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Reflexões Sobre a NRH

[139] Membros de Totigui - companheiros de luta compartilhada

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01/08/2003

[139] Membros de Totigui - companheiros de luta compartilhada
"Vamos livrar as pessoas do sofrimento!" Este era o brado do grande pensador e ativista dos direitos humanos japonês, Shozo Tanaka (1841-1913), natural da Província de Totigui.

Ele não era uma pessoa indiferente às demais e sempre as instruía de uma forma nobre e elevada, como é evidente nesta declaração: "Procurar ajudar os outros mesmo quando a própria pessoa está necessitando de ajuda é o propósito da vida de todo ser humano. O propósito da vida é viver."2 Em outras palavras, como mortais comuns também passamos por sofrimentos e por isso devemos seguir entre as pessoas e conviver com elas. Nesse ponto, Tanaka descobriu a prova genuína de nossa existência neste mundo. Tanaka também lutou ao lado do povo no primeiro caso de contaminação industrial no Japão moderno - o Incidente da Mina de Cobre Ashio, na Província de Totigui.

Firme aos seus nobres ideais, ele passou seus últimos anos junto às vítimas desse incidente.

[Nota do editor: Nesse incidente, os resíduos da mina de cobre poluíram os rios próximos, cuja cheia regular, por sua vez, contaminou uma vasta extensão de terras cultivadas, prejudicando a vida de inúmeras famílias.]

Tanaka escreveu certa vez a um amigo:

"Que valia tem para o mundo uma pessoa retirar-se nas montanhas e tornar-se um sábio? Acredito que se você pode tornar-se um sábio vivendo na sociedade conturbada, cheia de lutas e conflitos - sendo forjado, polido e afiado em meio a essas adversidades e a esses desafios - a sociedade naturalmente se beneficiará de suas ações."3

Ele prosseguiu dizendo que isso havia se tornado o seu artigo essencial de fé.

Similarmente, nós, da Soka Gakkai, não fugimos da realidade - mesmo que ela seja repleta de contradições obscuras e contendas deploráveis. Uma religião não tem sentido se tenta fugir da sociedade. Como praticantes do Budismo Nitiren, continuamos a trilhar nosso caminho com coragem enfrentando os golpes das tempestades da sociedade e mantendo a bandeira da revolução humana, a bandeira do Kossen-rufu, tremulando eternamente.

No Sutra de Lótus, o Buda Sakyamuni proclama: "Desde então, tenho estado sempre neste mundo pregando e ensinando a Lei." (The Lotus Sutra, 16º cap., pág. 225.) Empenhar-se na sociedade! Viver sempre entre as pessoas! Jamais devemos nos esquecer de que este é o grande e eterno caminho da Soka Gakkai, que tem como missão estabelecer o ensino correto para a paz e a prosperidade do mundo e de toda a humanidade.

***

Em setembro de 1946, um ano depois do término da guerra, meu mestre Jossei Toda, que mais tarde se tornou segundo presidente da Soka Gakkai, lançou-se à sua primeira viagem de orientação. Na época, muitos japoneses ainda estavam física e psicologicamente exaustos da guerra e passando por uma extrema dificuldade financeira e emocional. Foi nesse cenário que o Sr. Toda viajou pelo interior do Japão em um trem, acotovelando-se e sendo jogado de um lado para outro por longas horas, em um vagão superlotado de pessoas que rumavam para as zonas rurais para comprar alimentos.

A primeira parada dessa jornada, que brilha nos anais do Kossen-rufu, foi Totigui.

O Sr. Toda foi impelido a ir a essa localidade depois de ouvir o sincero apelo de um membro da Divisão Feminina de Jovens. Ela e sua família haviam tentado propagar o Budismo de Nitiren Daishonin para as pessoas da pequena vila - a terra natal de seu pai - para onde eles haviam se retirado durante a guerra e onde permaneceram desde então. Mas ninguém na vila demonstrava nenhum interesse em iniciar a prática. No mês de agosto, profundamente angustiada, a jovem foi para Tóquio com o intuito de receber orientações do Sr. Toda.

Depois de ouvir sua história, o Sr. Toda disse: "Compreendo sua situação. Eu irei até lá."

A jovem retornou a Totigui cheia de coragem. Quando seus familiares souberam da notícia, ficaram muito contentes e esperaram juntos pela chegada de seu mestre, com o desejo ardente no coração de possibilitar às pessoas abraçarem o Budismo de Nitiren Daishonin.

Porém, considerando as dificuldades do período pós-guerra, a família pensou que o Sr. Toda talvez os visitaria em um ou dois anos, quando a situação estivesse mais tranqüila e as condições de viagem mais fáceis. Por essa razão, eles ficaram surpresos quando, pouco tempo depois, receberam uma carta informando que o Sr. Toda e mais seis outros líderes visitariam Totigui. "Ele chegará em breve!" pensaram cheios de alegria e admiração.

Em tudo, o tempo é essencial. O que devemos fazer agora? O que podemos fazer agora? O Sr. Toda ensinou a essas pessoas com seu próprio exemplo que a ação rápida e oportuna é a força que impulsiona o Kossen-rufu.

Ele também queria apoiar e encorajar o mais rápido possível seus discípulos que se dedicavam sinceramente para compartilhar o budismo com os demais, enquanto suportavam o desdém e os insultos da sociedade. Ele acreditava que os líderes deveriam ser os primeiros a se levantar e realizar esforços especiais para encorajar os membros que lutavam arduamente na linha de frente. Este era o seu espírito.

Nessa pequena vila, na região de Nasu, em Totigui, cercada de montanhas por todos os lados, o Sr. Toda participou de uma reunião de pessoas humildes que vieram ouvir sua explanação do Sutra de Lótus. Os membros da única família da Soka Gakkai na vila haviam feito de tudo para divulgar a visita do Sr. Toda e convidar o maior número de pessoas possível para irem à sua casa e ouvi-lo falar. Depois da explanação, teve início um diálogo informal. Como resultado desse diálogo de vida a vida, muitos participantes manifestaram o desejo de abraçar a fé.

O budismo é uma filosofia de igualdade. Não há hierarquia ou distinção quanto ao valor da vida humana.

O Sr. Toda abominava a arrogância da condescendência e a subserviência da adulação.

Uma pessoa cujo discurso ou atitude discrimina ou classifica as pessoas é incapaz de mostrar às demais como abrir o brilhante palácio da vida que existe igualmente em todos os seres humanos.

Meu mestre foi um grande filósofo do humanismo. Ele conversava com todas as pessoas, sem fazer distinção, expressando-se com a máxima sinceridade e declarando sempre a verdade. Ele não discriminava nem descartava ninguém e nunca procurava falhas nos outros. Jamais julgava as pessoas com base no preconceito ou idéias preconcebidas. Esse é o espírito da igualdade budista.

O presidente Toda sempre costumava sentar-se com as pessoas e ouvi-las falar de seus problemas com a máxima sinceridade, sem a menor afetação ou pretensão. Esta é a razão de a Soka Gakkai ter se desenvolvido como uma organização humana.

***

Em Tóquio, no final de 1978 (em 25 de dezembro), dialoguei durante quatro horas com o Dr. Bryan Wilson, renomado sociólogo de religião da Universidade de Oxford (atualmente pesquisador emérito). Um dos tópicos de nossa discussão versou sobre religião e organizações religiosas. O encontro ocorreu apenas quatro meses antes de eu ter deixado a presidência da Soka Gakkai. Na época, traidores repreensíveis que haviam abandonado a fé estavam fazendo de tudo para destruir a união de nosso movimento pelo Kossen-rufu por meio de ataques difamatórios contra mim e a Soka Gakkai.

Falei ao Dr. Wilson de minha crença de que organizações ou instituições religiosas são necessárias para que as pessoas aprofundem a fé. O Dr. Wilson respondeu sem hesitação que pelo fato de a religião ser uma atividade social a existência de uma organização é indispensável. Para que uma organização funcione construtivamente, ele disse, é importante que nela se edifiquem relações humanas embasadas na sinceridade e na confiança.

Expressei minha convicção de que quando as pessoas agem por conta própria, sem coordenação ou consideração pelas demais, não podem realizar grandes feitos. De fato, elas não conseguem sequer atingir seus objetivos pessoais.

Estava evidente que compartilhávamos o mesmo ponto de vista.

O ponto primordial de toda organização está na confiança entre as pessoas. Eis por que nós, da Soka Gakkai, sempre atribuímos a máxima importância às relações de coração a coração como o próprio sangue vital de nossa organização - a mais elevada expressão da união de coração e espírito, em outras palavras, o princípio de unicidade de mestre e discípulo.

A Soka Gakkai não é forte por causa de seu tamanho. É forte porque nela pulsa o espírito fundamental de respeito e confiança por todas as pessoas.

***

Em 26 de dezembro de 1978, um dia depois de meu diálogo com o Dr. Wilson, e bem perto do Ano-Novo, viajei para Ashikaga, a segunda maior cidade de Totigui depois de Utsunomiya, a capital. Em Ashikaga estava localizada a universidade mais antiga do Japão, Ashikaga Gakko [uma instituição educacional que remonta ao período Muromati (1333-1568)].

Quando cheguei ao Centro Comunitário Ashikaga da Soka Gakkai, muitos membros estavam aguardando para cumprimentar-me. Celebramos o grandioso crescimento da organização local reunindo todos na festa de motitsuki.4 Eu também usei uma faixa tradicional em volta da cabeça e um avental para participar da festividade. A cada vez que amassava o arroz com o kine, uma espécie de martelo, nossos companheiros de Ashikaga davam vivas.

Nesse evento havia representantes das regiões de Ashikaga, Oyama e Sano e ainda da remota Utsunomiya.Todos eles eram líderes do Kossen-rufu de Totigui, os grandes campeões Soka. Estas linhas do verso de Walt Whitman vieram-me à mente:

Uma grande cidade é a que possui

grandes homens e mulheres,

Mesmo que seja de algumas cabanas

esfarrapadas, ainda assim é a maior

cidade do mundo.5

***

Um líder de Totigui disse-me que a província era famosa por suas tempestades e trovoadas e um outro acrescentou brincando que os trovões eram a ira da justiça. Victor Hugo, o destemido poeta francês, declarou em tom de desafio:

Se o trovão ribombar,

Eu bradarei!6

Da mesma forma, espero que nossos companheiros de Totigui continuem a enfrentar corajosamente todos os desafios e bradem tão alto quanto o trovão pela verdade e justiça.

Shozo Tanaka, que mencionei no início, declarou: "A menos que brade, o certo e o errado, o verdadeiro e o falso permanecerão confusos e ninguém será capaz de distingui-los."7

Ainda hoje ouço os brados de nossos companheiros de Totigui ecoando em meu coração como trovões distantes! Além desses brados de justiça e verdade que reverberam poderosamente pela terra, vejo um magnífico alvorecer do triunfo das pessoas anônimas!

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