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Juventude em Questão

Entrevista (2)

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01/07/2006

Entrevista (2)
Terceira Civilização: Sabemos que você enfrentou problemas de alcoolismo na família. Poderia nos relatar como isso repercutiu em seu lar?

Ricardo Shin–iti Miyamoto: Apesar dessa experiência estar relacionada a meu pai, envolveu todos em casa. Eu, que sempre fui muito ligado à minha família, sofri bastante. Lembro-me de que, quando era criança, eu esperava chegar as manhãs de sábado e de domingo para encontrar meu pai bem. Durante a semana, geralmente ele voltava muito tarde para casa, ou algumas vezes nem voltava.

O problema se agravou e meu pai começou a se distanciar da organização e da família. Lembro-me de algumas de suas tentativas para deixar de beber. O máximo que conseguia era um ou dois dias.

Os filhos sempre têm os pais como exemplo, como seus heróis, mas muitas foram as vezes que presenciei cenas constrangedoras e pessoas maltratando ou criticando meu pai. Aquilo tudo parecia insuportável e interminável. Em casa, mal se tocava no assunto. Era uma luta silenciosa para vencer aquela situação cruel que se repetia dia após dia.

TC: Na sua opinião, como você acha que os amigos podem apoiar aqueles que vivem essa situação?

Miyamoto: Com sabedoria. Muitas vezes vivemos próximos dos companheiros, porém, o coração está distante.

Eu tinha um veterano que sempre esteve por perto. Às vezes, nem era para orientar, mas para me escutar. Houve uma ocasião que, sem querer, eu cometi um erro e fui duramente criticado por algumas pessoas. Sabendo de toda a situação, esse veterano pediu para conversar comigo. Então ele me disse: “Eu confio em você, não se preocupe. Sobe nas minhas costas”. Aquelas poucas e preciosas palavras significaram muito mais que horas de sermão.

TC: Como você e sua família enfrentou a situação?

Miyamoto: Quando eu e minha irmã ficávamos nervosos, minha mãe nos acalmava. O contrário também acontecia, mas, por mais que passássemos por momentos de grandes dificuldades, minha mãe jamais deixou de recitar Daimoku, até mesmo derramando lágrimas. Resumidamente, superamos tudo com base na fé no budismo, na coragem e na perseverança. Aprendi que se a tendência para uma pessoa sadia é buscar o caminho mais fácil, imagine então para alguém que tem um vício.

Aprendi também que iluminação significa sair da ilusão, parar de pensar que o outro é a causa de seu sofrimento, ou que o outro é quem deve agir e mudar. Eu pensava o contrário disso, o que criava uma grande barreira entre eu e meu pai. Não tinha coragem de falar com ele, pois achava que era ele quem tinha de falar comigo.

A transformação iniciou quando eu realmente assumi que o problema dele era meu também. Pensava: “Existem milhões de pais no mundo, por que fui nascer justamente com este?” A única maneira de transformar a situação era agir para mudá-la, e não ficar esperando tudo se resolver como num passe de mágica.

Hoje comprovo que o budismo é realmente verdadeiro. Tenho muita gratidão por ter vivido tudo aquilo. Vejo o quanto cresci e o quanto essa experiência foi importante para minha vida. Para mim, sentar-me à mesa junto com meus familiares é uma enorme alegria.

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