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Vida - Princípios budistas no dia a dia

Buda e Deus

A existência de Deus do ponto de vista do Budismo de Nichiren Daishonin

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Redação

09/11/2023

Buda e Deus

Quando conhecem o Budismo de Nichiren Daishonin, muitas pessoas ficam curiosas quanto à prática e aos princípios da filosofia budista. Uma das dúvidas mais comuns é com relação ao conceito de Deus. Algumas perguntam: “Existe Deus no budismo?”, “Vocês acreditam em Deus?” ou “Como o budismo define a existência de Deus?”.

Para as religiões judaico-cristãs, por exemplo, uma das definições de Deus é a de um “ente eterno e sobrenatural cuja existência se dá por si mesmo; a razão necessária e o fim de tudo aquilo que existe”.1 Mas o que o budismo entende por Deus?

Transformação da vida

O budismo teve origem na Índia com Shakyamuni, centenas de anos antes do estabelecimento do cristianismo. Com a expansão das religiões, o cristianismo se difundiu focado na crença de um Deus onipotente, onipresente e externo às pessoas.

Shakyamuni teve o legado de seus ensinamentos exposto nos 28 capítulos do Sutra do Lótus. No Japão do século 13, ao estudar os ensinamentos desse sutra, Nichiren Daishonin revelou que sua essência está contida no próprio título: Nam-myoho-renge-kyo. Na época, o povo japonês passava por sofrimentos decorrentes de invasões e ataques dos mongóis, e também com epidemias e desastres naturais como terremotos, inundações, secas prolongadas e maremotos. Sentindo a angústia do povo, Nichiren Daishonin revelou o Nam-myoho-renge-kyo para que todas as pessoas enfrentassem e vencessem as dificuldades que estavam vivendo.

O que é Nam-myoho-renge-kyo?

Ele se manifesta no universo, nas estações do ano, nos elementos da Terra, nos animais, nos vegetais, nos seres humanos. É a essência real de todos os fenômenos. Em uma definição simples, pode-se dizer que significa “vida”, porém em sua essência, em um nível elevado e iluminado conhecido como estado de buda.

Buda não é alguém a quem devemos pedir algo em oração, e sim uma condição de vida presente no interior de todas as pessoas. A recitação contínua do Nam-myoho-renge-kyo é denominada daimoku e faz com que o estado de buda se manifeste na forma de ilimitada coragem, compaixão e sabedoria. Ao recitar daimoku, qualquer pessoa eleva sua condição de vida, “olha” para dentro de si e inicia um processo de mudança interior que transforma a fraqueza em força, medo em coragem e em compaixão, angústia em esperança, e escuridão em sabedoria. Com base nessa transformação, abre-se um novo caminho em direção à felicidade, assim como afirma o presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), Dr. Daisaku Ikeda:

Recitar daimoku nos capacita a construir um estado de felicidade absoluta em que estar vivo é em si uma alegria. Se continuarmos sempre essa recitação, não importa o que aconteça, desfrutaremos completa paz de espírito.2

Então, ao revelar o nome Nam-myoho-renge-kyo, Nichiren Daishonin fez com que o budismo retornasse à sua origem de empoderamento individual e social, possibilitando a cada pessoa tornar-se feliz exatamente como é, sem a necessidade de basear sua felicidade em um ser externo ou numa intervenção divina.

Concluindo, no Budismo de Nichiren Daishonin, Buda não tem o mesmo significado de Deus. É uma condição de vida inerente a cada pessoa e que pode ser manifestada com a recitação do Nam-myoho-renge-kyo. Da mesma forma, o Gohonzon também não é Deus, e sim o objeto de devoção do Budismo Nichiren diante do qual concentramos nosso pensamento na Lei universal do Nam-myoho-renge-kyo e fazemos com que ela se evidencie profundamente em nossa vida.

Colhemos o que plantamos

Segundo os ensinamentos budistas, tudo na vida é regido pela lei de causa e efeito existente no universo. Os sofrimentos e a felicidade existem na vida de cada pessoa e se manifestarão de acordo com a força positiva ou negativa que cada um carrega. Se a força negativa for mais poderosa — criada pelas causas negativas acumuladas —, a tendência é que a pessoa viva em sofrimento. Do contrário, se a positiva for mais forte — gerada pelas causas positivas feitas pela própria pessoa —, ela será feliz. A Lei que rege o universo não é punitiva. Cada pessoa colhe o que plantou, ou seja, os frutos das causas que criou.

Diálogo e respeito

Um aspecto importante para as religiões é o respeito mútuo. Desconsiderar a existência de Deus para um cristão por sermos budistas é desrespeitar a pessoa e sua fé.

Em seu romance Nova Revolução Humana, o presidente Ikeda salienta:

Para criar uma era de paz é imprescindível o diálogo entre os religiosos. Isso se tornará uma questão crucial no futuro. É preciso iniciar o diálogo entre budistas e cristãos, budistas e judeus, budistas e islamitas. Mesmo que as convicções religiosas sejam diferentes, creio que todos acalentam o ideal comum de paz e felicidade da humanidade. O ponto básico é o ser humano, e aí se encontra a chave da harmonia da humanidade. Penso que as religiões, em vez de guerrearem entre si, deveriam disputar a corrida para o bem. (...) A corrida para o bem significa uma disputa entre as religiões no contexto do que estão fazendo para o bem da paz, para o bem da humanidade. É uma corrida humanitária (...) que conduz a si mesmo e aos outros para a felicidade. Isso pode ser disputado de várias formas. Por exemplo, no aprimoramento de excelentes jovens de grande valor e humanistas que contribuem para a paz do mundo ou na promoção de movimentos que proporcionem coragem e esperança às pessoas.3

Com base nesses pontos, vamos estudar o budismo para que possamos defender nossa fé convictamente, sem, no entanto, desrespeitar a fé das outras pessoas.

Autoaprimoramento constante

Por fim, com o estudo e a prática do Budismo de Nichiren Daishonin, aprendemos a nos aprimorar como autênticos seres humanos, tornando-nos pessoas indispensáveis e que influenciam na transformação das condições e circunstâncias ao nosso redor por meio de uma dedicação assídua visando ao kosen-rufu. Porém, esse autoaprimoramento e seus benefícios decorrentes não “caem do céu”. O presidente Ikeda orienta:

Apesar de afirmarmos que “as orações são respondidas” no Budismo de Nichiren Daishonin, a concretização de nossas orações não é algo mágico ou oculto. (...) Assim como existem leis físicas tais como as que controlam a eletricidade, que os seres humanos habilidosamente descobriram como fazer uso, o budismo investigou e revelou a Lei da vida e do universo. Assim como a luz elétrica foi inventada baseada nas leis da eletricidade, Nichiren Daishonin inscreveu o Gohonzon para nós com base na suprema Lei do budismo.4

Fontes:

Brasil Seikyo, ed. 1.565, 22 jul. 2000, p. C1.

Idem, ed. 1.605, 26 maio 2000, p. A2.

Idem, ed. 2.286, 8 ago. 2015, p. A8.

Notas:

1. Disponível em: https://www.dicio.com.br/deus/ . Acesso em: 8 nov. 2023.

2. Terceira Civilização, ed. 539, jul. 2013, p. 30.

3. IKEDA, Daisaku. Alegria. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 5, p. 105-106, 2019.

4. Brasil Seikyo, ed. 1.516, 24 jul. 1999, p. 3.


*** 

Iluminar o mundo

Brasil Seikyo conversou com Wilson Ferreira da Silva, responsável pelo Núcleo de Estudos Filosóficos e Religiosos (Nefir) da BSGI sobre a importância de uma filosofia de vida.

Brasil Seikyo: Olá, Wilson! Obrigado por nos receber. O que é o Nefir, quais são seus objetivos e de que forma atua?

Wilson: Sou eu que agradeço. Como um núcleo da Coordenadoria Cultural da BSGI, o Nefir foi criado em fevereiro de 2004 com a denominação Núcleo de Estudo de Religiões (NER), assumindo ao longo de sua atuação aquilo que se tornou mais tarde nosso lema: “Iluminar o estudo da filosofia e da religião com o farol da cultura Soka”.

Em nossos encontros, procuramos utilizar os diversos olhares do pensamento humano a fim de criar ondas de diálogos que aproximem o pensamento religioso e filosófico do Budismo Nichiren, como um grande aprendizado para todos os participantes.

Dessa forma, os integrantes do Nefir têm produzido reflexões e eventos, apoiando as organizações da BSGI na propagação do budismo (shakubuku), por exemplo, disponibilizando pesquisas e participando de palestras e de diálogos sobre diversos temas da humanidade e da vida diária das pessoas.


BS: Qual a importância de uma filosofia de vida para a felicidade das pessoas?

Wilson: Todos nós, seres humanos, independentemente da cultura à qual pertencemos, queremos saber a “verdade”, isto é, a real natureza das coisas ou de nós mesmos: “O que é o mundo?”, “Qual é o sentido da vida?”, “O que significa a morte?”, “Quem sou eu?”. Essas indagações nunca cessam, e quanto mais procuramos saber, mais perguntas surgem. Normalmente, são experiências e ideias subjetivas, pautadas nas emoções, nas paixões individuais, baseadas no ponto de vista do sujeito, portanto, influenciadas por seus interesses e desejos particulares.

Sem dúvida, a vida é um grande enigma a ser decifrado, conforme o presidente Ikeda expõe de forma ampla e profunda em seu livro Vida — Um Enigma, uma Joia Preciosa. Nessa busca pela “verdade”, deparamos com o auxílio da religião, da ciência ou da filosofia, cada qual seguindo os próprios conceitos, propondo uma visão de mundo particular, algumas vezes com percepções semelhantes, outras vezes antagônicas.

Cada pessoa tem o livre arbítrio para se utilizar ou não dessas áreas do pensamento humano para sua felicidade e das demais pessoas. Todos nós possuímos valores próprios ou assimilados que determinam nossas ações. Quanto mais elevados e universais forem esses valores, maior a tendência de que reflitam de forma positiva em nossa vida. E esse processo é um exercício constante, uma evolução.

BS: Que reflexos a filosofia humanística abraçada pelos membros da Soka Gakkai pode trazer em sua vida?

Wilson: O presidente Ikeda tem ajudado a quebrar paradigmas, trazendo questões com as quais a humanidade se defronta e que muitas pessoas consideram aparentemente distantes de sua realidade, para uma compreensão mais acessível à luz do “farol da sabedoria milenar” do budismo. Ele comenta:

Nosso mundo está um caos. Tanto a sociedade como o mundo das ideias estão num estado de confusão e desordem. (...) E muitos estão começando a pensar seriamente na religião — não como algo distante de suas preocupações diárias, mas como algo muito próximo de seus lares.1

Esse caos, essa confusão na qual nosso mundo se encontra, não surgiu do nada, foi construído ao longo dos séculos, sustentado por modos de pensar egocêntricos. Faz-se necessário rever e até substituir esse tipo de conduta baseado no egoísmo por pensamentos e ações que respeitem a dignidade da vida com sua abrangência, conforme o conceito budista da origem dependente (engi), que ensina que toda vida está inter-relacionada, que nada existe de forma isolada. Literalmente, o termo engi quer dizer “surgimento em conexão”. Em outras palavras, todos os seres e fenômenos existem ou ocorrem somente por causa de sua relação com outros seres ou fenômenos.



Wilson Ferreira da Silva, responsável pelo Núcleo de Estudos Filosóficos e Religiosos (Nefir) da BSGI

Wilson Ferreira da Silva, responsável pelo Núcleo de Estudos Filosóficos e Religiosos (Nefir) da BSGI

Nota: 1. IKEDA, Daisaku, Sabedoria do Sutra do Lótus. v. 1. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, p. 129.

Ilustração: GETTY IMAGES

Foto: Arquivo pessoal 

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