e uma porta se fecha, outra se abre. O Dr. Seligman chama isso de “as virtudes da miséria e as virtudes do veneno”.
As pessoas, afirmou ele, tendem a ter uma visão superficial do sucesso e da felicidade. É por isso que acham difícil aceitar as “virtudes do veneno”. A tendência é considerar o sucesso como uma ótima casa, um bom salário, “mas a menos que isso seja consumado [...], através da maturidade”, é um sucesso muito frágil e “facilmente se desintegrará quando for desafiado”.
O Dr. Seligman continuou: “Creio que todos nós devemos entender, como pais e como líderes, como jornalistas (...), que a menos que tenhamos problemas em nossa vida, não podemos compreender, não podemos desenvolver a persistência, não podemos experimentar a felicidade, (...) não podemos desenvolver nosso caráter e sabedoria.

Ikeda sensei, em sintonia com o pensamento do Dr. Seligman, ressalta que “são as grandes dificuldades que tornam a pessoa forte”.7 A seguir, veremos depoimento de uma integrante da Divisão Feminina da BSGI que corrobora o pensamento do psicólogo americano e as palavras do nosso mestre.

Vencer infalivelmente!

Depoimento de Adriana Kakuta, responsável pela DF de distrito, RM Pernambuco Sul

Nasci em uma família budista e cresci dentro da organização aprendendo com as orientações do presidente Ikeda sobre como superar as dificuldades e transformar o carma.

Atualmente, sou casada e tenho dois filhos; Alice e Vitor, de 3 e 7 anos. Durante o período da pandemia, meu marido e eu trabalhamos home office, e ficamos isolados. Com isso, tive a grata oportunidade de estar ao lado deles o dia todo, o que não era possível antes devido às atribuições diárias.

No campo profissional, atuei em uma empresa privada por onze anos e há um ano resolvi pedir demissão para me dedicar ainda mais à saúde dos meus filhos. Esse período de reclusão me fez perceber quanto era importante estar com eles nesse momento. Para minha surpresa, fui contratada pela mesma empresa para trabalhar no modelo pessoa jurídica e, dessa forma, posso organizar meu horário de trabalho em casa e também me dedicar à família.

O ano de 2021 começou com a renovação de grandiosos objetivos, dentre eles o cumprimento da primeira diretriz da Soka Gakkai que se refere à “Prática da fé para criar a harmonia familiar”. No dia 16 de março, iniciei meu desafio de recitação de daimoku diário para evidenciar a sabedoria no lar, pois, com esta pandemia, a proximidade trouxe algumas questões relativas ao relacionamento entre mim e meus familiares.

Foi neste ano também que meu filho mais velho Vitor foi diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), necessitando de acompanhamento terapêutico semanal. Ele está a cada dia desafiando as circunstâncias, foi alfabetizado sem dificuldades e segue vencendo nos estudos. Minha filha Alice, que tem diagnóstico de atraso global no desenvolvimento desde os 10 meses, está atingindo patamares cada vez melhores no decorrer do tempo e as terapias estão sendo reduzidas aos poucos. Assim, temos a certeza de que eles vencerão infalivelmente.

No mês de abril, meu marido, Petronio, que não é praticante do budismo, e eu contraímos a Covid-19. Nós passamos por momentos desafiadores devidos aos cuidados com os filhos pequenos e enfrentamos a internação médica dele para tratamento, porque seus sintomas foram mais graves que os meus. Após o quinto dia com sintomas da doença, ele foi internado num hospital da cidade, referência no tratamento da Covid-19 com mais de 50% do pulmão comprometido. Petronio ficou isolado no quarto do hospital sem acompanhantes e iniciando o uso da máscara de ventilação não invasiva (VNI) para não ter de ir para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Intensifiquei a recitação de daimoku para que ele pudesse concentrar as energias em sua recuperação, uma vez que estava emocionalmente abalado com toda a situação, além do medo e da incerteza do prognóstico da doença. Meu marido se restabeleceu e recebeu alta no período de sete dias para surpresa da equipe médica; e posteriormente realizou fisioterapia pulmonar e iniciou terapia psicológica para superar o trauma que passou.

Além da oração, tive a oportunidade de fazer uma reflexão sobre a minha conduta, meu foco no cuidado com a minha saúde e o cumprimento da minha missão no âmbito profissional.

No mês de abril, comemorativo do Dia da Divisão dos Estudantes (DE), Vitor apresentou um desenho sobre o lema eterno da DE em duas reuniões de palestra. Foi uma alegria e um orgulho sem tamanho.

Renovo minha disposição de vencer diariamente com coragem e sabedoria para cumprir minha missão como rainha da felicidade no lar e na sociedade!

Imprima boa dose de energia e sabedoria nas ações

O que significa triunfar e vencer no final? Mesmo diante de uma profunda dor, independentemente da origem, somos capazes de reajustar a rota, amparados na prática budista, e caminhar resolutos em retidão rumo à vitória, assim como afirma o presidente Ikeda:

No decorrer da vida, estamos fadados a nos deparar com todos os tipos de adversidades, não somente desastres naturais, mas acontecimentos como falência, desemprego, doença, acidentes e a morte de entes queridos. Nenhuma vida é totalmente tranquila. Na realidade, ela consiste numa infindável série de provações e tribulações, e não seria exagero afirmar que, de fato, vida é enfrentar dificuldades. A questão, então, se refere a “como não nos deixar vencer por essas provações e adornar nossa vida com vitórias?” (...) Segundo esse princípio [“transformação de veneno em remédio”], podemos transformar até mesmo as piores circunstâncias em benefício e felicidade, por meio da fé. Precisamos ter inteira convicção nisto. De outro ponto de vista, esse princípio está dizendo que, para se obter o remédio do estado de buda, da felicidade absoluta, temos de triunfar sobre o veneno do sofrimento. Em outras palavras, o sofrimento é a semente que possibilita que a flor da felicidade desabroche. Como tal, não devemos temer as adversidades. Em vez disso, devemos enfrentá-las com coragem. (...) Nunca ficaremos num beco sem saída. A infelicidade não é causada por circunstâncias adversas. Ela é causada pelo nosso próprio desespero e negatividade.8

Da ótica do budismo, pelo coração e pela mente de um praticante, é possível sim converter veneno em remédio. Então, exercite o olhar da fé e da esperança com a recitação de daimoku, respire fundo, imprima boa dose de energia e sabedoria nas ações, e o resultado será a certeza de que viverá em completa plenitude, mesmo diante das adversidades.

Notas:

1. IKEDA, Daisaku. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 1, p. 239-242, 2020.

2. Leia mais em: https://www.who.int/pt/news-room/feature-stories/detail/how-are-vaccines-developed#:~:text=As%20vacinas%20cont%C3%AAm%20pequen%C3%ADssimos
%20fragmentos,a%20vacina%20segura%20e%20eficaz.

3. Veja mais em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/10/131021_venenos_remedios_dg

4. Na Proposta de Paz de 2021, o presidente Ikeda menciona a cooperação entre os Estados Unidos e a União Soviética, em plena Guerra Fria, para desenvolver uma vacina contra a poliomielite, doença altamente contagiosa. Consulte Terceira Civilização, ed. 633, maio 2021.

5. Brasil Seikyo, ed. 2.242, 6 set. 2014, p. B1.

6. Brasil Seikyo, ed. 1.287, 25 jun. 1994, p. 3.

7. IKEDA, Daisaku. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 14, p. 183, 2019.

8. IKEDA, Daisaku. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, , v. 16, p. 174-175, 2021.

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