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Diálogo Sobre a Filosofia Budista

O caminho do bodhisattva

1ª parte

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01/10/2007

O caminho do bodhisattva
Terceira Civilização: O Budismo Nitiren elucida que, para conquistar a felicidade absoluta, além da recitação do Gongyo e do Daimoku individualmente, é preciso se empenhar na prática altruística. Mas não basta fazer o bem, é preciso possibilitar a cada pessoa transformar a própria vida, não é mesmo? Esse seria o caminho do bodhisattva?

Antonio Ioshio Nakamura: Em síntese, sim. Os praticantes budistas sempre são questionados por não ajudarem materialmente as pessoas que se encontram em dificuldades. O budismo ensina que há dois tipos de bem. O “bem menor” e o “bem maior”. O primeiro se trata justamente de conceder à pessoa aquilo que ela necessita num determinado momento — alimento, roupas, dinheiro, por exemplo. Porém, isso não quer dizer que o budismo seja contra esse tipo de ação, mas ensina que fazer doações materiais, simplesmente, não contribui para a pessoa transformar fundamentalmente sua vida. Ou seja, ela poderá permanecer eternamente na miséria pelo fato de, sempre que precisar, ter alguém que lhe faça doações. Nesse sentido, em vez de ajudarmos, contribuímos para que essa pessoa permaneça na condição de “pedinte”, incapaz de conquistar o que deseja por esforço próprio. Isso não significa, obviamente, que ao ver uma pessoa com fome não podemos dar-lhe alimento. O que quero dizer é que, além dessa ajuda, devemos proporcionar condições para as pessoas saírem do sofrimento.

Alessandra Squipano: Com base nesse raciocínio, Sr. Nakamura, o budismo ensina a importância de fazermos o “bem maior”. Ou seja, ensinar às pessoas a transformarem a causa fundamental da vida que gera o sofrimento. Em outras palavras, o “bem maior” é ensinar-lhes o Nam-myoho-rengue-kyo, por termos a convicção de que sua prática possibilita mudar o carma negativo e sermos absolutamente felizes.

Nakamura: Exato. Ensinar o budismo é, justamente, o caminho do bodhisattva, um termo budista que designa seres de sabedoria elevada que seguem uma prática espiritual com o intuito de remover obstáculos e beneficiar todos os demais seres. A expressão significa, em tradução literal do sânscrito, “ser (sattva) de sabedoria (bodhi)”. A pessoa nessa condição aspira à iluminação e realiza práticas altruísticas para atingir esse objetivo. A benevolência é sua principal virtude. Para possibilitar o bem aos demais, essa pessoa é capaz de retardar sua própria entrada no nirvana a fim de conduzi-las à iluminação.

Ricardo Hirata: Diariamente exercitamos, ou melhor, reconfirmamos o juramento de atuarmos em prol da felicidade das pessoas ao recitarmos este trecho no Gongyo: “Mai-ji-sa-ze-nen. I-ga-lho-shu-jo. Toku-nhu-mu-jo-do. Soku-jo-ju-bu-shin”. Traduzindo: “Medito constantemente: Como conduzir as pessoas ao caminho supremo e fazer com que adquiram, rapidamente, o corpo de um buda?” É como se iniciássemos cada dia com este sentimento: “Hoje, quero fazer mais uma pessoa feliz”.

Alessandra: É com essa atitude benevolente que transformamos também nosso próprio coração, muitas vezes egoísta, que busca a felicidade apenas para si. O caminho do bodhisattva é, realmente, o caminho da suprema iluminação. Acredito que é justamente por isso que o estado de Bodhisattva está em nono lugar na ordem dos Dez Estados de Vida (Inferno, Fome, Animalidade, Ira, Tranqüilidade, Alegria, Erudição, Absorção, Bodhisattva e Buda). O caminho do bodhisattva é a “ponte” para a felicidade, que liga os seis mundos inferiores (estados de Inferno a Alegria) e os dois veículos (estados de Erudição e Absorção) ao estado de Buda. Rigorosamente falando, a felicidade absoluta somente pode ser conquistada por meio das ações como bodhisattva.

Nakamura: Correto. As pessoas, quando iniciam a prática, podem indagar: “Por que os estados de Tranqüilidade e Alegria são considerados caminhos inferiores?” Costumo dizer que esses estados lembram o que chamamos comumente de “sombra e água fresca”. Todos aspiram por momentos como esses. Mas, ainda assim, do ponto de vista do budismo, não é um caminho que leva ao estado de Buda porque ninguém é capaz de desejar “sombra e água fresca” aos outros, mas somente para si. Portanto, é uma condição egoísta. A vida do bodhisattva é livre do egoísmo. Isso corresponde a substituir por ações altruísticas os sentimentos egoístas.

Hirata: As pessoas nos estados de Erudição e Absorção não atingem o nível de bodhisattva porque estão compenetradas no aprofundamento subjetivo de conhecimentos, sem se preocuparem em compartilhar seu aprendizado com os outros. Também não significa que para chegar ao estágio de bodhisattva a pessoa deva, obrigatoriamente, passar pelos estados inferiores como uma ascensão gradativa. O conceito da Possessão Mútua dos Dez Estados ensina que o estado de Buda contém intrinsecamente todos os nove outros mundos, assim como em cada um deles também se encontram os demais.

Alessandra: Esse é um ensino maravilhoso. A cada dia podemos manifestar a condição de bodhisattva buscando analisar nossas atitudes, se são egoístas ou altruístas. Considero importante citarmos os dois tipos de bodhisattvas: os do ensino teórico e os Bodhisattvas da Terra ou bodhisattvas do ensino essencial. Com certeza, todos já ouviram falar desses dois tipos de bodhisattvas. O que acham de comentarmos um pouco sobre cada um deles?

Hirata: Vamos lá: Os bodhisattvas do ensino teórico são seguidores de um buda provisório, que incluem: Manjushri, Valor Universal, Percebedor dos Sons do Mundo e Rei dos Remédios. Um buda provisório é aquele que, com o propósito de salvar as pessoas, assume um papel transitório correspondente à capacidade das pessoas, não revelando sua verdadeira identidade. Nos ensinos pré-Sutra de Lótus e no ensino teórico (os quatorze primeiros capítulos) do Sutra de Lótus, Sakyamuni não revelou sua iluminação original no remoto passado, porém, assumiu a forma provisória de um buda que havia atingido a iluminação pela primeira vez naquela sua existência na Índia. Os bodhisattvas aos quais ele instruiu nessa condição são chamados de bodhisattvas do ensino teórico. Essa denominação é usada em contraste com os bodhisattvas do ensino essencial, ou Bodhisattvas da Terra. Acredita-se que os bodhisattvas do ensino teórico fizeram seu advento nos Primeiros e Médios Dias da Lei e propagaram o Mahayana provisório ou o ensino teórico do Sutra de Lótus, ao passo que os Bodhisattvas da Terra surgem nos Últimos Dias da Lei e devotam-se à propagação da Lei Mística, a essência do Sutra de Lótus.

Alessandra: O termo “Bodhisattvas da Terra” refere-se aos incontáveis bodhisattvas descritos no 15º capítulo do Sutra de Lótus, “Emergindo da Terra”, e aos quais Sakyamuni confia a tarefa de propagar a Lei após sua morte. Em vários de seus escritos, Nitiren Daishonin identifica seu próprio papel ao do líder desses bodhisattvas, o Bodhisattva Práticas Superiores (Jogyo). São também chamados de “Bodhisattvas do Ensino Essencial”.

Nakamura: Esses bodhisattvas são os que foram instruídos pelo Buda, ou seja, o Buda cuja verdadeira identidade é revelada no ensino essencial (os últimos quatorze capítulos) do Sutra de Lótus. Nesse ensino, Sakyamuni revela sua verdadeira identidade como Buda que atingiu a iluminação no remoto passado. Os líderes dos Bodhisattvas da Terra descritos no capítulo “Emergindo da Terra” estão incorporados graficamente no Gohonzon. São eles: Práticas Superiores (Jogyo), Práticas Infinitas ou Ilimitadas (Muhengyo), Práticas Puras (Jyogyo) e Práticas Firmemente Estabelecidas (Anryugyo). Cada um deles representa uma das quatro virtudes da vida do Buda, que são: verdadeira identidade, eternidade, pureza e felicidade, respectivamente. Ainda referindo-me ao Sutra de Lótus, quando do surgimento dos Bodhisattvas da Terra, exposto no 15º capítulo, Sakyamuni os apresenta como aqueles que executarão a tarefa de propagar o Sutra de Lótus no mundo saha. O Bodhisattva Miroku dirige-se a Sakyamuni e pergunta quem os havia ensinado, ao que o Buda responde que eles são seus discípulos originais a quem vinha ensinando há muito tempo, desde o distante passado. Por insistência de Miroku, que pede explicação de como, em meros quarenta anos desde seu despertar, Sakyamuni conseguiu ensinar tantos bodhisattvas, finalmente ele revela sobre “a vida eterna do Buda”, conforme o 16º capítulo do Sutra de Lótus, “Revelação da Vida Eterna do Buda”.

Alessandra: Nessa passagem, fica clara que a relação do Buda com os bodhisattvas que emergiram da terra é uma analogia sobre a Lei Mística, pela qual todos os budas atingiram a iluminação. Devemos compreender que essa relação eterna é o próprio Nam-myoho-rengue-kyo, ou seja, não se refere exatamente à pessoa de Sakyamuni. A afirmação do Buda “tenho uma relação com esses bodhisattvas desde o remoto passado” indica uma revelação do próprio Buda Original — o Nam-myoho-rengue-kyo. Portanto, o termo “terra”, de Bodhisattvas da Terra, significa “Lei Mística” ou Nam-myoho-rengue-kyo. Em outras palavras, somos todos bodhisattvas surgidos da Lei Mística.

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