marcar-conteudoAcessibilidade
Tamanho do texto: A+ | A-
Contraste
Cile Logotipo
Na prática

O diálogo e a fonte inesgotável de compaixão

A diversidade faz parte da nossa sociedade de todas as formas e cores. Não apenas em relação às características físicas, as pessoas são diferentes umas das outras também nas opiniões e em sua personalidade. Essas diferenças podem ser positivas e produtivas, porém às vezes geram desentendimentos. Como enfrentar de maneira elevada um conflito e criar valor a partir dessa experiência? O budismo ensina que o diálogo é a principal ferramenta para responder a essa pergunta. Ao longo desta matéria, apresentaremos maneiras de nos comunicar a fim de criar a harmonia e transformar o local em que nos encontramos de maneira positiva.

download do ícone
ícone de compartilhamento

16/01/2020

O diálogo e a fonte inesgotável de compaixão

Marshall B. Rosenberg, autor de Comunicação Não-violenta — Técnicas para Aprimorar Relacionamentos Pes­soais e Profissionais,1 percebeu que a compaixão é característica natural dos seres humanos. Então, começou seus estudos questionando: “O que acontece que nos desliga de nossa natureza compassiva? E o que permite que algumas pessoas permaneçam ligadas à sua natureza compassiva mesmo em circunstâncias mais penosas?” Dessas perguntas, Marshall desenvolveu a comunicação não violenta. Em seu livro, ele menciona a compaixão como algo primordial para manter uma comunicação não violenta e estabelece quatro pontos básicos:

1. Observação: “O que estamos vendo os outros dizerem ou fazerem que é enriquecedor ou não para nossa vida? O truque é articular essa observação sem fazer nenhum julgamento ou avaliação — mas simplesmente dizer o que nos agrada ou não naquilo que as pessoas estão fazendo”.

2. Sentimento: “Identificamos como nos sentimos ao observar aquela ação: magoados, assustados, alegres, divertidos, irritados etc.”

3. Necessidades: “Reconhecer quais de nossas necessidades estão ligadas aos sentimentos que identificamos”.

4. Pedido: “Esse comportamento enfoca o que estamos querendo da outra pessoa para enriquecer nossa vida ou torná-la mais maravilhosa”.

Em muitos casos de conflitos, vemos pessoas usando de comunicação violenta para tentar conseguir o que querem. Rosenberg apresenta uma nova abordagem para situações de conflito. Na obra, ele cita um possível caso corriqueiro:2

Uma mãe poderia expressar essas três coisas [observação, sentimento e necessidades] ao filho adolescente dizendo por exemplo: “Roberto, quando eu vejo duas bolas de meia sujas debaixo da mesinha e mais três perto da TV, fico irritada, porque preciso de mais ordem no espaço que usamos em comum”.

Ela imediatamente continuaria com o quarto componente — um pedido bem específico: “Você poderia colocar suas meias no seu quarto ou na lavadora?”.

Como fica claro, esses quatro passos levam a uma comunicação compassiva, em que a pessoa expressa seu entendimento da situação, o que sente, o que precisa e o que deseja, sem causar conflito violento ou ofensivo. A compaixão é uma ferramenta poderosa que podemos usar em todos os momentos da nossa vida. No entanto, no exato momento do conflito pode ser difícil manifestar esse sentimento. Para isso, o Budismo ensina que é preciso ter uma condição de vida elevada, como veremos adiante, na qual a pessoa consegue enxergar o valor que carrega dentro de si, assim como reconhece o valor inerente à vida das demais pessoas. A esse valor o budismo dá o nome de “buda” ou “iluminação”.

A benevolência do bodisatva Jamais Desprezar

Para compreender a ilimitada compaixão que as pessoas são capazes de manifestar, vamos conhecer a história do bodisatva Jamais Desprezar (Fukyo), descrita no Sutra do Lótus.3

Houve um período em que monges arrogantes exerciam grande autoridade e poder. Naquela época, existia um monge conhecido como Fukyo. Por que ele era chamado dessa maneira? Ele reverenciava respeitosamente todas as pessoas com quem se encontrava e dizia:

— Eu os reverencio profundamente, e jamais ousaria tratá-los com desprezo ou arrogância. Por quê? Porque os senhores estão praticando o caminho de bodisatva e certamente atingirão o estado de buda.

Mesmo com essa postura, houve pessoas que demonstraram raiva quando o encontravam. A mente delas carecia de pureza. Certa vez alguém afirmou:

— Esse monge ignorante — de onde ele pensa que vem, declarando presunçosamente que não nos despreza e predizendo que atingiremos o estado de buda? Não temos tempo a perder com essas predições irresponsáveis e enganadoras!

Muitos anos se passaram e o monge continuava sendo caluniado e hostilizado constantemente. Ele não desistiu diante da ira e continuava a pronunciar as mesmas palavras:

— Os senhores certamente atingirão o estado de buda.

Ele passou a ser atacado com varas, bastões e pedras. Quando isso acontecia, sem perder a serenidade, o bodisatva recuava a uma distância mais segura e falava em voz alta:

— Eu os reverencio profundamente, e jamais ousaria tratá-los com desprezo ou arrogância.

Diante de tudo isso, a postura dele não mudava, era imperturbável. Seu profundo desejo era plantar a semente do Sutra do Lótus no coração das pessoas, pois acreditava no potencial da vida delas para atingir a iluminação — o estado de buda. Dizia sempre:

— O senhor infalivelmente se tornará um buda.

Todos somos capazes de compreender o mundo da perspectiva elevada que ele nos deixou como exemplo. No budismo, a maior fonte de compaixão está no fato de reconhecer que você mesmo, assim como todos os outros seres vivos, é dotado do precioso tesouro do estado de buda.

A partir dessa compreensão, a pessoa passa a mudar seu comportamento em relação aos demais, desejando sinceramente que todos sejam verdadeiramente felizes. Jamais Desprezar manifestava incontida e inesgotável compaixão pelas pessoas por ter despertado para essa mesma verdade. Portanto, ao recitar Nam-myoho-renge-kyo, elevamos nossa condição de vida e manifestamos a compaixão que é o ponto de partida para o desenvolvimento de diálogos em prol da paz. Vejamos um exemplo verídico.

Diálogos que mudaram a história da humanidade

Ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980, as relações bilaterais sino-soviéticas ficaram abaladas e por diversas vezes as duas nações estiveram a ponto de temer conflitos bélicos. Ikeda sensei, por meio do diálogo e firme oração, esforçou-se ao longo de anos para restabelecer a relação de amizade entre as duas nações, fazendo visitas constantes a líderes de ambos os países, e para evitar que mais uma trágica guerra surgisse. No romance Nova Revolução Humana está registrado um diálogo que Shin’ichi Yamamoto (pseudônimo de Daisaku Ikeda na obra) travou com Deng Xiaoping, vice-primeiro-ministro da China:

Em abril de 1975, passados apenas três meses após a China ter proclamado sua posição antissoviética no preâmbulo da nova Constituição, Shin’ichi fez sua terceira visita ao país, e na ocasião se encontrou novamente com o vice-primeiro-ministro Deng Xiaoping. O tema principal das conversações entre eles foram as relações sino-soviéticas. Deng manifestou desconfiança crescente em referência à União Soviética. Ele afirmou que, se algum país fosse iniciar a Terceira Guerra Mundial, provavelmente seriam os Estados Unidos, ou a União Soviética, assinalando que considerava a União Soviética em particular a mais perigosa (...).
— Vice-primeiro-ministro Deng, se a mesma tensão e o antagonismo que imperam entre a China e a União Soviética persistirem nas próximas décadas, séculos e milênios, produzirão um clima de insegurança para os povos de ambas as nações e do mundo inteiro. Vocês nutrem algum desejo de realizar um gesto de amizade, tomar a iniciativa de abrir o caminho para a paz mundial? Pelo bem do mundo, vocês têm alguma intenção de realizar uma conferência com representantes da União Soviética? — indagou Shin’ichi.
O primeiro-ministro, entretanto, limitou-se a criticar a União Soviética, afirmando que representantes das duas nações haviam se reunido em diversas ocasiões para discutir suas disputas de fronteiras, sem nenhum resultado.
— A realidade da situação talvez seja desafiadora, mas se a União Soviética desse um passo para mudar sua postura básica em relação à China, vocês não estariam interessados em melhorar seu relacionamento? — aventou Shin’ichi.
— Isso dependeria da atitude da liderança soviética. Nosso sentimento no que se refere ao povo soviético sempre foi cordial — redarguiu o vice-primeiro-ministro.
Shin’ichi pensou: “É evidente que a China gostaria de fato de ter uma coexistência pacífica com a União Soviética. E a União Soviética também deseja o mesmo. Por mais complicada que seja a situação, não há nenhuma barreira fundamental impedindo a melhoria das relações bilaterais. Darei tudo de mim para buscar mais diálogos com líderes chineses e soviéticos”.4

Em 1989, a relação entre os dois países se normalizou. Como um civil que cultiva a amizade e usa o diálogo como instrumento em prol da paz, Ikeda sensei contribuiu de maneira efetiva para manter a paz entre dois países, comprovando a força do diálogo sincero e compassivo. É interessante perceber os pontos da comunicação não violenta utilizados de forma natural na fala de Ikeda sensei, evitando o conflito e indo além: ao basear-se na prática do daimoku e por ter como objetivo o kosen-rufu, ele promoveu um grande passo rumo à paz mundial.

“Por que dialogamos?”

Da mesma forma que o presidente Ikeda travou diálogos imbuídos de compaixão e estabeleceu passos importantes rumo ao seu objetivo, podemos aplicar os mesmos princípios no dia a dia e enfrentar nossos desafios por meio do diálogo. Para isso, necessitamos manter um coração puro e benevolente — no entanto, esses valores precisam ser ativamente despertados. O caminho para esse despertar não é outro senão a prática da recitação do daimoku para evidenciar a condição de buda inerente à nossa vida. Dessa maneira, mais que vencer a barreira da violência, podemos promover a paz em nosso dia a dia.

O presidente Ikeda afirma:

Por que dialogamos? É para tornar feliz a pessoa que está diante dos nossos olhos. Esse é o espírito primordial do budismo desde a época de Shakyamuni. Além do mais, esse é o desejo fundamental do Buda [Shakyamuni], também acalentado por Nichiren Daishonin, o Buda dos Últimos Dias da Lei, que foi herdado e é mantido pela Soka Gakkai nos dias de hoje.5

A benevolência, a compaixão e o sincero desejo de paz e felicidade que vemos na postura do bodisatva Jamais Desprezar e nos esforços do presidente Ikeda são valores que existem naturalmente no coração do ser humano. A fonte inesgotável da compaixão que eles manifestaram não é outra senão a recitação do Nam-myoho-renge-kyo. Por meio do diálogo não violento, dotado desses sentimentos, podemos estabelecer relações sinceras com as pessoas ao nosso redor, independentemente das diferenças que existam, e criar a paz.

Compartilhar nas