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Na prática

Superar e suportar

Desenvolver a resiliência diante dos dramas da vida

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01/06/2020

Superar e suportar

Aprimorar a capacidade de suportar as tormentas da vida, transformando uma profunda angústia em sabedoria, a partir da fé na Lei Mística, é um dos grandes ensinamentos transmitidos por Nichiren Daishonin a seus discípulos, postos em prática atualmente pelos membros da SGI em todo o mundo. Neste momento, em que conjecturas sobre o futuro da sociedade global pós-pandemia, tais como o aprofundamento das crises política, ecológica, social e, especialmente, econômica, afligem a humanidade — além das inúmeras perdas no contexto individual como o luto, o desemprego e os conflitos de relacionamento —, suportar e consequentemente superar os desafios são um autêntico retrato da felicidade.

“Aquele que consegue suportar”

Um termo bastante citado pelos veteranos da prática budista é Nonin — “Aquele que Consegue Suportar”. Ou seja, uma pessoa capaz de suportar as adversidades, que não é derrotada e resiste às angústias sem lamuriar. Alicerçado no conceito de Nonin, o presidente Ikeda carrega desde a juventude um lema em seu coração: “Quanto mais resistência as ondas enfrentam, mais fortes elas se tornam”.1 Ele também diz que, por maiores que sejam as adversidades que nos assolem, ao desafiarmos e alterarmos o rumo delas atuando a nosso favor, podemos nos tornar mais fortes e seguros. “Os praticantes da Lei Mística ganham ainda mais vigor e resiliência a cada obstáculo que enfrentam. Aqueles que avançam com essa poderosa força e energia vital são os vencedores da história, os vitoriosos na vida”.2

Relatos de superação sempre trazem na narrativa a resiliência como fator essencial para que o protagonista alcance êxito em sua empreitada. A partir dessa percepção, o presidente Ikeda reflete qual seria a razão fundamental de as pessoas que vivenciam uma angustiante adversidade avançarem vibrantemente, enquanto outras se entristecem e lamentam, entrando numa rota de profunda escuridão. Ele afirma que a “felicidade é uma condição interna, algo que sentimos em nosso coração”.3 Daí a importância de exercitar a resiliência tendo sempre como base a prática da fé.

Um pouco sobre Auschwitz

O artigo How Resilience Works [Como Funciona a Resiliência], publicado pela Harvard Business Review,4 indica como a resiliência é uma habilidade que pode ser desenvolvida e como essa aptidão funciona no indivíduo — mais que a educação, a experiência ou a formação, o nível de resiliência pode determinar se a pessoa triunfará ao longo de sua jornada — tanto na ala dos pacientes com câncer como em competições de esportistas olímpicos, ou até mesmo para resistir à pressão em situações adversas no cotidiano.

A pesquisa traz referências do psiquiatra austríaco sobrevivente de Auschwitz, Viktor E. Frankl (1905–1997), que desenvolveu uma técnica para ajudar as pessoas a tomar decisões que gerariam relevância na vida delas, em meio ao sofrimento espantoso instalado nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

Como bem lembramos, Auschwitz é o maior símbolo do holocausto perpetrado pelo regime nazista e remonta um triste período da história da humanidade. Construído em uma área de 40 km2, na região da Alta Silésia, Polônia, o complexo era formado por três campos principais, sendo dois de trabalho forçado e um destinado ao extermínio. Estima-se que entre 1940 e 1945, aproximadamente 1,1 milhão de pessoas teriam sido executadas nos campos de concentração, das quais eram presos políticos, homossexuais, ciganos e judeus vindos de toda a Europa.5

Em seu livro Man’s Search for Meaning [Em Busca de Sentido], o psiquiatra austríaco Frankl relata o período em que esteve em Auschwitz, e percebeu quanto o ser humano pode ocupar posições extremas entre a crueldade e a humanidade. O pai, a mãe, o irmão e a esposa dele foram mortos em campos de concentração ou em crematórios. Em vista dessas circunstâncias tão dramáticas, além da fome e do frio, ele conseguiu extrair profundo significado e valor à vida.

Em determinado dia, ao ir para o trabalho no campo de concentração, Frankl ficou melancólico com quão trivial e sem significado sua existência havia se tornado, em que um prato de sopa e cigarros eram a maior recompensa para os trabalhos extenuantes dos prisioneiros. Assim, percebeu que tinha de encontrar algum propósito para continuar a viver. Embora nem mesmo tivesse a certeza de que sobreviveria, criou algumas metas concretas para si mesmo. Fazendo isso, obteve sucesso em superar os sofrimentos daquele terrível momento. Em seu livro, descreveu da seguinte forma: “Nunca devemos esquecer que também podemos encontrar significado na vida mesmo quando confrontados com uma situação sem esperanças”.6

Característica da resiliência

O artigo da Harvard Business Review indica três características em comum àqueles considerados resilientes:

1) eles encaram convictamente a realidade;

2) têm uma crença de que a vida possui um profundo significado;

3) dispõem da capacidade de se reinventar.

1. Encarar a realidade

Existe a crença de que a resiliência é resultado, tão somente, de uma natureza confiante. De fato, isso é verdade — contanto que a confiança em demasia não distorça o senso de realidade, e deixe a pessoa paralisada para analisar os cenários e entrar em ação.

Quando a adversidade é confrontada, preparamo-nos para agir de forma que nos permita suportar e superar as dificuldades, mesmo aquelas que acontecem de repente. Certamente, neste período tão desafiador que assola o mundo, você ou alguém muito próximo possam ter enfrentado as ventanias do destino. Assim sendo, em vista deste cenário, a recitação diária e convicta do daimoku é o primeiro componente para nos mantermos preparados para os obstáculos, antes mesmos de eles virem à tona.

2. Dar significado

A capacidade de perceber os fatos como eles são e de encará-los com coragem está associada também com a maneira como atribuímos significado aos acontecimentos em situações de crise.

No Estudo desta edição, o presidente Ikeda esclarece sobre o conceito transformador de “carma adotado pelo desejo próprio”. Ele ressalta que “viver com a decisão de transformar destino em missão compreende a essência do princípio da ‘transformação do destino’”.7 Ele vai além: “Aqueles que se lembram de que têm uma missão única a realizar são fortes. Jamais serão derrotados diante de algum impasse. Essas pessoas podem transformar todos os seus problemas em catalisadores para o crescimento rumo a um futuro repleto de esperanças”.8

Quando encaramos as adversidades com serenidade e sabedoria, e resolvemos as questões imediatas, um novo ímpeto emerge, e manifestamos autoconfiança para confrontar qualquer desafio. A partir das vitórias conquistadas, encorajamos as pessoas ao redor com compaixão, e principalmente, a não se esquivarem das tribulações que estejam enfrentando. Dessa forma, as adversidades vivenciadas passam a ter um profundo significado.

3. Faça acontecer

Outro aspecto da resiliência é a capacidade de fazer acontecer, ou mesmo de se adaptar, com o que se tem à mão. O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908–2009) denominou essa habilidade de bricolagem — que pode ser definida como um tipo de inventividade, a capacidade de improvisar uma solução para um problema sem materiais e ferramentas adequados. 

No artigo da Harvard Business Review citado anteriormente consta um exemplo de bricolagem:

Nos campos de concentração, os prisioneiros resilientes sabiam esconder pedaços de corda ou de fio sempre que os encontravam. Esses itens poderiam ser úteis mais tarde — para consertar um par de sapatos, talvez, o que pode fazer a diferença entre a vida e a morte em condições de frio extremo.9

Manifestar a capacidade de inovar diante dos desafios também é considerada sabedoria no budismo. Numa situação adversa, elenque as alternativas tangíveis para a resolução daquele desafio, e não desista até vencer incondicionalmente.

O presidente Ikeda afirma que:

Independentemente do quanto seja desafiadora a situação em que nos encontrarmos, devemos colocar a cabeça para funcionar, reunir nossa sabedoria e criatividade e nos empenhar para conquistarmos algo de significativo tendo uma atitude empreendedora. (...) Budismo é ação. Budismo é vitória.10

Seja resiliente

Exercitar a capacidade de resistir às tormentas da vida é essencial para se cultivar uma vida de significados. Por isso, não se aflija caso esteja atravessando um período ruim, somente assim será possível desenvolver a resiliência. E lembre-se: 

- Os acontecimentos, sejam de alegria, sejam de tristeza, são fatos da vida. Manter a convicção que ultrapassará o infortúnio e estar munido de resoluto daimoku são o fator primordial para a vitória.

- Mesmo as situações mais adversas podem resultar em grande avanço e aprendizado. Por isso, é fundamental assumir a posição de protagonista e não ser vítima dos impasses que a vida lhe reserva. A experiência superada com base na prática da fé poderá inspirar muitas outras pessoas.   

- Manifeste toda a capacidade e criatividade. Por mais que as pessoas lhe digam o contrário, seu valor é único e precioso. Acredite em seu potencial!

Assim como descrito pelo Mestre: “Mesmo que percam tudo o que possuem, adoeçam gravemente ou percam alguém que lhes seja muito querido — ter a força para superar todos os infortúnios e construir uma vida feliz constituem ‘felicidade e tranquilidade’”.11 Sendo assim, vamos despertar o Nonin (“Aquele que Consegue Suportar”) e transpor com resiliência cada situação adversa que está à nossa frente, aqui e agora!

Notas:

1. Brasil Seikyo, ed. 2.281, 27 jun. 2015, p. B1.

2. Ibidem.

3. Brasil Seikyo, ed. 2.274, 9 maio 2015, p. B2.

4. https://hbr.org/2002/05/how-resilience-works.

5. https://encyclopedia.ushmm.org

6. Cf. https://hbr.org/2002/05/how-resilience-works.

7. Terceira Civilização, ed. 622, jun. 2020, p. 62.

8. Terceira Civilização, ed. 451, mar. 2006, p. 10.

9. https://hbr.org/2002/05/how-resilience-works.

10. Brasil Seikyo, ed. 2.021, 30 jan. 2010, p. A3.

11. Nova Revolução Humana, v. 26, p. 115.

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