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Na prática

Como suportar os “oito ventos”

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Redação

01/03/2024

Como suportar os “oito ventos”

Quanto mais alta a montanha, mais fortes serão os ventos no topo, afirmam especialistas. A Cordilheira do Himalaia, por exemplo, é uma das cadeias montanhosas mais extensas, concentrando alguns dos picos mais altos do mundo. Localiza-se no continente asiático, entre o planalto tibetano e o subcontinente indiano. Seus picos são constantemente golpeados por rajadas de ventos intensas.

De acordo com dados meteorológicos, as temperaturas do inverno no Himalaia caem para 40 graus Celsius negativos e ventanias gélidas e implacáveis, às vezes, chegam à velocidade superior a 100 metros por segundo (224 milhas por hora).1 No entanto, mesmo suportando ventos impetuosos, o Himalaia se mantém imponente diante de todas as adversidades da natureza.

Em consonância com essa postura do Himalaia, o budismo indica que é fundamental vivermos com serenidade. Com esse objetivo, a seção Na Prática apresenta o conceito budista dos “oito ventos” para que a vida seja conduzida com plena sabedoria, não sendo arrastada por nenhuma ventania.

Incentivo ao discípulo

Em 1277, Nichiren Daishonin escreveu a carta Os Oito Ventos para incentivar seu discípulo Shijo Kingo2 a não ser dominado pela ira diante das injustas penalidades impostas por seu lorde, Ema, devido à sua fé nos ensinamentos do Buda. Em um dos trechos do escrito referido consta:

Pessoas sábias são assim chamadas porque não são levadas pelos oito ventos: prosperidade, declínio, desgraça, honra, elogio, censura, sofrimento e prazer. Não ficam exultantes pela prosperidade nem aflitas pelo declínio. As divindades celestiais certamente protegerão aquele que não se curva diante dos oito ventos.3

Com o desejo de que Shijo Kingo vencesse as circunstâncias exatamente no local em que se encontrava, Nichiren Daishonin ressaltou que uma pessoa sábia é aquela que não se deixa levar pelos oito ventos, e manifesta a capacidade de sempre distinguir o certo do errado, diante de quaisquer situações. A seguir, vamos entender cada um deles.

Contínuo movimento

Uma das acepções da palavra “vento” é “agitar”. As ventanias estão em contínuo movimento, e não cessam nem por um instante sequer. Assim como as grandes montanhas são arrebatadas constantemente por fortes ventos, a mente humana está a todo momento em sucessiva agitação. Um sutra budista explica que, num único dia, 804 mil pensamentos passam pela mente de um indivíduo.4

Ventos favoráveis

Prosperidade — Condição em que a pessoa alça grandes conquistas no aspecto profissional, pessoal ou financeiro, e destina todos os seus esforços apenas a essas áreas da vida.

Honra — Quando o indivíduo é homenageado ou laureado. Porém, uma interpretação distorcida pode levá-lo a se tornar arrogante e autoritário.

Elogio — Situação em que a pessoa é elogiada por palavras e ações. No entanto, essas manifestações podem se tornar negativas quando a pessoa passa a regular seu comportamento, condicionando suas atitudes ao reconhecimento dos outros.

Prazer — Quando a pessoa experimenta prazer físico ou mental. Contudo, a atividade prazerosa pode desviar a pessoa da prática correta.

Ventos desfavoráveis

Declínio — Situação de perda ou fracasso. Quando as pessoas se abalam pela condição de vida desfavorável, tendem a perder a energia e o entusiasmo.

Desgraça — Por seu comportamento, o indivíduo perde o respeito e a confiança ou quando sofre difamações motivadas pela inveja ou pelo rancor.

Censura — Quando alguém é repreendido ou ultrajado. Há aqueles que, ao serem advertidos, acabam desanimando ou se irritando com os demais, criando animosidade ou se afastando das pessoas.

Sofrimento — Condição de dor física ou mental. O que faz a pessoa desanimar ou abandonar a prática budista.

Manter a condição de vida interior elevada

Certamente, em algum momento de sua trajetória, você tenha se deparado com uma dessas situações [ventos]. Por exemplo, pode ser revigorante para a disposição caminhar em dias ensolarados e receber uma lufada de vento refrescante. No entanto, realizar esse mesmo percurso em dias bem frios e sentir um gélido vento pode fazer o corpo estremecer por inteiro e, como consequência, baixar o estado de espírito. A jornada da vida de uma pessoa pode ser comparada a essa caminhada em que condições favoráveis ou desfavoráveis se manifestam regularmente. E todas elas são circunstâncias externas que enfrentamos a todo momento.

Assim, o essencial é, mesmo diante dos cenários mais adversos, mantermos uma condição de vida interior elevada de forma que não sejamos atingidos pelos “oito ventos”. Para isso, devemos nos desafiar cotidianamente a realizar a prática budista; a ter um elevado propósito de vida [felicidade para si e para os demais]; a manter serenidade na prosperidade ou no declínio; a nos conectar com as diretrizes de vida do presidente Ikeda; e a estar rodeados de bons e inspiradores amigos e veteranos. Esses são aspectos indispensáveis para manter a mente e o coração sempre positivos.

Importante ressaltar que as investidas das fortes ventanias, mesmo nos cumes das grandes cordilheiras, em sua maioria, são breves e passageiras. Isto é, os “ventos” que enfrentamos também são aspectos momentâneos e não duradouros.

Em vista disso, o segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda, costumava incentivar: “Não devemos ficar eufóricos com os elogios nem apavorados com os insultos. É importante que nossa fé seja inabalável”.5

Dessa forma, desejar uma vida próspera faz parte do progresso individual, e isso precisa servir como balizador dos benefícios da prática budista. Contudo, o apego demasiado, ou seja, devotar a vida a questões externas, pode se tornar impeditivo para a pessoa se desenvolver como exímio ser humano, capaz de contribuir para o florescimento coletivo.

Imperturbável como o Himalaia

Exemplo de se manter imperturbável diante de fortes ventanias — assim como o Himalaia — é Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul. Apresentamos breve descrição de Ikeda sensei sobre o grande defensor da justiça.

As pessoas realmente fortes são aquelas que, não importa quantas vezes caiam, sempre se levantam e seguem em frente.
Nelson Mandela (1918–2013), ex-presidente da África do Sul, que eu respeito e admiro profundamente, foi um indivíduo que demonstrou essa verdadeira força do ser humano.
Por muitos anos, na África do Sul, onde Mandela cresceu, uma lei injusta decretava que pessoas brancas eram superiores às negras. Então ele se levantou como um jovem líder para transformar seu país em uma “nação arco‑íris”, na qual todas as pessoas fossem estimadas igualmente e pudessem viver com sonhos e objetivos.
Ele foi maltratado repetidas vezes por cultivar esse ideal e teve sua liberdade tomada de si [Mandela ficou preso por mais de 27 anos], mas não se permitiu ser derrotado por nada. Como resultado de sua luta, obteve a liberdade e se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul, e realizou seu sonho.
Muitas pessoas achavam impossível ou incrivelmente difícil eliminar a discriminação racial que existiu na África do Sul por décadas. Entretanto, Mandela determinou em seu coração que isso poderia definitivamente ser feito.
Pessoas que se negam a desistir têm esperança, e por isso são capazes de continuar a realizar esforços. Tais indivíduos espalham a esperança para os que estão ao redor.
Encontrei-me e dialoguei com Mandela em duas ocasiões. Ele faleceu em 2013, com 95 anos, mas seu sorriso continua a brilhar forte em nosso coração.6

Apesar das profundas injustiças, Mandela se manteve forte perante os ventos ferozes — como o declínio, a desgraça e o sofrimento — e, após ser libertado do cárcere, foi reconhecido pela população sul-africana como o construtor da igualdade e da paz da nação. Ainda que os novos ventos fossem diferentes de outrora, sua conduta se manteve íntegra em se empenhar pela felicidade do seu povo e das pessoas do mundo inteiro.

Persistir e buscar continuamente a felicidade

Como vimos ao longo da matéria, seremos diariamente atingidos pelos ventos — favoráveis ou adversos. No entanto, mesmo com profundas dores oriundas de reveses intensos ou sob as brisas refrescantes do elogio e da prosperidade, manter serenidade e seriedade em nosso comportamento, tanto pela nossa felicidade quanto pela felicidade das pessoas ao redor, terá como resultado o contínuo avanço. Esta é a resolução de Ikeda sensei: “As pessoas sábias não são levadas pelos oito ventos; persistem e buscam a felicidade absoluta com espírito indomável. Essa é a verdadeira conduta de um genuíno praticante do Budismo de Nichiren Daishonin”.7

Lembre-se, as fortes ventanias nas Cordilheiras do Himalaia são momentâneas. Assim, nessas condições, escore seu alicerce com a prática budista; agarre todas as oportunidades de avanço; imprima no coração o profundo propósito de vida; inspire-se com a grandiosidade da existência do Mestre e aprecie as brisas refrescantes da vitória. Por fim, aprume-se para um novo ciclo de oportunidades, pois os ventos são passageiros.

Acesse o link e assista ao vídeo do encontro entre Ikeda sensei e Nelson Mandela.

Nelson Mandela e Daisaku Ikeda

Ilustração: Getty Images

Notas:

1. Brasil Seikyo, ed. 2.301, 28 nov. 2015, p. B3.

2. Assim como muitos praticantes, Shijo Kingo fortaleceu a sua fé quando Daishonin, contrariando todas as expectativas, retornou ileso de Sado, em 1274. Shijo Kingo resolveu advertir seu lorde e sugerir-lhe que abraçasse os ensinamentos de Nichiren Daishonin. O lorde Ema ficou furioso por considerar uma presunção de seu vassalo tentar convencê-lo a abraçar os ensinamentos de Nichiren Daishonin. Os outros guerreiros do clã, que invejavam a habilidade de Shijo Kingo e a confiança que o lorde, até então, depositava nele, aproveitaram-se para inventar notícias maldosas. Alguns até esperavam a ocasião para matá-lo. Em 1276, Ema reduziu o salário de Shijo Kingo e ameaçou privá-lo de seu feudo e transferi-lo para uma remota província se ele não desistisse de sua fé. Embora afirmasse sua lealdade inabalável ao seu lorde em todos os assuntos seculares, com relação à fé, Shijo Kingo não concordou e se recusou a deixar Kamakura.

3. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. II, p. 53, 2017.

4. Terceira Civilização, ed. 595, mar. 2018, p. 30.

5. Brasil Seikyo, ed. 2.301, 28 nov. 2025, p. B3.

6. RDez, ed. 178, out. 2026.

7. Brasil Seikyo, ed. 2.280, 20 jun. 2015, p. C4.

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