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A arte de lidar com os outros

Vamos ser sinceros, lidar com pessoas é uma tarefa bastante complexa. Pessoas são imprevisíveis e, quando menos esperamos, têm alguma atitude que desperta em nós uma infinidade de sentimentos, dos mais aos menos agradáveis. Nesta edição, vamos falar um pouco sobre a sutil (e complicada) arte de lidar com os outros, e como se tornar especialista nesse quesito.

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16/03/2019

A arte de lidar com os outros

Desde que nascemos, estamos em constante contato com outras pessoas: da família aos amigos, depois colegas de trabalho... A interação social é um exercício diário e, devido a esse contato direto, deveríamos ser naturalmente experientes nessa área. No entanto, parece que, quanto mais crescemos, mais difíceis se tornam essas relações. Como diz o presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, no livro Juventude, Sonhos e Esperança,1 “Às vezes (...) chegamos a ponto de querer gritar bem alto coisas como ‘Eu queria ir para um lugar onde não houvesse ninguém!’. Mas isso é impossível”. Somos seres sociais e precisamos nos relacionar com as pessoas para sobreviver, crescer e, acima de tudo, ser verdadeiramente felizes. Por quê? E como viver dessa forma, apesar de todos os obstáculos que enfrentamos diariamente?

Para respondermos a essas indagações, é necessário dar um passo para trás e nos perguntar, antes de mais nada, como está nossa relação conosco.

 

GPS interior

Imagine que esteja andando por um bairro desconhecido e repentinamente decide desligar o GPS. Afinal, é de dia e você consegue achar o caminho sem ajuda. Porém, o trajeto é longo e invariavelmente a noite vai surgir. A menos que ligue novamente o GPS, terá grandes chances de se perder, pior, de cair numa viela perigosa.

A sinceridade consigo é como um GPS interno, já que, ao reconhecer o que sente em diferentes situações, consegue achar caminhos e formas de lidar com elas. Pode parecer clichê, mas não é possível desenvolver relações saudáveis com as pessoas enquanto não tiver uma relação saudável com você mesmo. Sabe aquele papo de “fingir que está tudo bem”, que “um dia passa”? Não funciona. Na verdade, só atrapalha.

Ao ignorarmos nossos próprios sentimentos, não sabemos que atitudes ter ou que direção tomar. O medo do desconhecido não nos permite seguir em frente. É como se parássemos em certo trecho de uma rua escura e nos recusássemos a continuar, com receio do que encontraríamos na próxima esquina; dessa forma, nunca chegaremos ao destino.

A empreendedora Nathalia Ro­berto afirma: “É importante lembrar que reprimir o que sentimos nunca vai ser uma solução. Não precisamos não sentir ou evitar as emoções, mas aceitar que elas existem e estão juntas de nós”.2

No discurso, isso é muito bonito, mas sabemos que na hora em que uma pessoa faz algo de que não gostamos e aquele sentimento negativo aflora, não paramos para pensar nessas coisas. Você pode se perguntar se existe alguma forma de dar esse “salto emocional” e reconhecer e aceitar as emoções e os sentimentos, em vez de despejá-los em alguém ou em algo. Sim, existe.

O que sentimos está mais ligado ao nosso estado de vida do que à circunstância ou aos envolvidos em si. Quando nosso estado de vida está baixo,3 reagimos a um estímulo externo com impulso, ira, inveja, e o impacto emocional tanto em nós como nos demais é negativo. É por essa razão que no budismo falamos tanto em elevar o estado de vida, para que tenhamos mais calma, paciência e, principalmente, sabedoria para agir de forma correta. Isso sem negar ou “passar por cima” dos nossos sentimentos, mas reconhecendo-os e lidando com eles da melhor forma possível e, consequentemente, com as situações e as pessoas ao redor.

O “segredo” é a recitação diária de daimoku ao Gohonzon, que eleva nosso estado de vida,4 extraindo de dentro de nós a força e a energia necessárias para esse reconhecimento e compreensão. Não se trata de fingir que está tudo bem, mas ser sincero consigo, orar e agir para que tudo fique bem de verdade, para você e para quem estiver ao seu lado.

 

Encontre um bom amigo

Seja em dias de sol, seja durante a escuridão da noite, nossas pernas nos levam ao destino. Todavia, se tivermos alguém caminhando junto, há quem nos ajude a levantar quando cairmos e nos lembre do motivo pelo qual escolhemos essa estrada.

Nesse ponto, a sinceridade também é essencial. Se formos sinceros conosco e com os outros, conseguiremos nos expressar melhor, contando com o auxílio de quem estiver por perto. Dessa forma, também podemos incentivar uma pessoa que esteja passando por uma situação semelhante.

No budismo, essa pessoa que ajuda, conhecida como “bom amigo”,5 são os colegas e veteranos que direcionam você para a prática da fé com base nos incentivos do presidente Ikeda. Por quê?

São pessoas que já passaram e superaram vários desafios, possuindo conhecimento e experiência para orientá-lo com propriedade no dia a dia. E as orientações de Ikeda sensei estão baseadas nos escritos de Nichiren Daishonin, o Buda dos Últimos Dias da Lei, que levou a sabedoria budista milenar dos templos à casa das pessoas comuns, possibilitando a todas a oportunidade de atingir seu máximo potencial de vida, ou iluminação, inclusive nas situações de convívio social.

Num de seus escritos, Daishonin orienta: “O senhor uniu-se a um amigo na sala de orquídeas e ficou de pé como a artemísia que cresce entre o cânhamo”.6 No livro Pode Haver uma História Mais Maravilhosa do que a Sua?7 consta a seguinte explicação:

 

Orquídeas numa sala naturalmente brindam com seu perfume aqueles que entram no recinto. E a artemísia, que geralmente cresce retorcida e próxima ao solo, consegue se desenvolver ereta ao se apoiar no cânhamo. Da mesma forma, cercar-nos de bons amigos ajuda-nos a crescer e a direcionar nossa vida para o melhor rumo possível. Os mais importantes são os bons amigos que nos conduzem ao caminho da felicidade.

 

Ao caminharmos lado a lado com bons amigos, podemos crescer muito além do que se estivéssemos sozinhos. No fim, os bons amigos são o que devemos cultivar ao longo da vida, pois serão eles que vão nos amparar quando cairmos, chorar junto com a gente quando algo não der certo, mas também estarão ao nosso lado para sorrir e comemorar as vitórias.

E nas situações em que não há pessoas ao redor para chamarmos de bons amigos?

 

Seja o bom amigo

Cada um de nós trilha uma jornada pessoal e única, da qual apenas nós sabemos os detalhes, as alegrias e as dores que passamos para chegar aonde chegamos.

Por mais que as experiências sejam compartilhadas, cada pessoa reflete sobre elas de uma forma distinta. Os conflitos surgem quando a incompreensão de um ponto de vista sobre o outro gera distanciamento ou bloqueio emocional. Os envolvidos, em vez de buscar entender o que a pessoa está passando ou sentindo, julgam-na, criticam e a inferiorizam.

Quando agimos dessa forma, manifestamos os baixos estados de vida, ignorando que, por trás de ações aparentemente questionáveis, existe um ser humano em sofrimento. Para reconhecer isso, não precisa ir longe ou tentar compreender o sofrimento de desconhecidos. Comece por quem você conhece e pelas situações que você vive: se alguém o tirou do sério, antes de focar apenas no seu sentimento negativo, busque entender por que aquela pessoa agiu daquela forma. De que maneira podemos chegar a essa compreensão?

Como mostramos anteriormente, o daimoku eleva seu estado de vida e o ajuda a realizar o diálogo de forma elevada, visando a compreensão. Sim, é um grande desafio, ainda mais quando a situação gera desconforto para ambas as partes. No entanto, é no desconforto e no desafio que reside o crescimento.

O renomado físico e humanista David Bohm (1917–1992) declara: “Em um diálogo não há a tentativa de fazer prevalecer um ponto de vista particular, mas a de ampliar a compreensão de todos os envolvidos”.8

Nas situações em que não há abertura para o diálogo, você ainda pode recitar daimoku pela felicidade da pessoa e transformar internamente seu sentimento sobre o ocorrido. Para isso, também pode contar com a orientação direcionada dos veteranos e amigos de confiança. Lembre-se, essa orientação deve ser sempre focada em resolver o impasse interno que a situação causou em você.

Antes de exigirmos que as pessoas correspondam a certas expectativas que temos (afinal, as expectativas são nossas, e não da pessoa), devemos olhar para nós mesmos e nos perguntar “Sou quem eu gostaria de ter por perto?”. O presidente Ikeda também orienta: “Para ter amigos assim [bons amigos], em primeiro lugar vocês devem se tornar esse tipo de pessoa”.9 No budismo, aprendemos que tudo é regido pela lei da simultaneidade de causa e efeito;10 até para desenvolvermos boas amizades e termos o retorno que desejamos precisamos fazer a causa; ou seja, sermos bons amigos dos que estão à nossa volta. Dessa forma, seremos não só pessoas que esperam boas relações, mas que as criam a partir do próprio exemplo. Você não precisa sair por aí fazendo favores a todos ou compartilhando sua vida com qualquer um. Deve, em primeiro lugar, dedicar o seu melhor nos vários ambientes que frequentar.11

E você estava achando que apenas falaríamos como se relacionar com os outros, não é mesmo? Vamos lhe contar um segredo: nada acontece de fora para dentro, sem uma causa.
Para que as coisas aconteçam de acordo com o nosso objetivo, precisamos realizar as causas correspondentes, de dentro para fora, seja no plano individual ou no social.

 

A união (dos bons amigos) faz a força

Falando em sociedade, atualmente testemunhamos um terrível aumento dos conflitos e desentendimentos, tanto local como globalmente. Os ambientes estão competitivos, e as pessoas, estressadas. Parece que nossas tentativas de criar boas relações são inúteis perto de tanta negatividade. É como se constantemente encontrássemos pes­soas ao longo de nosso caminho querendo intencionalmente nos tirar da nossa rota. Seria muito mais fácil caminhar com vários companheiros de jornada, lado a lado, para se ajudar e se proteger mutuamente das investidas maldosas, não é?

O primeiro presidente da Soka Gakkai, Tsunesaburo Makiguchi, afirmava que geralmente as pessoas de más intenções conseguem criar estruturas fortes, e os sábios tendem a viver isolados.12 Por essa razão, ele fundou a Soka Gakkai.

A Soka Gakkai, literalmente Sociedade de Criação de Valor, tem o objetivo de unir pessoas que tenham como direcionamento o cultivo da felicidade de si e dos outros, a fim de se fortalecerem e se desenvolverem juntos, com base nos ensinamentos humanísticos do Budismo de Nichiren Daishonin. A finalidade dessa união é impactar positivamente a sociedade. No livro Diálogo sobre a Religião Humanística13 consta:

 

O presidente Makiguchi não se detinha em meros ideais. Ele queria concretizá-los na sociedade e comprovar sua validez. (…) Ele falava de uma situação em que cada pessoa, ao mesmo tempo em que evidencia seu pleno potencial, empenha-se para contribuir para a paz e a prosperidade de toda a sociedade.

 

“Criação de valor” é isso: a oportunidade dada a cada pessoa para que se desenvolva a ponto de contribuir para a felicidade de si e dos demais. Para facilitar esse processo, faz-se necessário um ambiente propício, um espaço aberto à criação de valor, à capacitação de pessoas.

A Gakkai é esse espaço. Por meio de seus variados departamentos e oportunidades de aprimoramento, você tem a chance e a segurança de se desafiar a fazer algo que não faria em outro ambiente, e contar com o apoio e a abertura ao diálogo daqueles ao redor; de se desenvolver em caminhos que nunca imaginaria, como tocar um instrumento, dançar, atuar, escrever, dialogar livremente ou aprender a conviver com aquela pessoa com quem nem sequer falaria — tudo com base na filosofia humanística do Budismo Nichiren.

Ao praticar, estudar e compreender isso, e agir dessa forma, certamente seguirá mais rápido em sua jornada e chegará ao destino ainda mais transformado, e já começará a traçar uma nova rota. Tudo isso se torna leve e natural, passa a fazer parte do dia a dia. Nessa trajetória, é possível descobrir uma nova paixão em sua vida, encontrar pessoas que estejam passando por problemas parecidos e se tornar o bom amigo delas, iniciando novo ciclo de criação de valor.

O mais importante é começar, tentar e seguir em frente. Por mais que você caia, que o caminho não dê certo na primeira tentativa, continue tentando e orando até conseguir. É nessa ação constante e resoluta que se encontra a transformação e os passos seguros rumo à verdadeira felicidade e ao estabelecimento, natural e ao longo do tempo, de relações sociais sólidas e confiáveis. É assim que nos treinamos para ser pessoas melhores em qualquer ambiente social, pois nos fortalecemos dentro da Gakkai para fazer a diferença fora dela.

 

A maior das habilidades

“Em japonês, a palavra que designa ‘ser humano’, ningen, é escrita com dois ideogramas chineses que significam ‘pessoa’ (nin) e ‘entre’ (gen), expressando a ideia de que os seres humanos somente existem em plenitude com o relacionamento entre as pessoas”, afirma o presidente Ikeda.14

No percurso da vida, nós nos encontramos com as mais diferentes pessoas e as mais diversas situações. Nós sabemos as emoções e os sentimentos que cada pessoa, ou situação, faz emergir.

Para ser especialista na arte de lidar com os outros, você precisa tomar a direção certa, obedecendo à sinalização para agir: 1) com sinceridade consigo; 2) com esforço e dedicação para ir além de esperar por um bom amigo e ser esse bom amigo; 3) a partir dos ensinamentos de uma filosofia de vida que o ajude a desenvolver esse estado de vida elevado (que considera a humanidade dos outros) e o mantenha em contato com pessoas que possuem o mesmo propósito. 

Agora é com você! Ligue seu GPS interno, confie nas suas pernas e escolha sabiamente as companhias para a jornada da vida. Coloque na bagagem o diálogo, a compreensão e a dedicação diária para ir além do conhecido e do confortável. Esse esforço lhe presenteará com a maior das habilidades: desfrutar a companhia de todos os que estiverem ao seu redor.

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