Entrevista
BS
"Transformei meu carma em missão”
Rogério encontrou na prática budista a motivação para construir uma vida grandiosa atuando em prol dos direitos humanos e da cultura de paz
24/11/2018
Atualmente é resp. pela DS da Comunidade Ciudadanos del Mundo, no Panamá
Rogério é assessor regional em monitoramento e avaliação para a América Latina e o Caribe na organização Save the Children, no Panamá. Também atuou no Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e como economista do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Trabalha nas áreas de desenvolvimento humano e direitos humanos, em especial com assuntos relacionados à vulnerabilidade e à violência.
Ele pratica o Budismo de Nichiren Daishonin há 23 anos, e relata como esse exercício budista se tornou a base das suas ações no trabalho. Explica que conheceu a Soka Gakkai ainda na juventude quando fazia faculdade.
Brasil Seikyo:
O que chamou sua atenção no budismo?
Rogério Carlos Borges de Oliveira:
Quando li sobre essa filosofia, senti em meu coração que finalmente havia encontrado algo que há tempos procurava.
Na época, estava no primeiro ano da faculdade de economia e intuitivamente achei que o budismo pudesse ser adequado para mim. Então, consultei livros na biblioteca e o primeiro com o qual me deparei foi o romance Revolução Humana, de Daisaku Ikeda. [NE: A obra Revolução Humana foi escrita por Josei Toda, segundo presidente da Soka Gakkai, em 20 de abril de 1951. Em 2 de dezembro de 1964 Daisaku Ikeda passa a escrevê-la.]
Por meses procurei um contato ou um local de encontros budistas, e quando já estava quase desistindo encontrei o número da Soka Gakkai na lista telefônica de Curitiba onde morava. Entrei em contato com a organização e comecei a prática da fé. Minha primeira vitória foi conseguir um intercâmbio nos Estados Unidos, um sonho que parecia impossível. Com a recitação do daimoku, passei a compreender o sentido da vida e o medo de recordar minha infância desapareceu. Assim, decidi receber o Gohonzon.
BS:
Então sua infância foi um período difícil?
Rogério:
Morávamos numa cidade pequena e tínhamos uma condição de vida humilde e poucas perspectivas. A relação com minha família sempre foi conflituosa, especialmente com minha mãe e com meu irmão. Havia forte disputa de poder entre nós.
Quando estava com 7 anos, passei a sofrer desmaios frequentes. Cresci limitado, sentindo-me diferente das outras crianças e tomando remédios muito fortes. Isso somado ao fato de eu não ter controle sobre as crises me causou medo, não da morte, mas de viver.
Além disso, nossa vida era acompanhada de violência e insegurança, típicas das periferias do Brasil. No dia a dia, temíamos não retornar para casa em segurança.
BS:
Viver essa realidade o impulsionou a trabalhar contra a violência?
Rogério:
Certamente. Devido às experiências que vivi, resolvi me dedicar às questões da violência. Ao terminar a faculdade sentia forte necessidade de exercer minha profissão na área de desenvolvimento socioeconômico. Então, eu me dediquei nos estudos, vencendo as circunstâncias e a barreira de idiomas. Fiz mestrado em estudos do desenvolvimento com foco no processo de construção da paz em conflitos armados no Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais e de Desenvolvimento, da Universidade de Genebra, Suíça, e master em expertise econômica para o desenvolvimento na Universidade de Paris 1-Pantheon-Sorbonne, França. Depois de três anos voltei para o Brasil para a elaboração do Relatório do Desenvolvimento Humano e posteriormente do Atlas de Desenvolvimento Humano, trabalhando em agências da Organização das Nações Unidas (ONU).
Tempos depois iniciei carreira internacional na América Latina e no Caribe, onde atuo hoje.
Em 2009, fui convidado a fazer um estágio no Escritório da SGI para Assuntos das Nações Unidas em Genebra, por ocasião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Essa conquista foi mencionado por Ikeda sensei na sua Proposta de Paz 2011.
Há oito anos, trabalho pelos direitos humanos da criança e do adolescente. Nesse tempo conquistei muitas vitórias e senti que deveria compartilhá-las com o presidente Ikeda, oferecendo-lhe a primeira cópia do Relatório de Desenvolvimento Humano do Brasil em que participei na equipe de coordenação. Recebi uma resposta dizendo que ele ficou muito feliz com a história e fui presenteado com uma caneta. Foi maravilhoso!
BS:
Qual é o grande desafio de lidar com questões da violência no Brasil?
Rogério:
No Brasil, vive-se uma realidade desafiadora imersa em violência e intolerância. Isso torna a cultura de paz algo muito distante no âmbito social. Aproximadamente, 60 mil pessoas vítimas de homicídio no país; em média, sete pessoas por hora.
Com isso, nos últimos quatro anos o número de vítimas chegou próximo ao número de vítimas das bombas de Hiroshima e de Nagasaki, no Japão. As armas de fogo, por exemplo, ainda são uma grave ameaça, em especial para os jovens afrodescendentes. Essas e outras estatísticas de violência ainda são muito impactantes.
BS:
Qual sua sugestão para mudar esse cenário?
Rogério:
O que precisamos fazer é humanizar os números, dando vida e nome a cada um deles. A forma eficaz é a educação, mas uma educação voltada para os direitos humanos.
Quando estava terminando os estudos, um dos meus professores, influenciado negativamente pela realidade que me cercava, disse: “Rogério, você nunca vai deixar este lugar”. No entanto, contrariando suas palavras, aos 14 anos eu já não morava mais com meus pais por ter conseguido dar continuidade aos estudos em outra cidade.
A falta de esperança do professor me impulsionou, mas a educação que prioriza o ser humano pode ser mais eficaz.
Além disso, precisamos nos conscientizar da não proliferação das armas nucleares, que é algo que fere a dignidade da vida, tal como clamou Josei Toda e como defende o presidente Ikeda. São essas ações que geram resultados positivos.
BS:
O que um cidadão comum pode fazer pela cultura de paz?
Rogério:
A paz mundial começa comigo na minha casa. Então, a reflexão é sobre como eu posso transformar meu ambiente familiar, meu trabalho, a relação com meus amigos.
Eu me recordo, por exemplo, de que no começo recitava daimoku somente para conquistar meus objetivos pessoais. Mas, sem perceber, também estava transformando o sentimento de rejeição que tinha com relação à minha família. Meu irmão notou minha mudança de atitude e começou a praticar o budismo. Ele foi meu primeiro shakubuku!
Consegui mudar o ambiente com a sabedoria vinda da prática da fé. Esse movimento da revolução humana, do shakubuku e de levar os ideais do presidente Ikeda para a sociedade são ferramentas importantes na construção da paz.
BS:
Então, a prática budista foi a base dessa mudança?
Rogério:
Sem dúvida. Eu transformei a tudo. A tensão entre minha mãe e eu desapareceu e deu lugar à gratidão. Isso foi muito importante para nós quando minha mãe sofreu um acidente vascular cerebral e perdeu a vontade de viver.
Ela, que era contra a prática budista, nessa fase compreendeu a força do Nam-myoho-renge-kyo. E a rejeição que eu tinha da família se tornou, por meio da fé, a força para que eu cumprisse minha missão.
Transformei meu carma em missão. Tal como afirma Nichiren Daishonin: “O inverno nunca falha em se tornar primavera” (CEND, v. I, p. 559)
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