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Ensaio

Desarmamento Desarme o Coração

Cesar Augusto Garcia

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01/09/2005

Desarmamento Desarme o Coração
No próximo dia 23 de outubro, a população brasileira terá de responder “sim” ou “não” à pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?” Assim será o referendo (consulta popular sobre um assunto de relevância de uma lei em vigor). Tudo ocorrerá como uma eleição normal, usando-se os mesmos aparatos e sob o comando do Tribunal Superior Eleitoral.

Duas frentes parlamentares, uma pró (Frente Parlamentar por um Brasil sem Armas) e outra contra (Frente Parlamentar pelo Direito da Legítima Defesa) farão campanhas na mídia para orientar os cidadãos. Os defensores do “sim” afirmam que a proibição do comércio legal de armas vai reduzir a violência. Os defensores do “não” argumentam que, já que as autoridades não têm conseguido êxito em defender a população, o cidadão honesto tem o direito de se defender da violência, configurando-se a “legítima defesa” consagrada na Constituição Federal. Farei, agora, algumas ponderações. Mas, peço, por favor, que sejam consideradas como uma opinião particular e que o leitor não deixe de realizar suas próprias reflexões, analisando os dois lados.

Veja indicação de sites para pesquisa no final do ensaio.)

Primeiramente, quero dizer que detesto armas de todo tipo. Jamais disparei um tiro, quero morrer sem dar nenhum e sem levar também. Segundo, é um equívoco dizer que esse referendo é do “desarmamento”; na verdade, é sobre o “comércio legal” de armas de fogo e munição, afetando somente a venda para os cidadãos de bem – pessoas que se identificam com nome, endereço, RG e CPF no ato da compra que já é restrita a armas leves e requerem rigorosas autorizações para porte. E, terceiro, tenho convicção de que a violência não é gerada pelo cidadão de bem, nem pela arma comprada por ele. É óbvio que quem pratica a violência é o bandido portando armas ilegais. Assistimos todos os dias a noticiários sobre mortes por balas perdidas, sempre disparadas por armas pesadas, já proibidas. Se são as armas proibidas que estão nas mãos dos bandidos, a conclusão lógica é: a proibição do comércio legal de armas de fogo e munição não reduzirá a violência nem nos trará segurança, pois não desarmará os bandidos.

Além disso, intencionalmente ou não, os defensores da proibição estão misturando o tema do referendo com a ação de desarmamento voluntário, que é a entrega de armas para destruição, e que, nos moldes atuais, também me causa preocupação. O governo paga pela entrega da arma e não tem informações sobre sua origem. Muitas das armas entregues podem ter sido instrumentos de crimes, cuja destruição é dar fim às próprias provas desses crimes. Mas, pelo menos, é um ato voluntário. Diferente do que está sendo proposto no referendo em discussão, em que será imposta uma lei e o cidadão, particularmente, não terá escolha.

É inegável que o Estado não promove a segurança do cidadão perfeitamente. Por isso, não concordo que seja retirado do cidadão o direito de defesa. Para mim, é hilário ouvir autoridades de segurança pública instruindo a população a não deixar portas abertas, não facilitar, não reagir etc. São ótimos conselhos, mas, convenhamos, seria melhor que eles cumprissem suas funções e combatessem a ação dos bandidos.

Alguns defensores da não proibição afirmam que o Estatuto do Armamento e esse referendo são uma forma de “tapar o sol com a peneira”. Na minha opinião, essas ações combatem o efeito e não a causa do problema da violência. A arma não é a causa da violência. Menos ainda as armas do comércio legal.

Sou contra as armas, mas também contra o gasto de cerca de R$ 600 milhões para se fazer um referendo como esse, enquanto crianças passam fome, pessoas morrem às portas dos hospitais e policiais deixam de fazer a segurança por falta de viaturas, equipamentos e coletes à prova de balas. Sou contra o fato dessa questão estar sendo utilizada como palanque para parlamentares.

Sou a favor do desarmamento e abolição de todas as armas. Mas, que comecem pelos bandidos. Deixem-nos, cidadãos de bem, por último. Quando todos os bandidos estiverem desarmados, aí sim, a população naturalmente entregará armas, pois sentirão que elas são verdadeiramente desnecessárias.

O cerne da questão é que, mesmo proibindo o comércio legal, o bandido, que não cumpre nem respeita as leis, continuará armado. Os bandidos e os mal-intencionados precisam sentir que não estamos indefesos. Não podemos ser ingênuos. Eles não se sensibilizarão nem pararão com a violência somente em razão do nosso pseudo- nobre gesto de abdicar do direito de comercializar armas.

A questão é muito mais profunda. Sabemos que a melhor forma de acabar com a violência é combatendo a causa, promovendo a revolução humana e o diálogo de vida a vida, extirpando a violência do coração do homem. Como seria bom se todos desarmassem seus corações...

Cesar Augusto Garcia Advogado e professor universitário

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