Na prática
TC
Cultive o espírito de jamais desistir
01/12/2022
Estamos findando o “Ano dos Jovens e do Progresso Dinâmico”, ciclo repleto de acontecimentos marcantes que, certamente, num futuro próximo, estarão contidos nos livros didáticos sobre a história moderna. Entre eles, o conflito militar no Leste Europeu fez a humanidade ressuscitar tempos sombrios das grandes guerras mundiais. Em contrapartida, após dois anos de pandemia da Covid-19, com o avanço da vacinação em todo o mundo — quase 70% da população mundial recebeu pelo menos uma dose da vacina1 contra a doença —, as atividades cotidianas presenciais voltaram com força renovada, fator importante para o equilíbrio da saúde emocional da sociedade pós-período de isolamento físico.
No âmbito individual, com certeza, os desafios também emergiram para todos. E cada momento de superação, de persistência, de manter o ânimo altivo diante das intempéries foi um pequeno tijolo disposto na construção de uma fortaleza na vida particular.
Pode ser que os objetivos traçados para 2022 não tenham sido conquistados em sua totalidade. Contudo, o mês conclusivo do ano é o momento de analisar quanto foi possível avançar em nossas metas e, dentre aquelas que o progresso não está a contento, reajustar as rotas e tomar novo fôlego para dar continuidade a elas.
Para colaborar com esse momento, a seção Na Prática da edição apresentará os conceitos de “vitória” da perspectiva budista e do “espírito de jamais desistir”, mostrando os caminhos para que todos empreendam constante desenvolvimento e aprendizado.
Coragem para encarar o desafio
Podemos exemplificar o tema “conceito de vitória ou derrota no budismo” com a construção de uma grande fortaleza — objetivo a que aspiramos lá atrás, seja ele qual for, no início do ano.
A fim de alcançarmos determinado objetivo ou sonho, algumas etapas são fundamentais: definir metas; estruturar as ações; dar os primeiros passos; acompanhar a evolução; alterar a rota sempre que necessário. Aqui, elencamos algumas fases de ideação, prospecção e execução.
Por exemplo: desejamos ler mensalmente um livro ao longo do ano — fase da ideação; verificar se esse plano é possível de ser alcançado, se sim, quantas páginas diárias precisamos ler para concluir a obra ao final do mês — fase da prospecção; e, por fim, iniciar efetivamente a leitura — estágio da execução.
Digamos que cada etapa concluída ao longo do processo foi um tijolo posto com muita dedicação para a conclusão do objetivo [término da edificação da fortaleza]. Além disso, ultrapassar situações adversas como a incerteza da própria capacidade e outros contratempos também são fatos considerados “tijolos da construção”.
O processo incansável de dedicar quanto tempo for necessário, mesmo que o cenário pareça desfavorável, para a consecução de um propósito lançado é a essência da vitória pela ótica do budismo — ou seja, o “espírito invencível de nunca desistir”. O presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, diz:
Não ser derrotado significa ter coragem para encarar o desafio. Não importando quantas vezes sejamos derrubados, o importante é continuarmos nos levantando e dando um passo — ou mesmo meio passo — adiante. (...). Essa força intrépida, esse espírito invencível, é a essência do Budismo Nichiren.2
A seguir, apresentaremos uma perspectiva acadêmica que corrobora a asseveração de Ikeda sensei.
Resistir reconhecer e retornar
Integrantes do Departamento de Psicologia da Universidade de Wisconsin-Madison e do Departamento de Psicologia e Neurociência da Universidade Duke, nos Estados Unidos, são autores de uma pesquisa que elucida o processo e as causas da persistência nos objetivos do dia a dia.3
Os pesquisadores defendem que o estudo consiste em três processos: resistir ao desejo de desistir, reconhecer oportunidades para a busca [do objetivo], e retornar ao encalço do propósito. Os amplos fatores que ajudam e prejudicam a persistência podem ser organizados dentro desses componentes.
Para os pesquisadores, o primeiro elemento da persistência é resistir à vontade de desistir. Isso significa que as pessoas podem até desistir de determinado episódio da busca pelo alvo, mas permanecem comprometidas com a meta. Por exemplo, na proposta de leitura mensal de livros, elas podem deixar de ler um dia ou outro, porém não desistem do objetivo maior [ler um livro por mês].
O segundo e terceiro componentes da persistência são reconhecer e retornar. O estudo define “reconhecer” como “estar ciente de uma oportunidade atual ou futura da busca pelo intento”, e “retornar” como o “aproveitamento de uma oportunidade de perseguição” — a ação efetiva de voltar a se engajar na busca pelo objetivo.
Voltando ao exemplo da leitura, uma pessoa com o intuito de ler um livro por mês pode não ter planos maiores que a meta diária estipulada. No entanto, um evento abre a possibilidade de se engajar mais naquela leitura. Todavia, ela não “reconhece” essa chance e preenche o tempo com outras atividades.
Em contraste com as falhas no reconhecimento, as falhas no retorno são muitas vezes perceptíveis. Retornar à busca dos objetivos envolve fatores motivacionais. No caso da leitura, ao ficar por um período afastado dos livros, por conta de uma nova rotina ou situações que fogem ao controle, o ato de manter o ânimo do “retorno” ao intento requer boa dose de determinação.
Veremos, a seguir, o relato de um maratonista Afegão. Mesmo chegando à linha de cruzada depois de mais de uma hora do penúltimo colocado, ele não desistiu em finalizar a corrida.
Não perder de vista os objetivos
O jornal estadunidense The Washington Post, da edição de 4 de agosto de 1996, retrata o momento memorável.4
Nenhum finalista em último lugar em uma maratona já foi recebido de forma mais majestosa. E ninguém provavelmente terminou tão por último. A banda tocou uma fanfarra quando A Baser Wasiqi do Afeganistão entrou no Estádio Olímpico quase quatro horas e meia depois que ele começou o evento na manhã daquele dia.
Ele terminou em 111o de cento e onze que completaram a corrida. O corredor número cento e dez estava cerca de uma hora e meia à frente dele.
“Ele andou bastante, mas correu até a linha de chegada”, disse Jennifer Jordan, coordenadora de comunicações do local da maratona.
O estádio foi fechado muito antes de Wasiqi terminar, enquanto as equipes se preparavam para a cerimônia de encerramento no dia seguinte. Mas os voluntários da maratona estavam certos de que Wasiqi terminaria a corrida no estádio.
É disso que se trata o espírito olímpico, disse Jordan.
Funcionários do estádio consentiram em deixar Wasiqi entrar.
“Eles rolaram um tapete no túnel”, disse Jordan.
Um dos coordenadores do setor correu até a banda, que estava ensaiando para a cerimônia de encerramento, e pediu que tocassem alguma canção.
Dois outros trabalhadores arrancaram uma fita da linha de chegada e a seguraram para que Wasiqi pudesse rompê-la ao término da corrida.
“Foi uma das experiências mais interessantes que tivemos”, disse Jordan, “porque é disso que se trata as Olimpíadas — o espírito de competição.”
No diálogo entre o presidente Ikeda e os líderes da Divisão dos Estudantes da Soka Gakkai, é relembrada a história de A Baser Wasiqi, atleta do Afeganistão.
O último corredor a cruzar a linha de chegada da maratona masculina dos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) foi um estudante do Afeganistão. Seu objetivo não era chegar em primeiro ou em segundo lugar; era estar em Atlanta e correr. “Eu corro pelo Afeganistão. Eu represento meu país para mostrar que o Afeganistão está vivo, que não morremos em dezesseis anos de guerra civil”, disse ele.5
O espírito do jovem afegão de representar altivamente seu país e, acima de tudo, finalizar de maneira honrosa aquela maratona, representa o “espírito de jamais desistir” ensinado no budismo. Sem dúvida, o longo desafio de chegar à prova foram os “tijolos” do treino, da persistência, da incerteza e diversos outros “tijolos de superação” dispostos lado a lado até a edificação daquele objetivo — a alegria extasiante de concluir a corrida.
Agir com determinação ainda mais forte
Além da sugestão de aplicar o modelo resistência-reconhecimento-retorno e se inspirar com a história de Wasiqi, para os praticantes do Budismo Nichiren, o fator determinante para se manter resolutos na busca de suas aspirações é a prática budista. Nosso mestre orienta:
Com certeza, haverá ocasiões em que o nosso progresso estagnará. É nessa hora que devemos recitar daimoku e agir com determinação ainda mais forte. Ao fazer isso, infalivelmente cultivamos um estado de vida mais amplo e conseguimos avançar mais uma vez. Repetir continuamente esse processo constitui o âmago da prática budista.
A vitória é definida pelo fato de vencer ou perder essa luta que você trava consigo mesmo, contra a estagnação e contra as funções da maldade.
Aqueles que negligenciam essa luta feroz e implacável contra suas fraquezas internas já estão na rota do declínio.6
A prática contínua do budismo acende a luz da sabedoria e faz resplandecer o brilho da determinação no nosso coração. Quando está aliada às orientações dos mestres e aos incentivos dos amigos da organização local, ela nos inspira e nos encoraja nos momentos de grande impasse.
Mais um passo à frente
Ao longo da matéria, além dos exemplos de superação, aprendemos que os ensinamentos do budismo nos orientam de modo efetivo a manter o “espírito invencível de nunca desistir”. Mesmo que o cenário pareça adverso, precisamos infalivelmente ir em busca da concretização das nossas aspirações. Refletirmos, mudarmos a rota ou mesmo ressignificarmos o objetivo lançado fazem parte do processo. Cairmos e levantarmo-nos novamente também constituem uma realidade na busca da vitória. Assim como o presidente Ikeda diz, independentemente do quão distante pareça estar do desejo almejado ou da intensidade do revés sofrido durante o percurso, é imprescindível revigorar-se com a prática budista para seguir em frente:
Nichiren Daishonin nos garante que mesmo aqueles que estão lutando contra doenças causadas pelo carma podem superá-las por meio da recitação do Nam-myoho-renge-kyo. Na verdade, enfrentar tal desafio constitui uma oportunidade para conquistar os vastos e ilimitados benefícios da Lei Mística.
Daishonin cita as palavras do grande mestre Miaole, ou Jingxi: “É como uma pessoa que cai ao chão, mas impulsiona a si própria a partir desse mesmo chão para pôr-se em pé”.7,8
Para finalizar, trazemos um inspirador poema do Mestre para que, a cada dia, um “tijolo da superação” seja disposto e, ao final, uma majestosa fortaleza chamada “vitória” seja exaltada com muita alegria e felicidade:
Crie valor agora e onde está.
Avançar, sempre avançar,
sem interrupção,
mais um passo à frente —
assim é uma pessoa vitoriosa.
O “eu” de hoje,
melhor que o de ontem;
amanhã, melhor que o de hoje.
Vejam como estarei amanhã —
são assim as “pessoas de avanço”
que sobrevivem
e escalam até o fim
a grande montanha da vida.9
No topo: Ilustração de casa com tijolos e projetos de construção civil ao lado. Foto: Getty Images.
Notas:
1. Disponível em: https://ourworldindata.org/covid-vaccinations Acesso em: 31 out. 2002.
2. Brasil Seikyo, ed. 2.441, 27 out. 2018, p. B1.
3. Disponível em: https://psyarxiv.com/b8pxq/ Acesso em: 31 out. 2022.
4. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/wp-srv/sports/olympics/daily/track/aug/04/last.htm Acesso em: 31 out. 2022.
5. IKEDA, Daisaku. Juventude Sonhos e Esperança. v. 1. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2015. p. 16.
6. IKEDA, Daisaku. Coragem. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2019. p. 80.
7. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, p. 660.
8. Terceira Civilização, ed. 652, dez. 2022, p. 57.
9. Brasil Seikyo, ed. 2.273, 25 abr. 2015, p. B1.
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