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Na prática

Gratidão é o ponto de partida

Em todas as culturas, manifestar gratidão é um ato de polidez. Para agradecer alguém, podem-se usar palavras, gestos, presentes. Mas, só isso basta? No budismo, gratidão corresponde a um sentimento muito mais profundo que a simples demonstração de educação ou a retribuição por um favor recebido. Ela é capaz de transformar uma pessoa de espírito mesquinho em um ser humano de espírito forte. A seção Na Prática desta edição explica a forma mais elevada, ensinada no budismo, para expressar tal sentimento.

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15/11/2019

Gratidão é o ponto de partida

Verdadeira obra-prima

Em todos os cantos do globo terrestre, cada povo possui formas diferentes de expressar seus agradecimentos. As palavras “muito obrigado” ditas de maneira sincera são uma delas. No entanto, a máxima “uma ação vale mais que mil palavras” também é válida para demonstrar gratidão por algo ou alguém. Vamos tomar como exemplo a história do famoso ator, diretor e produtor de cinema Charlie Chaplin (1889–1977).1

Chaplin nasceu em 16 de abril de 1889 na Inglaterra. Seu pai e sua mãe eram cantores muito talentosos. Ele tinha um irmão mais velho, Sydney, e juntos, os quatro formavam uma família harmoniosa. Porém, com o passar dos anos seu pai começou a beber e abandonou a esposa e os filhos.

A mãe de Charlie Chaplin, Hannah, teve de se esforçar para criar os meninos, o que pode ter prejudicado sua saúde. Certo dia, ela perdeu a voz de maneira repentina enquanto se apresentava no palco. O público, frustrado, começou a vaiar. O diretor do espetáculo tomou a decisão de colocar o pequeno Charlie para cantar no lugar da mãe e a plateia ficou encantada. Essa foi a primeira vez que Chaplin se apresentou em público, fato de grande relevância para que ele iniciasse sua jornada como ator anos mais tarde.

Hannah jamais recuperou a voz, o que pôs fim à sua carreira como cantora. As condições da família ficavam cada vez mais difíceis. Porém, ela sempre se mantinha carinhosa. Dançava e fazia mímicas para animar os filhos e se comunicar com eles.

Em setembro de 1939, quando Chaplin estava com 50 anos, Hitler e seu exército invadiram a Polônia. Esse foi o estopim de uma guerra que rapidamente se espalhou pela Europa e se tornou o que conhecemos hoje como Segunda Guerra Mundial.

Em 1940, já um cineasta de sucesso, Chaplin lança o filme O Grande Ditador,2 fazendo do cinema sua grande arma pela paz em tempos de conflito. No filme, o personagem de Chaplin é confundido com um ditador cruel que usa a força militar para tentar conquistar outros países. Ele se veste de forma parecida com Hitler, no entanto, na cena final, diante de um pelotão, profere um discurso completamente diferente da mensagem que o ditador alemão costumava transmitir. Em seu discurso, ele difunde coragem e esperança, reconhecendo a força inerente das pessoas comuns: “Não se desesperem! (...) Vocês têm o poder de fazer da vida uma existência bela e livre, cheia de aventuras. Em nome da democracia, usemos esse poder! Vamos nos unir!”. E ao se dirigir à heroína do filme, ele clama: “A alma do homem ganhou asas e agora ele alça grandes voos em direção ao arco-íris, à luz da esperança, ao futuro. Observe, Hannah, observe”.

A coincidência dos nomes não é por acaso: para agradecer tudo o que sua mãe fez por ele durante toda a vida, Chaplin deu o nome de Hannah à protagonista do filme. O discurso final da obra inspirou muitos a terem esperança mesmo nos tempos sombrios da guerra, e hoje é uma grande referência do mundo cinematográfico.

A homenagem de Chaplin à mãe é um gesto sincero, ou seja, uma ação que expressa seu agradecimento pelo caráter que ele desenvolveu graças a ela, desde os tempos difíceis de sua infância. A gratidão é realmente um sentimento poderoso. No caso desse famoso cineasta, ela tornou o filme O Grande Ditador uma verdadeira obra-prima.

Com o exemplo de Chaplin, vemos que é possível construir coisas grandiosas com a gratidão. Estudaremos agora, a partir dos ensinamentos budistas, de onde vem esse sentimento e quais são as ações que nos permitem retribuir a tudo pelo que somos gratos.

Gratidão é o caminho para a iluminação

Nichiren Daishonin escreve em seu tratado Saldar as Dívidas de Gratidão:

A velha raposa jamais se esquece da colina onde nasceu. (...) O que podemos dizer das pessoas que estão se devotando ao budismo? Com certeza, elas não devem se esquecer das dívidas de gratidão que têm para com seus pais, seus mestres e sua nação.


No entanto, se uma pessoa tem a intenção de saldar essas grandes dívidas de gratidão, ela somente conseguirá fazer isso se compreender profundamente o budismo, e assim, tornar-se uma pessoa de sabedoria.3

Conforme as palavras de Daisho­nin, logo que nascemos já adquirimos uma dívida de gratidão com nossos pais, nossos mestres e nossa nação — pela nossa vida, pelo aprendizado e pelo local em que moramos, respectivamente. Logo, é preciso saldar essa dívida ao “compreender profundamente o budismo, e assim, tornar-se uma pessoa de sabedoria”.4 Fazemos isso conduzindo uma existência baseada na prática da fé. Ou seja, o primeiro passo é realizar a prática para atingir a iluminação.

O sentimento de Chaplin pela mãe fez com que ele criasse um dos principais filmes de sua carreira. Já na Soka Gakkai, a gratidão do Dr. Daisaku Ikeda por seu mestre e segundo presidente da organização, Josei Toda, se converteu em juramento. Certa vez, Ikeda sensei relembrou um episódio de sua juventude:

Houve uma ocasião em que começou a chover repentinamente quando Toda sensei e eu caminhávamos e passamos em frente ao Palácio Imperial. Estávamos sem guarda-chuva e não passava nenhum táxi. Devido aos negócios do presidente [Josei] Toda se encontrarem no auge da crise, ele sugeriu: “Vamos continuar andando na chuva mesmo”. Quando voltamos a caminhar, meu mestre apontou para um prédio e disse: “O general MacArthur está lá”. Adiante estava o majestoso edifício do Daiichi Seimei, que abrigava o quartel-general do comando das forças aliadas. Na época, a Soka Gakkai não possuía nenhum carro, e muito menos grandes edifícios. Porém, eu lhe afirmei: “Vou trabalhar muito e providenciar um excelente carro para o senhor. Sem falta construirei muitos prédios magníficos também! Sensei, por favor, fique tranquilo”.5

Essa cena não representa uma simples promessa para construir prédios e conquistar bens, mas o juramento de fazer o kosen-rufu se expandir cada vez mais, tornando possível que um número cada vez maior de pessoas entre em contato com a filosofia budista e possa contar com sedes e meios de transporte cômodos e seguros. Mesmo naquela condição adversa, Ikeda sensei expressou esse juramento ao seu mestre, e hoje vemos sua concretização simbolizada pelas sedes da Soka Gakkai em inúmeros países.

O presidente Ikeda também afirma: “O caminho de mestre e discípulo é o caminho de quitar as dívidas de gratidão. Eu me devotei a apoiar Toda sensei, que me ensinou o nobre modo de vida dedicado à propagação da Lei Mística”.6 O caminho da unicidade de mestre e discípulo, na Soka Gakkai, é uma rota direta para expandir nossa condição de vida de maneira tão elevada quanto a de Ikeda sensei. Assim, pomos em prática as palavras de Nichiren Daishonin: “[uma pessoa] somente conseguirá fazer isso [saldar as grandes dívidas de gratidão] se compreender profundamente o budismo, e assim, tornar-se uma pessoa de sabedoria”.7

Um sentimento que permeia nosso cotidiano

Viver no mundo atual, repleto de intolerância e de conflitos, é um grande desafio. Encontrar uma filosofia como o budismo que conduz o ser humano a trilhar um caminho de sabedoria, que lhe permite superar os sofrimentos e edificar uma vida digna, é um grande privilégio. Por isso, um budista não agradece somente quando recebe favores ou benefícios da prática. Ele é grato pelo simples fato de estar vivo, de ter com quem aprender e de viver em um local em que pode realizar a prática que o conduz à verdadeira felicidade.

Essa gratidão se torna um juramento que, por sua vez, é convertido em ações que nos levam à revolução humana. Dessa maneira, conquistamos vitórias. Enquanto de acordo com o senso comum devemos agradecer depois de obtermos qualquer benefício, no budismo, a gratidão é na verdade a origem de todas as conquistas.

Gratidão é mais do que dizer “obrigado”, é uma virtude necessária e cultivada de forma contínua durante a nossa vida. Podemos dizer que a partir dela se origina a verdadeira felicidade. Certa vez, Ikeda sensei escreveu:

Soube de um episódio envolvendo um jovem à beira de cometer suicídio. Alguém que tentava dissuadi-lo disso sugeriu primeiro que ele escrevesse cartas a todos a quem devia agradecimentos. Quando o jovem pensou em todas as pessoas a quem deveria agradecer e percebeu quantos o haviam apoiado e auxiliado ao longo do seu caminho, a força para continuar vivendo brotou do seu interior. Um espírito de gratidão fortalece e eleva nossa vida. Em contraste, a arrogância de não reconhecermos a boa sorte de recebermos favores e auxílios pode nos tornar vis e mesquinhos.8

O jovem da história narrada por Ikeda sensei só seria capaz de saldar as dívidas de gratidão que tinha acumulado ao se manter vivo e buscar a verdadeira felicidade. Mas, de que maneira podemos realizar isso no dia a dia? Estudando e obtendo profunda compreensão dos ensinamentos do budismo, tornando-nos assim pessoas dotadas de sabedoria e verdadeira felicidade, e que transmitem essa satisfação aos demais ao nosso redor, e assim, fazer da gratidão o ponto de partida de todas as vitórias.

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