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Transformar o conflito em harmonia por meio da música
Amaral Vieira conta os momentos compartilhados com o presidente Ikeda e como a música pode contribuir para um futuro de paz
Redação
21/06/2024
Amaral Vieira é professor, pianista e compositor de renome mundial que atuou como presidente da Sociedade Brasileira de Musicologia e da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea. Compôs mais de 600 obras e recebeu inúmeras homenagens internacionais, como o Prêmio Internacional de Composição Arthur Honegger e o Grande Prêmio da Fondation de France. Ele e o presidente Daisaku Ikeda se encontraram três vezes (1992, 1995 e 1997) e mantiveram contato por muitos anos. Nesta entrevista ao jornal Seikyo Shimbun, Amaral relata que a figura de Ikeda sensei é sua fonte de inspiração musical.
Seikyo Shimbun: O recital de piano promovido pela Associação de Concertos Min’on em comemoração dos 30 anos do Japan Tour foi realizado em 11 cidades, de 23 de maio a 9 de junho, e encerrou com grande sucesso. Em particular, houve uma enorme salva de palmas à música Revolução Humana dedicada ao fundador do Min’on, Ikeda sensei.
Amaral Vieira: Este ano, completam-se 60 anos do início da escrita (2 de dezembro de 1964) do romance Revolução Humana, de autoria de Ikeda sensei. Com o mesmo tema, comecei a elaborar esta obra musical no ano passado, porém, nesse ínterim, em novembro, recebi a notícia do falecimento do presidente Ikeda. Sensei é uma figura de enorme importância para a humanidade e veio me observando e protegendo calorosamente. Por essa razão, fiquei extremamente triste, entretanto, não pensei em interromper a composição, pois tinha um inabalável pensamento de expressar, por meio da música, a filosofia humanista de Ikeda sensei. Agora que ele partiu, o mais importante é como os discípulos irão decidir e entrar em ação. A minha decisão é a de herdar o desejo do Mestre e contribuir em prol da concretização da paz no palco chamado música.
Na primeira parte desta obra dedicatória, inseri acordes fortes tornando-a uma melodia repleta de vivacidade tal como uma marcha. Ela retrata a clara determinação de Ikeda sensei em prol da paz mundial. Na segunda parte, expressei o comportamento repleto de compaixão do presidente Ikeda com um toque suave. Esta composição se tornou o ápice da minha vida musical, pois condensa a valiosa e nobre existência do Mestre.
Primeiro encontro do professor Amaral Vieira (no centro) com o Ikeda sensei (Tóquio, out. 1992)
Lembranças do primeiro encontro
Até hoje, o professor Vieira dedicou cerca de 20 composições ao Ikeda sensei. A primeira delas foi em agosto de 1991 com a obra O Alvorecer do Século da Humanidade. Foi um ano antes do primeiro encontro deles.
Por intermédio do meu amigo Fábio Magalhães, que atuou como curador do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), tive a oportunidade de ler a Proposta de Paz intitulada O Alvorecer do Século da Humanidade,1 publicada por Ikeda sensei em janeiro de 1991 em comemoração do Dia da SGI. Nela constava que, para concretizar a paz mundial, eram necessárias mudanças fundamentais no pensamento e no modo de vida dos seres humanos.
Apesar de ter pensado sobre isso por muitos anos, eu não conseguia expressar em palavras. Li e reli a proposta de paz diversas vezes, renovei minhas emoções e, com ardente paixão, compus a obra dedicatória O Alvorecer do Século da Humanidade.
Em outubro do ano seguinte, em 1992, me encontrei pela primeira vez com o presidente Ikeda, em Tóquio. Ainda hoje me lembro claramente daquele encontro, quando ele ouviu atentamente sobre a minha trajetória como músico e o meu desenvolvimento.
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O professor Amaral Vieira começou a estudar piano aos 6 anos e, aos 13, mudou-se sozinho para a Europa. Estudou na França, na Alemanha e na Inglaterra. Aos 25 anos, foi indicado a diretor musical da prestigiada Escola Yehudi Menuhin [em Surrey, Inglaterra]. Embora fosse um cargo que prometia posição e renda privilegiadas, ele recusou o convite e retornou ao Brasil com o desejo de contribuir para o desenvolvimento cultural de seu país de origem. Depois disso, ele se dedicou ativamente na execução de músicas clássicas inéditas no Brasil, na composição de novas peças e na orientação de jovens pianistas.
O que eu objetivava não era o caminho para entrar na elite da música clássica, mas servir ao povo. Em primeiro lugar, pensei no desenvolvimento do Brasil.
Ao ouvir essas palavras, sensei louvou ao máximo o meu modo de vida. Fui muito criticado pela minha escolha, por isso, receber o incentivo do presidente Ikeda foi realmente animador.
E ele ainda me disse: “Por favor, torne-se o embaixador da paz por meio da música”. Ikeda sensei, que estreitou a amizade com intelectuais de todo o mundo sem poupar esforços em prol da paz, me ensinou como eu deveria viver. Aquelas palavras se tornaram as diretrizes da minha vida e o encontro com o Mestre fez com que a minha vida começasse a brilhar.
Alguns dias depois, apresentei a peça dedicatória O Alvorecer do Século da Humanidade com a Orquestra Sinfônica Fuji na Universidade Soka, onde Ikeda sensei e sua esposa, senhora Kaneko, estavam presentes. Ao término da apresentação, os dois se levantaram e enviaram uma calorosa salva de palmas. Em contato com esse coração sincero do Mestre, tive a convicção de que eu tinha nascido para me encontrar com ele.
No concerto da Min’on realizado agora, lembrei-me daquele encontro e senti como se Ikeda sensei estivesse na plateia me observando. Fiquei muito emocionado.
Um tom que eleva
Em fevereiro de 1961, Ikeda sensei visitou a Birmânia (atual Mianmar), onde seu irmão mais velho morreu na guerra. No capítulo “Raios de Paz” do volume 3 do romance Nova Revolução Humana, estão descritos os detalhes da época. Shin’ichi Yamamoto pondera sobre os meios para edificar a paz e diz para os membros da comitiva: “A base da paz mundial genuína se dá pela compreensão mútua e pelo intercâmbio de pessoas que transcendam as diferenças de raça, nações ou ideologias. Para isso, se tornará indispensável o intercâmbio artístico e cultural”.2 Baseado nessa concepção, Ikeda sensei fundou a Associação de Concertos Min’on dois anos depois, em 18 de outubro de 1963.
Ikeda sensei fundou a Associação de Concertos Min’on por defender a construção da paz por meio da cultura. Para o senhor, qual é a relação entre a paz e a música?
Os conflitos persistem em diversos locais do mundo. É algo muito triste. Mais do que nunca, precisamos da música em prol da paz.
A Min’on vem realizando intercâmbios culturais e artísticos com pessoas, localidades e países diferentes visando a construção da paz. Eu sinto imensa gratidão por ter sido patrocinado para me apresentar no Japão por doze vezes desde 1994. Além disso, me simpatizei profundamente com o ideal de Ikeda sensei, o fundador da Min’on, de “levar música de primeira categoria ao povo”.
Penso que a música começa com o ritmo, a melodia e a harmonia. A música sempre enfatiza a harmonia. Isso sugere que a música possui o poder de transformar um mundo de colisões, turbulento e dissonante, em um mundo harmônico que todos almejam. A famosa Nona Sinfonia, de Beethoven, é bastante vigorosa e dramática, mas é executada como símbolo de união entre as pessoas.
O ser humano consegue sentir as sutilezas do coração por meio da música. Creio que isso seja compreensível ao se lembrar do cenário de uma apresentação musical ou de um coral de vozes. Tocar nas sutilezas do coração vai além de se preocupar com o outro ou de pensar colocando-se no lugar dele. Significa ser capaz de pensar em aspectos como: “Como fazer para tocar belas músicas em conjunto?” e “Como fazer para oferecer uma influência ainda mais positiva às pessoas?”.
Pessoas que conhecem essas sutilezas conseguem dialogar quando se defrontam com um conflito. É ressoando a natureza do bem de cada pessoa que se cria a harmonia no mundo. A música é a ferramenta mais poderosa para extrair essa natureza do bem.
O músico projeta a sua própria vida na música. Sinto que, por isso mesmo, antes de mais nada, o músico deve polir seu próprio caráter para conseguir oferecer uma influência positiva às pessoas.
No meu encontro com Ikeda sensei em 1992, ele me disse: “A música possui o poder de transmitir a emoção diretamente à vida como um todo. A boa música balança as profundezas da natureza humana e extrai o bem das pessoas. (...) Acredito que existam músicas que têm o poder de energizar e melhorar a vida, como também aquelas que abaixam o estado de vida, conduzindo-a ao prazer, à ociosidade e à infelicidade”.
Em um certo sentido, a música se assemelha à medicina. Com um tratamento adequado, o paciente pode melhorar, mas se o mesmo for feito de forma incorreta ou atrasada, a situação dele só piora. Da mesma forma, a música pode tanto elevar as pessoas como drenar a energia delas. Portanto, os ouvintes devem escolher músicas que os elevem, e não ficarem apenas observando sem criticá-las. Por outro lado, os músicos devem buscar, sinceramente, músicas que elevem as pessoas.
Creio que se cada pessoa buscar o caminho para se harmonizar com as demais, polindo e elevando a si mesma por meio da música ou das artes, é possível construir uma sociedade em que todos se respeitem mutuamente.
Doravante, continuarei incorporando a ardente paixão pela paz do presidente Ikeda no mundo da música.
Assista ao recital de piano de Amaral Vieira em comemoração aos 30 anos do Japan Tour:
Notas:
1. A Proposta de Paz intitulada O Alvorecer do Século da Humanidade foi publicada em 26 de janeiro de 1991. Apelando pelo mais breve término da Guerra do Golfo, o presidente Ikeda insistiu: “Se as forças dos povos do mundo amantes da paz forem unidas, poderão repelir as forças invasivas do caos e abrir os portões para um novo século de paz” (TC, ed. 273, maio 1991). Ele enfatizou também que, somente quando a religião se tornar a base para o progresso da educação, o poder do intelecto do povo poderá melhorar e se fortalecer e possibilitar a aceleração da época da vontade popular e da correnteza da democracia. Para que as Nações Unidas pudessem cumprir plenamente o seu papel na manutenção da paz do mundo, Ikeda sensei propôs a criação de um novo sistema de integração das nações que valoriza a força das entidades civis, tais como as ONGs. Além disso, referindo-se à importância da paz compatível com a justiça, ele enfatizou ser imprescindível aprofundar a consciência de cidadania mundial para ampliar a correnteza do movimento pelo mundo livre de guerras.
2. IKEDA, Daisaku. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 3, p. 232, 2019.
Traduzido e adaptado do Seikyo Shimbun de 19 de junho de 2024.
Fotos: Seikyo Press
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