Caderno Especial
BS
O dia do eterno juramento
A histórica cerimônia do Dia 16 de Março de 1958 marcou a passagem do bastão do kosen-rufu do mestre para os jovens discípulos
12/03/2020
REDAÇÃO
No início de 1958, o segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda, tinha a saúde debilitada, inspirando cuidados médicos constantes. Mesmo assim, ele se empenhou com o forte desejo de realizar uma cerimônia que servisse como um prelúdio do kosen-rufu, um preparativo para o futuro. Ele sabia que não mais teria condições para liderar o intenso movimento pela paz e, portanto, necessitava treinar os jovens com o intuito de fortalecê-los como seus sucessores na grande batalha humanística.
O momento certo se apresentou quando, após alguns encontros com o presidente Josei Toda, o primeiro-ministro do Japão manifestou o desejo de visitar o templo principal na peregrinação de 200 mil membros, que seria realizada pela Soka Gakkai. A data: 16 de março.
Confiança nos jovens
A cerimônia do Dia 16 de Março foi decidida no dia 8 daquele mês, e a convocação para os participantes, feita três dias depois. Para o jovem Daisaku Ikeda, a cerimônia era um teste. Além de cuidar de todos os detalhes, estava à frente do movimento de peregrinação diária de 7 mil membros durante todo o mês.
Para a viabilização da atividade, era preciso verificar o transporte, a comunicação rápida para os 6 mil jovens convocados, a organização da reunião e os acertos da recepção do primeiro-ministro e comitiva.
No dia a dia, o jovem Ikeda trabalhava pela manhã em Tóquio, viajava 130 quilômetros para se apresentar ao presidente Josei Toda e retornava à noite, viajando no trem noturno. Ele ainda respondia ao processo judicial do Incidente de Osaka sob a falsa acusação de violação da lei eleitoral. Devido à árdua rotina, o jovem estava exausto e todos ficaram receosos, pois achavam que ele poderia tombar a qualquer momento.
Em seu coração, no entanto, ardia o desejo de corresponder ao mestre. Assim, usava todas as forças para seguir com os companheiros, com uma atitude destemida capaz de transformar o ambiente dos preparativos, contagiando a todos.
A chegada dos jovens
A chuva gelada havia parado de cair na noite anterior à realização da cerimônia. Porém, de manhã, havia nuvens e o frio ainda era intenso.
Milhares de jovens de Tóquio, de Kansai e de diversas outras localidades do Japão chegaram em meio à madrugada. Cada grupo era recebido calorosamente pelos demais, o que aquecia o coração dos participantes.
Naquela manhã gelada, os jovens saborearam uma sopa de leitão, denominada tonjiru, preparada para eles. Havia quem experimentasse esse prato pela primeira vez. Enfim, todos compreenderam a solicitação de trazer tigela e hashi.1 Aquecidos pelo gesto carinhoso do presidente Josei Toda, os jovens trocavam abraços, apertos de mão, conversavam e sorriam juntos. Era uma alegre visão do triunfo futuro.
Cancelamento da visita do primeiro-ministro
Às 8 horas da manhã do dia 16 de março, 6 mil jovens reuniram-se em dois grandes blocos, formando um corredor. Todos estavam prontos para receber instruções relativas à visita do primeiro-ministro japonês, que participaria da cerimônia.
Ikeda e os líderes da Divisão dos Jovens (DJ) foram ao encontro de Toda sensei em seus aposentos no templo principal. Instantes depois, o telefone tocou; era o primeiro-ministro. Dentro do quarto, eles ouviram a voz vigorosa do presidente Josei Toda: “O que quer dizer com não poderá vir? Entende o que significa quebrar uma promessa? Seis mil jovens estão aguardando a sua vinda. São jovens de coração puro! Vai enganá-los?”. O primeiro-ministro disse que havia um problema diplomático e, por essa razão, não poderia ir, desculpando-se pela ausência.
Furioso, o Sr. Toda respondeu: “Não estou dizendo para pedir desculpas a mim. Deve se desculpar com os jovens! Como ficará a sincera dedicação deles, que se prepararam para se encontrar com o senhor?”.2
Durante a ligação, uma pessoa do templo, sem verificar se estavam usando o telefone, virou a chave que intercambiava a linha telefônica entre o lado do templo e o do prédio onde estava o presidente Josei Toda. Só existia uma linha telefônica que servia a ambos. Por isso, a ligação do primeiro-ministro caiu. Mais tarde, soube-se que o motivo da ausência era a intromissão de pessoas próximas e políticos do mesmo partido.
Após colocar o telefone no gancho, Josei Toda permaneceu calado por um tempo e depois disse: “Mesmo que ninguém venha, realizaremos uma grande cerimônia com os jovens!”.
Treinar em cada detalhe
O presidente Josei Toda afirmou: “Os jovens estão esperando. Pois bem, eu os incentivarei. Realizarei a cerimônia de transferência do bastão espiritual do kosen-rufu!”. Então, chamou o jovem Ikeda e iniciou os preparativos finais.
O discípulo conduziu o mestre até o local em que se encontrava a liteira. Ao vê-la, Toda sensei esbravejou com uma voz que parecia um trovão: “A liteira de onde Komei liderava foi algo pequeno, sendo carregada por duas pessoas na frente e duas atrás. Não se consegue lutar com algo tão grande assim!”. Essa rigorosidade era uma constante no mundo particular dos dois.
“Sensei, compreendi muito bem”, disse o jovem Ikeda. Então, o presidente Josei Toda respondeu de repente: “Compreendeu? Está bem!”. E, no mesmo instante, voltou a ter sua feição de alegria. Sorrindo, subiu na liteira.
Aquele instante foi uma obra-prima da unicidade de mestre e discípulo. Josei Toda tinha uma sensibilidade aguçada e sabia dos sentimentos do seu discípulo. O que mais queria era treiná-lo sobre cada detalhe até o último momento. Estavam em perfeita sintonia.
Da liteira, ele conduziu a cerimônia com toda a dignidade. Os rapazes que o carregavam irradiavam felicidade, e em sua fronte brilhavam douradas gotas de suor.
A programação da cerimônia
Às 12h40, o jovem Ikeda anunciava o início da reunião. Sua voz era tão firme, vibrante e cheia de determinação, que se expandia e parecia balançar as árvores em volta do auditório. A importância da cerimônia podia ser sentida por meio da voz do jovem Ikeda, que foi o mestre de cerimônia. Para os participantes, não importava a ausência do primeiro-ministro.
Daisaku Ikeda conduzia a reunião atento a cada movimento do seu mestre, que ficava totalmente tranquilo quando seu discípulo estava por perto.
O discurso de Josei Toda fechou a cerimônia: “A Soka Gakkai é a monarca do mundo religioso. Isso significa sermos o monarca do pensamento e o monarca da filosofia. E mais, é sermos o monarca das pessoas e o monarca da paz, que seguirá liderando a sociedade e o mundo. É também sermos o monarca da justiça e o monarca da vitória, que seguirão triunfando sobre tudo. Nós temos a missão de concretizar, de qualquer maneira, o kosen-rufu. E é justamente essa missão que eu quero confiar a vocês no dia de hoje. Deixo o futuro em suas mãos. Conto com vocês para realizar o kosen-rufu!”.3
Sobre esse discurso, o presidente Ikeda comenta: “Era um grito da vida de Toda sensei. Uma profunda emoção, como se um raio tivesse atravessado o coração de 6 mil jovens. Por alguns instantes, o ambiente foi tomado por um solene silêncio”.
A cerimônia encerrou-se por volta das 14h30. O presidente Josei Toda subiu novamente na liteira, e foi conduzido pelo jovem Ikeda. Os discípulos se concentraram novamente na frente do auditório para se despedir do mestre com uma grande salva de palmas. O Monte Fuji, que no período da manhã teve o cume encoberto pela névoa da primavera, abriu-se claramente. Após o término da reunião, Toda sensei disse: “Gostaria de percorrer todo o Japão nesta liteira construída sinceramente por vocês”.
Desde os preparativos até a conclusão da cerimônia do Dia 16 de Março, os jovens testemunharam a atuação conjunta de mestre e discípulo. A reunião foi um teste dado pelo mestre para a nova geração de discípulos. A atuação do jovem Daisaku Ikeda, que assumiu a responsabilidade por todo o evento, demonstrou, na prática, o que era ser o modelo de força jovem da Soka Gakkai. Sua atuação, inspirada na unicidade de mestre e discípulo, é o espírito imortal da nossa organização.
O legado de Josei Toda
Semanas depois, no dia 2 de abril, Toda sensei faleceu após encarregar seus discípulos do cumprimento do kosen-rufu. Em especial, o jovem Daisaku Ikeda dedicou-se incansavelmente para concretizar todos os ideais do seu mestre. Tornou-se, enfim, o terceiro presidente da Soka Gakkai no dia 3 de maio de 1960, dando continuidade ao grandioso legado de Josei Toda e propagando o budismo pelo mundo.
Sobre o Dia 16 de Março, o presidente Ikeda conclui: “Dezesseis de Março é o ‘eterno dia da verdadeira causa’, onde se levantam os discípulos. Para mim, todos os dias são a partida com um novo objetivo, e todos os dias são ‘16 de Março’. Cada dia é um dia de renovado juramento seigan. Cada dia é o ‘16 de Março!’ Seguindo o modelo do dia ‘16 de Março’, passei totalmente o bastão do espírito da Soka Gakkai aos jovens. Jovens que eu sempre amarei! Jovens em quem sempre confiarei! O século 21 é de vocês. Sua época chegou. Não tenho dúvidas de que sua época chegou.4
O desafio de preparar a sopa de leitão
Os jovens se emocionaram com o sentimento do mestre. No entanto, não imaginavam o significado por trás do preparo daquela sopa.
Antes de definir a programação da atividade, o presidente Josei Toda tomou uma série de providências, incentivando e visando o bem-estar de todos. A primeira delas foi oferecer uma sopa de leitão.
Alguém havia sugerido bolinhos de arroz. Porém, Toda sensei, citando uma obra chinesa sobre a estratégia dos generais, disse: “O necessário para os jovens que chegarão de madrugada é algo quente”.
Mesmo com o corpo fragilizado por causa do processo de cura da doença, o presidente Josei Toda se empenhou para tomar todas as providências e conseguir os ingredientes para a sopa.
A cozinha foi montada ao lado do prédio no qual ele liderava as atividades. Assim, acompanhou todo o preparo nos mínimos detalhes.
A liteira
Toda sensei pensou na sopa para seus discípulos. Por outro lado, o jovem Daisaku Ikeda se preocupou com a locomoção segura para seu mestre, em decorrência de sua dificuldade para andar. Foi preparada então uma liteira, na qual Josei Toda seria carregado pelos jovens até o local da cerimônia. A ideia de se construir a liteira surgiu da história do grande estrategista chinês Shokatsu Komei, que liderou a batalha de Gojoguen sentado sobre uma cadeira com quatro rodas.
Na tarde de 15 de março, a liteira ficou pronta. Ao vê-la, o jovem Ikeda afirmou: “É um tanto grande. Mas ficou bom”.
Em seguida, entrou no prédio onde estava o presidente Josei Toda para comunicá-lo que havia construído a liteira. Alguns líderes chegaram a rir por causa do seu tamanho, mas o jovem Daisaku Ikeda não se abalou.
Quando saiu do prédio, ele pagou as despesas da construção da liteira e disse aos jovens que a construíram: “Estou muito agradecido pelos seus esforços. Está tudo bem. Toda sensei subirá nela, sem falta. Afinal, foi construída com a sinceridade dos discípulos que pensaram nele”.
Notas:
1. Talheres orientais em forma de pauzinhos.
2. Terceira Civilização, ed. 511, 19 mar. 2011, p. 62.
3. Ibidem, p. 63.
4. Ibidem, p. 64.
Fonte:
Terceira Civilização, ed. 511, 19 mar. 2011, p. 60-64.
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