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Na prática

Justiça ou vingança?

A postura correta diante das provações

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15/09/2018

Justiça ou vingança?
Você já se sentiu injustiçado por algum motivo? Até mesmo pensou: “Não mereço passar por esta situação, por que comigo?”. No budismo, aprendemos que nada acontece por acaso. Tudo é fruto de uma profunda relação de causa e efeito, tanto coisas boas, como ruins. O que transforma nossas experiências em algo positivo ou negativo é nossa postura, e não os acontecimentos.

Nichiren Daishonin e seus discípulos de Atsuhara sofreram perseguições que atentaram inclusive contra a vida de três camponeses, os quais foram executados injustamente. No entanto, por perseverarem dia após dia na fé, esse episódio se tornou um marco histórico para o estabelecimento do “budismo do povo”. Como resultado, hoje milhões de pessoas têm a oportunidade de realizar a prática budista em todo o mundo.

Quando nos deparamos com uma dificuldade muito grande, podemos ser influenciados por pensamentos ou impulsos negativos que atuam como “funções maléficas” e nos fazem esquecer que existe uma razão para todas as coisas.

Por exemplo, ao acreditarmos que algo errado ou inapropriado acontece conosco, podemos pensar em justiça ou vingança. Mas, afinal, qual é a diferença entre ambas? Ao longo desta matéria, vamos explicar essa questão e entender que a ação de um bodisatva da terra é a maior ferramenta contra as injustiças da vida.

Uma pessoa de ação luta pelo que é correto

Testemunhar uma injustiça e não fazer nada é o mesmo que concordar com a situação. Uma pessoa que preza pela justiça deve, antes de tudo, ser uma pessoa de ação. Este é o exemplo que Victor Hugo (1802–1885), poeta, escritor e membro da Câmara Alta francesa, nos deixou.

Em sua obra, Os Miseráveis, ele lançou olhar sobre as pessoas que sofriam com a miséria na França. Na vida política, Hugo lutou para abolir a pena de morte e em­preen­deu uma oposição histórica contra o governante francês da época, Luís Napoleão (1808–1873). Mais tarde, mesmo exilado, continuou trabalhando em suas obras.

Num pedaço de papel, três dias antes de sua morte, Victor Hugo escreveu três palavras: “Amar é agir”. Esse simples bilhete é considerado o último registro do poeta. É como um resumo da obra de sua vida que foi construída com um incondicional espírito de compaixão pelo povo francês. Nesse sentido, segundo Hugo, “agir e amar” são sinônimos.

O presidente Ikeda afirma: “Também se pode resumir totalmente o espírito do budismo na palavra ação ou prática” (Brasil Seikyo, ed. 1.850, 8 jul. 2006, p. A5). O ímpeto, a inquietude e a compaixão de Hugo são características que podemos adotar durante a nossa prática budista para vencer as adversidades e injustiças.

Bodisatvas da terra transformam o carma em missão

Diariamente enfrentamos dificuldades e provações. É justamente na vida diária que travamos a verdadeira luta pela justiça. O caminho trilhado pelo bodisatva da terra para superar os desafios é agir com o espírito de “transformar o carma em missão”. Logo, por mais injusta que pareça ser a situação que esteja vivendo, o bodisatva da terra assume como protagonista em sua vida, em vez de se fazer de vítima, e entende que sua missão é transformar os sofrimentos em alegria.

O buda Shakyamuni deixou inúmeros ensinamentos, cada um adequado à sua época. Entretanto, o 15º capítulo “Emergindo da Terra” do Sutra do Lótus descreve o surgimento de incontáveis devotos chamados bodisatvas da terra que propagariam o verdadeiro ensinamento para os Últimos Dias da Lei.

Os bodisatvas da terra são pessoas que baseiam sua existência na Lei Mística do Myoho-renge-kyo. Isso significa que conduzem a sua vida com o objetivo de provocar uma onda de felicidade que transforma o mundo de desarmonia e caos numa terra onde “os seres vivem felizes e tranquilos” (CEND, v. I, p. 713). São pessoas de ação que escolheram passar pelas circunstâncias que enfrentam para comprovar a veracidade do budismo.

Ikeda sensei declara: “Ao descrever os bodisatvas da terra, o Sutra do Lótus afirma: ‘Sua mente não conhece o medo. Eles cultivam uma mente perseverante’” (TC, ed. 562, jun. 2015, p. 4).

Essa missão fomos nós mesmos que escolhemos — ao enxergarmos dessa forma, podemos entender que escolhemos passar pelos desafios que enfrentamos para aprimorar a fé, conforme consta no escrito As Perseguições ao Venerável: “Fortaleçam sua fé dia após dia e mês após mês. Se enfraquecerem em sua determinação, por pouco que seja, os demônios se aproveitarão” (CEND, v. II, p. 263) [veja mais detalhes no quadro acima].

Mesmo que não consiga entender isso completamente ou ache que é tarefa de pessoas mais fortes ou sábias, ao se exercitar na prática do daimoku diariamente, no estudo do budismo e realizar o shakubuku (propagação do budismo), que correspondem ao ato de “fortalecer a fé dia após dia”, essa compreensão naturalmente se evidenciará. Com essa postura, nos momentos cruciais manifestará sabedoria e coragem para evidenciar sua natureza como bodisatva da terra e vencer a todos os desafios.

O que significa “demônios se aproveitarão”?

No Budismo de Nichiren Daishonin, entendemos o termo “demônios” como “funções maléficas”. São fenômenos que acontecem em nossa vida para prejudicar nossa prática e impedir que avancemos no caminho para a iluminação. Não se trata de um personagem místico. É na realidade a própria dúvida na fé ou na dignidade da vida. São pensamentos norteados pela ignorância fundamental e escuridão fundamental à vida humana.

Ikeda sensei afirma: “Funções maléficas são essencialmente ‘ladrões de vida’ e ‘ladrões de benefícios’ (cf. CEND, v. I, p. 89). O segredo para dominá-las reside em possuir um coração ou espírito que se fortalece cada vez mais ‘dia após dia e mês após mês’ (CEND, v. II p. 263). Incessantes esforços para avançar na prática budista ativam o estado de buda” (TC, ed. 601, set. 2018, p. 58).

Lei de causa e efeito é a própria justiça

O budismo ensina a simultaneidade de causa e efeito (confira quadro abaixo). Para conquistarmos a iluminação, devemos recitar Nam-myoho-renge-kyo e propagar este ensinamento para outras pessoas.

Porém, houve personagens na história do budismo que praticaram ações contra o movimento de propagação. Sammi-bo é um desses exemplos. Ele era muito erudito. No entanto, era arrogante e tinha grande desejo por reconhecimento e posição. Daishonin o advertiu sobre essa questão em diversas ocasiões.

Durante a Perseguição de Atsuhara, na qual os discípulos de Nichiren Daishonin foram perseguidos e três deles foram decapitados por não abandonarem a fé na Lei Mística, Sammi-bo se voltou contra Daishonin e seus defensores, em vez de lutar pelo que é correto. Ao final, ele teve uma morte trágica e prematura.

Em contrapartida, há história de inúmeros discípulos que superaram as perseguições e usufruíram de benefícios como saúde, desenvolvimento financeiro e fortalecimento de seu espírito. A causa para isso foi permanecer firme na prática da fé para cultivar esperança e coragem. A lei de causa e efeito é a própria manifestação da justiça, pois é igualmente rigorosa para todos.

Causalidade da Lei Mística

Renge de Nam-myoho-renge-kyo significa “flor de lótus” cujo fruto é produzido ao mesmo tempo em que a flor desabrocha. Ela simboliza a simultaneidade de causa e efeito [causalidade da Lei Mística], que se contrapõe à “lei geral de causa e efeito”. Esta última não é a lei do Budismo Nichiren, pois segundo ela, há um intervalo de tempo que separa a causa do efeito.

A respeito desse tópico, o presidente Ikeda orienta: “[Nichiren Daishonin] diz que o seu budismo não se baseia nessa causalidade geral. (...) Mesmo que neste momento estejamos sofrendo devido a alguma retribuição cármica, se nos basearmos na causalidade da Lei Mística, manifestaremos imediatamente o estado de buda. Isso quer dizer que só transformamos realmente nosso carma por meio da Lei Mística da simultaneidade de causa e efeito” (TC, ed. 502, jun. 2010, p. 50-51).

Justiça versus vingança

Para muitos, as palavras “justiça e vingança” podem se confundir, mas a grande diferença é que a justiça é definida por uma ética fundamental. Ela é usada para manter a ordem na sociedade visando o bem comum, mesmo que seja necessário o uso de medidas punitivas, enquanto a vingança é o desejo de prejudicar alguém para satisfação própria, que pode trazer falsa sensação de justiça.

A justiça é representada por uma estátua com olhos vendados, uma espada em uma mão e uma balança na outra. É um símbolo que sugere sua imparcialidade. A balança representa o discernimento para avaliar as provas apresentadas, e a espada, o poder da decisão.

Budismo, o ensinamento da justiça

Mesmo quando achamos que não é justo passar pelas adversidades, é importante enfrentá-las bradando: “Sou um bodisatva da terra, portanto estes desafios estão surgindo justamente para eu vencer”. Não há vitória sem luta, e não há luta sem ação.

O presidente Ikeda afirma que “A pessoa que mais sofre tem o direito de se tornar mais feliz” (Brasil Seikyo, ed. 2.318, 9 abr. 2016, p. B2). O primeiro passo para vencer os desafios da vida é levantar-se com coragem na recitação do Nam-myoho-renge-kyo, sem dar vazão para ser dominado pela maldade da dúvida e da ignorância. Dessa maneira, seremos capazes de encarar os sofrimentos como a causa para a verdadeira felicidade.

Podemos buscar no budismo a fonte de alegria e coragem para assumir o papel de personagem principal da nossa própria história. Portanto, o maior ato de justiça diante de qualquer adversidade é a realização do shakubuku, ou seja, empoderar as pessoas por meio do ensinamento do budismo.

Pela perspectiva da causalidade da Lei Mística, dessa maneira é possível manifestar a própria iluminação e ainda ajudar outra pessoa a fazer o mesmo, sem prejudicar os demais (ato de vingança), tornando-se uma pessoa de justiça.

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