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“O desespero é o refúgio dos tolos” — a força transformadora de Goya

Presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, dialoga com jovens sobre a genialidade do pintor espanhol que emergiu do sofrimento transformando dificuldades em força criativa

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19/11/2016

“O desespero é o refúgio dos tolos” — a força transformadora de Goya
Trechos do diálogo sobre a vida do artista espanhol Francisco de Goya (1746-1828) realizado entre o presidente da SGI, e representantes dos jovens.

DAISAKU IKEDA

DIALOGA COM OS JOVENS

Presidente Ikeda: Há muitos obstáculos que enfrentamos no curso da vida. Uma questão após outra. Mas desejos mundanos conduzem à iluminação e cada vez que superamos um problema, atingimos um estado espiritual mais elevado e mais expansivo.

Devemos enfrentar cada adversidade que surge sem vacilação, solucionando-a e superando-a, e nos mover em direção à próxima. Este é o real significado da vida humana. Isso é viver. Quando vocês triunfarem sobre os sofrimentos, estes se transformarão em alegria. E vocês próprios crescerão e se desenvolverão.

“O desespero é o refúgio dos tolos”, assim diz o ditado. Enquanto mantiverem a esperança, enquanto empreenderem ações corajosas para lutar, podem estar certos de que a primavera chegará novamente. Um provérbio russo diz: “Não existe inverno no reino da esperança”.

O artista espanhol Francisco de Goya (1746-1828) passou por intensos sofrimentos ao perder a audição. E por meio da luta contra a dor, sua arte se elevou.

Nesse sentido, ele tinha algo em comum com o compositor alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827), que viveu no mesmo período.

Se observarmos a influência que a Revolução Francesa exerceu em Goya, ou a força das massas que ele evidenciou em sua vida, é certamente justo pensar nele como um “Beethoven da pintura”.

Naturalmente, havia também muitas diferenças entre os dois, mas acredito aquilo que Beethoven tentou dizer por meio da música, Goya tentou expressar em suas pinturas e gravuras.

Essa mensagem era a declaração de humanidade de uma pessoa altiva e indomável; a declaração dos direitos humanos exaltando a dignidade do indivíduo. Poderíamos dizer que tanto Goya como Beethoven visavam conduzir sua “Revolução Francesa” pessoal no domínio da arte.

Nós, membros da SGI, devemos lutar também para conduzir a nossa própria revolução religiosa.

Divisão dos Jovens (DJ): Atual­mente o Museu de Arte Fuji de Tóquio está realizando uma exposição especial intitulada As Quatro Séries de Gravuras de Goya (O Coração e a Alma da Pintura Moderna — Espanha Fantástica e Apaixonante). A mostra inclui as primeiras impressões extremamente raras, e estão sendo muito bem recebidas.

Pres. Ikeda: Sim, apreciei a exposição. Os trabalhos de Goya podem parecer simples e restritos, mas para um olho discernidor, seu brilho é tamanho que pode ser comparado a pouquíssimas obras.

Acima de tudo, é a sua humanidade que chama a atenção das pessoas. Possui um espírito que desafia a injustiça, inquirindo com indignação “Por quê?”, e declarando “Isso está errado!”. Todas as suas pinturas evidenciam uma poderosa convicção de que “Como um ser humano, devo gritar alto!”.

A obra ¿Por que Esconderlos? [Por que Escondê-los? - da série “Los Caprichos”] é um bom exemplo. Um clérigo idoso está tentando esconder dois sacos de moedas. As outras figuras no quadro estão rindo e zombando dele porque, a despeito de sua vocação sagrada, ele é um pobre miserável, um escravo do dinheiro. Elas parecem indagar: “Você planeja carregar o dinheiro para o seu túmulo?”.

As quatro principais gravuras da série são Los Caprichos [Os Caprichos], Los Desastres de la Guerra [Os Desastres da Guerra], La Tauromaquia [Tauromaquia — A Arte de Tourear] e Los Proverbios [Provérbios].

DJ: Que retrato sarcástico! Parece que o comportamento dos clérigos hipócritas é o mesmo em todas as épocas, não é?

Pres. Ikeda: Pode ser. Naquela ocasião, a Espanha tinha mais clérigos que qualquer outro país. Eles eram poderosos, orgulhosos e arrogantes.

DJ: Os clérigos espanhóis eram conservadores que se opunham à Reforma.

Pres. Ikeda: Sim. Dizem que a Igreja naquele período possuía 15% das terras e mantinha aproximadamente 200 homens e mulheres nas ordens sagradas (um em cada cinquenta da população geral). Embora as pessoas estivessem oprimidas, não eram capazes de resistir porque foram ensinadas por um longo tempo a serem obedientes. Sabiam que os clérigos eram corruptos, no entanto estavam conformadas com isso. Elas os viam como um mal inevitável.

Na série “Los Caprichos”, observamos a gravura ¡Que Pico de Oro! [Que Oratória Dourada!]. Várias pessoas estão reunidas ao redor do pódio. Mas não é uma pessoa que está falando — é um papagaio. A imitação descuidada do papagaio é uma paródia do papagaiar estúpido de um clérigo de clichês religiosos.

DJ: Um sacerdote que é engenhoso com as palavras nada mais é do que um “clérigo papagaio”! Isso é o que Goya está dizendo.

Logo depois que o jornal Seikyo Shimbun foi fundado, o segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda, publicou um breve comentário, no qual observava sarcasticamente: “Há os que leem o Gosho e meramente imitam as palavras de Daishonin. Essas pessoas são chamadas de ‘leigos papagaios’”. Uma leitura atenta de Toda Josei Zenshu [Coletânea das Obras de Josei Toda] também revela que ele não advertia nem um quarto do que os clérigos mereciam.

Pres. Ikeda: Sim, ele era muito rigoroso acerca disso. “Fora maus clérigos!”, era o seu brado.

DJ: A seita Nikken começou dizendo coisas como: “A época do Sr. Toda era melhor”, mas eles estavam distorcendo a verdade.

Pres. Ikeda: Realmente Toda sensei costumava dizer que Nichiren Daishonin era muito mais rigoroso (ao advertir os clérigos extravagantes) do que somos atualmente. Meu mestre certa ocasião observou: “Sou seu discípulo (de Nichiren Daishonin), portanto faço o máximo para seguir seu exemplo e advertir os clérigos. No entanto, não posso dizer um décimo ou ainda um centésimo do que Daishonin diria. Certamente em comparação a ele pareço gentil”.

Considerando essas palavras, quão rigorosamente Nichiren Daishonin censuraria os clérigos da seita Nikken.

Goya continuou a criar obras que foram criticadas pelas autoridades, apesar do perigo potencial da perseguição. A série Los Caprichos deve ter provocado considerável repercussão e também deve ter sido alvo de repressão, pois, em apenas 48 horas após ter chegado às galerias, foi recolhida, de forma que apenas algumas dezenas foram vendidas (27 para ser exato).

Não há nada mais insidioso do que uma religião autoritária. Os líderes religiosos, cujo verdadeiro dever era salvar os outros, em vez disso juntaram forças com a polícia secreta. Eles espiavam as pessoas e as traíam com relatos secretos. Além do mais, havia a Inquisição.

Um escritor descreveu esse ambiente social sufocante como segue: “Se você dissesse ‘Parece que amanhã fará bom tempo’, as autoridades suspeitavam que estivesse predizendo a libertação de seu regime, e havia grandes possibilidades de que fosse aprisionado por vários meses por uma simples declaração”.

DJ: Apesar dessa situação, Goya não podia deixar de produzir sua série de gravuras.

Pres. Ikeda: Sim. Ele não podia parar seu coração de bradar. Há muitas interpretações do título dessa sua série, mas em conclusão a mensagem é a liberdade.

Goya era um pintor da corte. Seu trabalho era pintar retratos autorizados por ela e pela nobreza. Mas ele não estava satisfeito somente com isso. As pinturas de Goya revelam que ele realmente desejava retratar o que acreditava que deveria ser dito. Suas pinturas eram o palco sobre o qual ele manifestava a sua liberdade de espírito. Eram a sua arma na batalha pela verdade.

DJ: E Goya iniciou essa batalha após uma grave doença.

Pres. Ikeda: Sim. Há duzentos anos (de 1792 a 1793), Goya foi atacado por uma grave doença. Quando ele se recuperou, perdeu a audição. Foi aproximadamente dez anos antes de Beethoven também perder a audição. Goya estava com 46 anos. Era o início da segunda metade de sua vida. (Ele viveu até os 82 anos.)

Dizem que Beethoven, em seu desespero, escreveu uma nota suicida, mas que no entanto a arte tirou-lhe do túmulo. Ou seja, a missão de compor uma música o salvou.

Similarmente, a missão de pintar salvou Goya. Não podendo mais participar da sociedade, Goya, de uma pessoa socialmente ativa e vibrante, se transformou numa pessoa introspectiva.

Foi quando ele decidiu trilhar seu próprio caminho. E foi a partir dessa época que seu verdadeiro gênio começou a brilhar mais intensamente.

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