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Força e Paixão — Vencer é se desafiar continuamente

ANIMAR-SE a ponto de querer começar uma nova vida com outra postura é comum quando nos sentimos inspirados com uma frase que chegou na hora certa, com aqueles vídeos motivacionais da internet ou com alguma mudança positiva nas circunstâncias. O mesmo pode acontecer em relação à fé budista. Depois de uma animada reunião de palestra ou após ouvir um relato de experiência extraordinário de um companheiro, sentimos uma grande vontade de praticar o budismo fervorosamente. “Agora vai!”— exclamarão alguns. Porém, passados um ou dois dias, o entusiasmo pode não ser mais o mesmo, a prática individual cai na rotina e as emoções sentidas anteriormente são esquecidas. Ao descrever essa situação vivida por um budista, Nichiren Daishonin denominou essa paixão ardente de “fé como o fogo”. E esclarece que essa ardência momentânea não é o ideal para aqueles que estão determinados a conquistar a vitória absoluta. Se alguém está disposto a ser realmente feliz, deve aprender que, para vencer a oscilação entre ânimo e desânimo, é preciso desenvolver uma fé persistente como o fluir da correnteza de um rio e ardentemente apaixonada como o calor do fogo. Aliar as duas características — a força constante da água e a paixão do fogo — é a fé ideal para uma pessoa que tem como propósito realizar o kosen-rufu.

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16/09/2017

Força e Paixão — Vencer é se desafiar continuamente

A fé ideal

“A ‘fé como a água fervente’ pode, de fato, ser a fé ideal — fé que arde com a paixão e, ao mesmo tempo, é tão constante como a água corrente”, afirma o presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, ao comentar a declaração de seu mestre, segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda: “Nós falamos de ter fé como a água, mas essa água, dependendo das circunstâncias e da época, também pode ferver” (TC, ed. 589, set. 2017, p. 58).

Essa “fé como a água fervente” terá duradoura paixão para sustentar a constância dependendo da origem do entusiasmo — se vem de dentro ou de fora. Para distinguir a diferença entre as duas fontes, vejamos o exemplo a seguir.

Paixão de torcedor

O coração explode de alegria quando a bola balança a rede. O apaixonado torcedor pula, grita e abraça o primeiro estranho que aparece na frente.

Foi um golaço!, e ele “não se aguenta” de tanta felicidade. Sente-se agradecido por estar ali, testemunhando aquela final histórica. Seu time será campeão, as fotos que tirou na arquibancada já estão nas redes sociais e faltam apenas três minutos para terminar a partida, não dá tempo para o time rival marcar dois go... GOL! Do time adversário!

Bola no centro do campo e uma leve dúvida surge no coração do nosso amigo torcedor.

“Mas ainda dá para vencer o campeonato, vamos segurar esse empate. Termina logo esse jogo, juiz!” — Fala para si o protagonista da nossa narrativa.

Faltam dois minutos… Clima tenso... Um erro da defesa libera o atacante, que numa jogada rápida faz o impossível — o temido segundo gol do adversário!

Com as mãos na cabeça, num “silêncio ensurdecedor”, lágrimas teimam em descer.

Bola novamente no centro, correria. O minuto final agora está contra o torcedor. Alguém toma o apito do juiz?! Os sessenta segundos, que antes eram uma eternidade, agora estão voando. Apesar de pouco, milagrosamente, é tempo suficiente para os memes zoando a derrota do seu time se alastrarem nas redes sociais e ainda sobra para as piadinhas dos amigos que disparam o alarme das notificações do seu celular. “Desocupados” — lamenta, resignado a cada vibração que sente em seu bolso. A selfie tirada com o quase futuro ex-técnico não tem mais o mesmo glamour. Seu mundo segue desabando à medida que o tempo avança. Quando o juiz ergue os braços para terminar a partida, ele tomba desolado, chorando a derrota.

Essa narrativa é uma metáfora para compreender a finita paixão da fé como o fogo que surge e vai embora, dependendo do que acontece externamente.

Quando o time do torcedor marcou o gol que garantiria o título do campeonato, ele explodiu de alegria, sentindo um grande ânimo, até o adversário virar o jogo. Agora as circunstâncias mudaram, o entusiasmo não mais existe. Foi “eterno enquanto durou”. Em seu lugar, um sentimento de impotência e desespero.

Como espectadores ou torcedores do jogo da vida diária, confiamos nossa “fé” nas circunstâncias fora de nós; ela queima ardentemente como o fogo até que a lenha dos fatores motivadores externos acabe. E o combustível sempre acaba, porque tudo muda constantemente, a vida é governada pela impermanência.

Diante das constantes transformações, para criar algo de valor duradouro no cotidiano, o verdadeiro desafio é abandonar a passividade de espectador que apenas torce e assumir a postura ativa de esportista. A fé como a água fervente, cuja essência é a paixão pelo kosen-rufu, é um tesouro de valor eterno. Não se trata de um ponto de chegada: o duradouro nesse tipo de fé é seu fortalecimento diário.

A paixão vem de dentro quando nossa fé tem o kosen-rufu como propósito e é direcionada totalmente para o desenvolvimento persistente de nossa vida interior, e o externo acompanha essa mudança interna. O poder dessa fé interiormente motivada, que é constante como a correnteza de um rio e apaixonada devido ao ardente sentimento de ser protagonista do kosen-rufu, é a força que cria e sustenta uma imponente fortaleza interna que não se abala diante das mudanças externas.

Essa imbatível força interior é fundamental quando estamos dispostos a entrar em campo para definir a partida com extraordinária vitória.

O esforço dedicado ao treinamento constante [prática da fé], ao aprimoramento da técnica [estudo do budismo] e ao entrosamento com a equipe [união de itai doshin] são exercícios diários que unem a paixão da “fé como o fogo” com a força da “fé como a água”. É dessa forma que conseguimos persistir sustentando o entusiasmo.

Um “atleta do kosen-rufu” é aquele que acredita decididamente na Lei Mística e se exercita firmemente na fé, na prática e no estudo — isto é, recita daimoku, gongyo pela manhã e à noite, participa das reuniões de palestra, realiza a prática do shakubuku e estuda o Budismo de Nichiren Daishonin, sempre com o propósito de desenvolver a si próprio para criar valor em todas as situações.

Mesmo esclarecendo que o firme exercício da fé, da prática e do estudo é a chave da fé como a água corrente, alguém pode pensar: “Faço tudo isso e ainda assim vivo oscilando entre alegria e tristeza, ânimo e desânimo. Há dias em que estou bastante desmotivado”.

Nesse caso, fica claro que a paixão continua sujeita às influências circunstanciais do ambiente e, por consequência, a fé está canalizada para o externo. Superamos essa situação quando a prática budista individual possui foco correto.

Esse foco é exercitar-se na fé, na prática e no estudo com objetivo de DESAFIAR A SI MESMO! Ter uma fé ideal significa desenvolver o espírito de jamais ser derrotado pelas adversidades e lutar até o fim.

Desafiar-se não é lutar contra si próprio. Não é um desafio focado em defeitos, com tom autodepreciativo. Ao contrário, seu foco é florescer o potencial individual para crescer. À medida que se fortalece interiormente, luta-se pelos objetivos e contra os obstáculos.

A cada situação adversa, canaliza-se o esforço para expandir a própria condição interna até que ela esteja acima das dificuldades e na altura das metas. Tal como a postura do atleta que se esforça para superar seus limites confiando na própria capacidade de progredir.

Coração puro e forte determinação

Vamos seguir, tendo ainda o futebol como metáfora e exemplo, contando uma história sobre vencer a si mesmo.

O craque imortal do futebol, Roberto Baggio, é um exemplo de jogador que, ao longo de sua carreira, desenvolveu uma força invencível para lutar até o fim e jamais perdeu para as adversidades.

Ele pratica o Budismo de Nichiren Daishonin como membro da SGI-Itália desde 1987.

Elogiado pelo presidente Ikeda como “um jovem de coração puro que possui forte determinação”, Baggio conquistou diversos títulos, como o de melhor jogador de futebol do mundo após triunfar sobre diversos e amargos obstáculos, incluindo três operações no joelho e dois anos de ausência em torneios competitivos.

Sua trajetória como atleta e ser humano é uma confirmação de que a alegria não se encontra apenas no triunfo externo, mas no esforço e empenho para vencer a si próprio. Ele é um exemplo de que a vitória é conquistada por aqueles que desafiam a si.

“Por meio da minha fé no budismo, aprendi que todos podem desenvolver aquele ‘algo’ interior. Agora, sou capaz de produzir o máximo. Força, energia, concentração, paixão e criatividade — posso transformar tudo isso em algo de valor”, afirma Baggio (Brasil Seikyo, ed. 1.266, 26 mar. 1994, p. 4).

A carreira de Baggio no futebol quase terminou quando ele tinha 18 anos. O atleta sofreu uma grave contusão e durante vários meses não conseguia correr. Tudo indicava que não havia mais futuro como jogador.

“A cada minuto que passava na cama, sentia-me firmemente convicto de que estava criando força para suportar dificuldades muito maiores que apareceriam no futuro” (Ibidem).

Baggio confiava no poder interior de sua vida e convocou toda a sua coragem para sair das profundezas do desespero. Com determinação, desafiou a si mesmo, passando por um intenso tratamento e treinou rigorosamente para recuperar sua condição física.

Superado as lesões e mesmo após alcançar sucesso e reconhecimento, foi alvo de injustiças, críticas e ciúmes. Contudo, nunca se abalou nem se deixou influenciar por ninguém, tanto nos momentos bons como nos ruins.

“A única maneira que encontrei para combater as críticas e as ofensas desumanas que recebi foi jogar realmente bem, e não simplesmente jogar um bom jogo, mas vencer. Ao vencer, as críticas e as ofensas desapareceram” (Brasil Seikyo, ed. 1.582, 2 dez. 2000, p. A3).

Copa do Mundo de 1994

Antes do início da Copa do Mundo de 1994 nos Estados Unidos, no 12º Festival dos Jovens para a Paz Mundial realizado na Itália, “vencer” foi a promessa que Roberto Baggio fez para o público e para o presidente Ikeda, presente na ocasião.

A Itália começou mal na primeira fase da competição, perdendo e vencendo jogos, classificando-se como uma “das melhores terceiras colocadas”.

Na fase seguinte, a Itália perdia o jogo para a Nigéria e seria eliminada. Era o momento em que a equipe precisava do talento de Baggio. E ele correspondeu, comandando a virada da Squadra Azzurra e marcando os gols que garantiram a vaga italiana nas quartas de finais.

O jogo seguinte foi contra a Espanha, com seu Dream Team do Barcelona. A partida seguia empatada, mas faltando dois minutos para o fim, Roberto Baggio selou a vitória da Itália com um gol e mandou os espanhóis para casa.

A semifinal da copa foi contra a Bulgária. Para evitar o sufoco, como nas partidas anteriores, Baggio liquidou o jogo no primeiro tempo, marcando dois gols. Porém, nessa partida ele sentiu uma contusão. A Itália estava classificada para a final da copa contra o Brasil, e seu melhor jogador não era certeza no jogo mais importante.

Na final, a promessa que Baggio fez no festival dos jovens da Itália tornou a decisão da competição mundial ainda mais dramática para os brasileiros, integrantes da BSGI, que acompanharam pela mídia as atividades do presidente Ikeda em sua última visita à Europa e eram apaixonados por futebol.

Muitos torceram por Baggio, sem se dar conta de que a vitória do jogador italiano significava vitória da Itália e, consequentemente, derrota do Brasil na Copa. A “ficha” de uma final entre as duas seleções tricampeãs ainda “não tinha caído” até aquele momento. A força e a paixão com que ele levou a seleção italiana “nas costas”, mesmo estando debilitado fisicamente, faziam de cada jogo um “relato de experiência” da fé. Tal “relato” deixou várias pessoas tão maravilhadas a ponto de ficarem indecisas se deveriam torcer pelo Brasil ou pela Itália.

O jogo não aliviou. A tensão era grande e o sol escaldante. A partida foi equilibrada durante o tempo regulamentar e continuou assim na prorrogação, terminando num empate sem gols, mas com bolas na trave e chances perdidas. O equilíbrio na partida se deu porque Romário, em plena forma, não rendeu o esperado devido à marcação competente de Baresi. E Baggio, que tinha condições de vencer a defesa brasileira, estava contundido, jogando com grande sacrifício.

Brasil e Itália lutaram pelo tetra e pela hegemonia do futebol mundial. A decisão foi para os pênaltis. A Itália errou e acertou, o Brasil também. Baggio se posicionou para bater. Em seus pés a responsabilidade de manter a série ou entregar o título para o Brasil. Com fortes dores na coxa, sentidas desde a semifinal contra a Bulgária, ele chutou, mandando a bola pelo alto da trave.

No dia 17 de julho de 1994, Roberto Baggio registrou seu nome como “herói” do futebol brasileiro ao definir o tetracampeonato do Brasil na Copa do Mundo.

A vitória do discípulo

Os membros brasileiros, divididos entre torcer pela Itália e pelo Brasil, agora queriam entender o significado daquele fato. Eles tinham a paixão de ver o Brasil campeão, mas também torciam pela comprovação da força de nossa fé. E o coração permanecia dividido até ser divulgado o trecho da mensagem de incentivo que o presidente Ikeda enviou para Baggio após o encerramento da Copa:

Parabéns pela dedicação. O espírito de jamais ser derrotado estava estampado em você que lutou de forma extraordinária até o último momento. Esse é o aspecto da grandiosa vitória na prática da fé. Todos os deuses budistas e os membros da SGI estão parabenizando e aplaudindo do fundo do coração nosso lutador, que demonstrou uma brilhante comprovação (Brasil Seikyo, ed. 1.282, 30 jul. 1994, p.2).

Baggio não foi derrotado, ele venceu a si mesmo superando todas as adversidades e levando a seleção italiana com sua força e paixão até o fim.

Em seu país, o maior craque da Itália não foi crucificado como muitos pensavam. Os fãs italianos e do mundo inteiro reconheceram o espírito de jamais ser derrotado que se manifestou numa luta extraordinária que Roberto Baggio travou até o último momento. Sua história brilhava mais que qualquer pênalti perdido ou título conquistado. Ao longo da competição mundial, a força e a paixão de seu caráter se evidenciaram em sua persistente atitude de desafiar a si.

Não desista! Levante-se e comece de novo!

Lidar com o erro no pênalti foi de fato difícil para o jogador italiano, que desejava ardentemente a vitória na Copa. No entanto, estamos falando de Roberto Baggio, o imbatível atleta que se fortaleceu vencendo adversidades inimagináveis para conseguir jogar futebol, suportando insultos e injustiças ao longo de sua carreira.

Se tinha alguém preparado para vencer o desafio de conviver com a perda do título era ele, “nosso lutador”.

Sobre o pênalti perdido, Baggio comentou: “A vida ensina muitas coisas e entendi que, quando um homem se deixa vencer pela derrota, está renunciando à vida”(Placar, ed. 1.291, fev. 2006, p. 90-91).

A cada reviravolta em sua carreira, ele sempre determinou vencer da próxima vez. Pessoas com essa determinação são fortes; elas progridem. E foi o que Baggio fez após a copa. Continuou a progredir definindo novas metas para criar oportunidades de novas vitórias no constante desafio de si mesmo.

Anos depois, Baggio se aposentou como jogador de futebol. Considerado genial e inesquecível, seus feitos e títulos mundiais como esportista confirmam por que ele está entre os maiores de todos os tempos. Ele é amado e respeitado pelos seus fãs no mundo todo, não somente por seu talento como jogador, mas também pela força e paixão de seu admirável caráter.

Nos momentos bons ou ruins, o que é constante na vida de Baggio é sua condição de campeão do povo. Em qualquer circunstância, sua postura corajosa de se desafiar inspira pessoas comuns a continuar enfrentando suas próprias batalhas. Sua vida sintetiza valores que são universais — o que aprendemos com ele podemos aplicar em qualquer aspecto da nossa vida.

Como atleta, Roberto Baggio se tornou um exemplo do espírito de jamais ser derrotado. Sua vitória foi verdadeira porque nunca foi definida por títulos, riquezas e nenhum outro fator externo. Ela é maior porque fala diretamente com nosso coração e brilhará eternamente como modelo de superação e triunfo da fé dotada de força e paixão.

O presidente Ikeda declara: “O importante é desenvolver uma força invencível e jamais perder para as adversidades. Baggio conquistou essa força imbatível no mundo do futebol” (Brasil Seikyo, ed. 1.545, 26 fev. 2000, p. A3).

Conclusão

Ter como propósito fazer a vida interior brilhar é o autêntico objetivo da fé budista. A SGI é a academia em que aprendemos a desenvolver a “força invencível” para sustentar o entusiasmo mesmo diante das circunstâncias mais adversas.

Por mais paixão que sinta pelo kosen-rufu, por mais forte que seja a determinação de realizar uma grande luta, ela terá um valor duradouro se a pessoa desafiar a si própria em tudo o que fizer. Isso é mais importante que qualquer vitória externa.

A constância da fé, tal como a correnteza de um rio, se encontra no desafio de avançar todos os dias na luta para se desenvolver interiormente. A fé ideal, como citado anteriormente pelo presidente Ikeda, é a fé como a água fervente — constantemente desafiar a si com força e paixão.

E a paixão vem de dentro quando existe a consciência de que a felicidade não se encontra no ponto de chegada, ela existe na caminhada — na luta diária para vencer a si, avançando hoje mais que ontem, e amanhã mais que hoje.

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