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Na prática

Entenda o conceito budista da “purificação dos seis órgãos dos sentidos”

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Redação

01/02/2024

Entenda o conceito budista da “purificação dos seis órgãos dos sentidos”

Em dias de calor abrasador de verão, contemplar o céu azul e sentir a brisa refrescante do mar, de fato, podem se transformar numa sensação muito agradável. Do mesmo modo, ouvir o cantarolar de um belo pássaro ou saborear uma nova refeição resultam em experiências singulares. Sabe-se que as pessoas recebem referências sobre o ambiente exterior a partir dos sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. A mente como sexto elemento dos sentidos decodifica esses estímulos do ambiente interagindo com ele.

O budismo é a filosofia que nos leva a perceber e compreender o mundo de maneira mais profunda, cristalina e transformadora. Para saber mais, a seção Na Prática apresenta o conceito da “purificação dos seis órgãos dos sentidos”.

Instrumentos de conhecimento de mundo

Antes de explorarmos a importância da purificação dos sentidos, primeiro precisamos compreender a influência deles em nossa vida. Podemos considerá-los — visão, audição, olfato, paladar, tato e mente — como “portais” que nos conectam ao mundo e moldam nossa percepção. É possível que, ao nos deparar com as referências sensoriais logo no início do texto, a mente tenha remontado vivências passadas bem próximas das descritas. Esse é poder da mente.1 Nichiren Daishonin diz que o “benefício” surge da “purificação dos seis órgãos dos sentidos”. A purificação dos seis sentidos (...) é a purificação da própria vida. Em outras palavras, significa realizar nossa revolução humana e mudar o destino.2

Cada um dos seis órgãos dos sentidos (olhos, orelhas, nariz, língua e pele) possui suas respectivas características: cor e forma, som, odor, sabor, textura. Da mesma forma, diz-se que os seis órgãos dos sentidos são controlados pelas seis consciências (visão, audição, olfato, paladar, tato e pensamento).3

Marina Ramos Neves de Castro, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), estuda a antropologia dos sentidos e a etnografia sensorial. Ela explica que, em uma de suas definições, os sentidos podem ser vistos como “instrumentos de conhecimento de mundo”, mas que podem ser “precários e, por vezes, enganadores” sem “a mediação de uma operação de raciocínio”.4 Nesse sentido, observa-se a ideia de que nossa percepção é um método de produção de conhecimento e cultura por meio da qual interpretamos o mundo ao nosso redor.

Ao nos permitir perceber e interagir com o mundo à nossa volta, esses sentidos, quando estão obstruídos pelas impurezas do coração e da mente, nos tornam vulneráveis aos impulsos negativos — os quais levam as pessoas a agir de maneira egoísta ou meramente passiva —, resultando em ações prejudiciais a nós próprios e aos outros. Como na figura ilustrativa do começo da matéria, mesmo com céu azulado e límpido, a pessoa presa a esses impulsos negativos poderia reclamar da falta de chuva para aliviar o calor intenso, e esse ruído seria capaz de interferir no “ânimo” daqueles ao seu redor.

Portanto, conforme observado pela pesquisadora, os sentidos são instrumentos de conhecimentos de mundo, mas podem ser precários. A purificação se torna ainda mais importante, sendo requisito fundamental para alcançar a plena consciência da felicidade e a compreensão da vida ao perceber os eventos cotidianos com elevado estado interior.

Entendendo cada um deles

Como alcançar a purificação dos sentidos? O caminho está pavimentado nas práticas fundamentais do budismo, ou seja, na fé, na prática e no estudo. A recitação do daimoku nos permite acalmar a mente e observar nossos pensamentos e emoções, enquanto os escritos de Nichiren Daishonin e as orientações do presidente Ikeda proporcionam uma base teórica sólida para a compreensão da natureza da vida e para a conquista da felicidade genuína.

Analisemos agora os sentidos individualmente.

Ikeda sensei nos orienta que a “purificação da visão” é a capacidade de discernir o caminho para a felicidade para si e para os outros. Em um diálogo, ele diz: “Quando a pessoa possui um forte espírito de benevolência, é capaz de compreender as preocupações e dificuldades que outros experimentam, assim como um excelente médico pode diagnosticar imediatamente a causa de uma doença”.5

O budismo nos capacita a compreender o coração de outra pessoa e a entender por completo como ele age.

Não é fácil, mas um líder budista deve ter a capacidade de perceber habilmente os princípios ocultos ou as funções do coração como se fosse um radar (...). Quando estamos entre as pessoas e propagamos o ensinamento com coragem, recebemos o benefício da purificação da visão e conseguimos desenvolver a visão da sabedoria. (...) Na vida diária, precisamos ter condições de ver com clareza a melhor direção a seguir. (...) Podemos discernir o supremo caminho para nossa vida. Desenvolvemos também o discernimento em relação ao futuro de nossa família, da comunidade e da sociedade.6

O presidente Ikeda explica que “purificar a audição” “é a capacidade de distinguir a condição de vida de uma pessoa com base nos sons de sua voz”, assim como purificar o olfato “se trata da capacidade de distinguir com clareza todos os aromas” para “detectar a fragrância do coração, que é única para cada pessoa”. A purificação do paladar pode ser ilustrada pelo desenvolvimento da capacidade de explanação dessa pessoa, “de tal forma que leve alegria aos ouvintes” a fim de “se tornar um mestre do diálogo”.7

Já o tato é “a capacidade de discernir a tendência de vida das pessoas no momento em que as encontra. Corresponde a uma presença que deixa as pessoas alegres e renovadas”. E a purificação da mente é “a capacidade de compreender ensinamentos infinitos e ilimitados a partir de um único verso ou frase”.8

Assim, no budismo, a purificação dos sentidos é vista como uma ferramenta essencial para alcançar essa plenitude, e a busca da felicidade é um objetivo universal que transcende fronteiras culturais e religiosas — em termos modernos, realizar a revolução humana.

Podemos afirmar que esse processo é um empreendimento que demanda paciência e perseverança. No entanto, os benefícios são inestimáveis. Ao purificar os sentidos, é possível enxergar o belo, mesmo em meio às adversidades. Com isso, as pessoas se habilitam a tomar decisões sábias e a agir com compaixão e altruísmo, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e harmoniosa.

Princípio na prática

Para ilustrar o conceito, consideremos o exemplo de uma pessoa que sempre foi impulsiva. No entanto, à medida que a recitação do daimoku se tornou frequente, bem como o aprimoramento nos caminhos da fé, da prática e do estudo, essa pessoa começou a enxergar as próprias fraquezas e limitações, a romper a concha do “egoísmo” e a compreender as demais pessoas com vasta condição de vida. Por isso, o processo demanda paciência e perseverança.

Ao longo do seu desenvolvimento como ser humano, a visão de mundo dessa pessoa ficou mais clara, compassiva e altruísta. Ela se torna ativa em sua vida cotidiana, e sua influência positiva se espalha para aqueles ao seu redor, inspirando outros a seguir o mesmo caminho.

Com esse exemplo, observamos que a purificação dos sentidos não se limita ao benefício individual. Ela tem um impacto profundo na sociedade, e indivíduos com essa visão contribuem para a edificação de um mundo melhor. Quando muitas pessoas exercitam esse aprimoramento, o qual também chamamos de revolução humana, o efeito cumulativo é poderoso. Uma sociedade composta por pessoas com essas qualidades é capaz de enfrentar desafios de forma ainda mais construtiva.

Acolher o mundo exterior a partir da realidade interior

Como vimos ao longo do texto, quando nossa vida esta na órbita da prática budista, isto é, na dedicação contínua à recitação de gongyo e daimoku, no contato constante com as pessoas da organização de sinceridade na fé, na aplicação da leitura e do estudo dos ensinamentos budistas, nossa aptidão mental e perceptual dos fatos da vida mudam radicalmente. Então, purificamos nossa própria vida, pois passamos a enxergar, ouvir, sentir e se comunicar com profunda benevolência e humanidade conosco e com as pessoas ao redor. Arrematamos a matéria com uma exposição do presidente Ikeda, que sintetiza os pontos apresentados sobre o conceito:

O Budismo Nichiren é um ensinamento que propicia às pessoas a força para experimentar uma inacreditável energia surgindo em sua vida. Portanto, uma pessoa que possui uma sólida fé na Lei Mística é a mais forte e a mais feliz de todas. (...)
A felicidade é determinada pela relação entre o ambiente, ou o mundo externo, e nossa energia vital. Uma pessoa controlada por um ambiente negativo está sofrendo. Ao contrário, uma pessoa que se encontra numa situação difícil, mas é capaz de controlar e modificar o ambiente, é feliz.9

Em última análise, a purificação dos sentidos é um lembrete de que todos nós temos o potencial de acolher o mundo exterior a partir da realidade interior, e, como praticantes budistas, sempre de modo elevado. Esse entendimento posto em execução é o benefício fundamental da prática da fé.

Assim, desejamos que possa continuar a trilhar esse caminho com paciência e determinação, almejando não apenas a própria iluminação, mas também a iluminação do mundo à sua volta, ecoando sempre o olhar compassivo, o abraço afetuoso e a voz encorajadora.

No topo: Abraço caloroso entre membros da BSGI (São Paulo, 1o jan. 2018) Foto: BS

Notas:

1. Para saber mais sobre o tema, leia Terceira Civilização, ed. 662, out. 2023, p. 24.

2. Cf. Brasil Seikyo, ed. 1.525, 25 set. 1999, p. A3.

3. Brasil Seikyo, ed. 1.530, 6 nov. 1999, p. A3.

4. Disponível em: https://doi.org/10.11606/1678-9857.ra.2021.186657. Acesso em: 16 jan. 2024.

5. Brasil Seikyo, ed. 1.530, 6 nov. 1999, p. A3.

6. Cf. Ibidem.

7. Cf. Brasil Seikyo, ed. 1.531, 13 nov. 1999, p. A3.

8. Ibidem.

9. Brasil Seikyo, ed. 1.530, 6 nov. 1999, p. A3.

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