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Na prática

Onde começa a transformação do mundo?

O budismo nomeia a época em que vivemos como os “Últimos Dias da Lei”. É um período no qual a sociedade se torna caótica, os valores se invertem e as pessoas vivem em um ciclo negativo, perdidas nos caminhos dos estados de inferno, fome, ira, animalidade, tranquilidade e alegria. Num cenário como esse, parece difícil livrar o mundo dos sofrimentos do ódio e da violência que assolam a sociedade. No entanto, o budismo fornece o caminho para criar a harmonia e vencer o “ciclo do ódio”.  O presidente Ikeda afirma: Quando esta filosofia que respeita a dignidade de todas as formas de vida se propagar pelo mundo e transformar a vida das pessoas no âmbito mais fundamental, se abrirá o caminho para eliminar a tragédia do ódio e do conflito.1 Nesta matéria, vamos mostrar como cada um de nós pode agir para criar a harmonia entre as pessoas ensinando-lhes a prática do budismo.

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03/03/2020

Onde começa a transformação  do mundo?

Como atingir a iluminação

O primeiro passo para construir um mundo harmonioso é compreender o que significa atingir a iluminação ou atingir o estado de buda.

Muitas pessoas acreditam que esse é um estado de espírito inatingível ou muito difícil de ser conquistado. Outros creem que o Buda é um ser específico com poderes sobrenaturais, longe da realidade. Entretanto, o budismo esclarece que iluminação é uma condição de vida em que se experimenta felicidade absoluta, sabedoria plena e compaixão sincera e é inerente ao coração das pessoas. Ou seja, a iluminação faz parte da natureza humana, existe dentro de cada um de nós, mas precisa ser despertada.

Então, o que acontece quando atingimos o estado de buda?

Não mudamos nossa forma física nem adquirimos superpoderes. Na realidade, a mudança que vivemos é interna. Por essa mudança interna, modificamos a forma como enxergamos o mundo e o valor das pessoas. Abrimos os olhos e nos livramos de visões ilusórias da realidade que giram em torno da “avareza, ira e estupidez”. Entendemos que, pelas pessoas serem dotadas do potencial da iluminação, todas, sem exceção, são dignas de respeito.

A maneira como podemos atingir esse estado de vida é esclarecida no livro Fundamentos do Budismo:

O Sutra do Lótus declara que as pessoas podem atingir essa iluminação acreditando nos ensinamentos do sutra, que revela esse estado de buda inerente. Desenvolvendo ainda mais essa doutrina, Nichiren Daishonin ensinou que acreditar sem nenhuma sombra de dúvida que o Nam-myoho-renge-kyo, a essência do Sutra do Lótus, existe na própria vida é a iluminação e também uma manifestação do estado de buda.2

Ao recitarmos Nam-myoho-renge-kyo diante do Gohonzon (objeto de devoção), atingimos imediatamente a iluminação da forma como somos.

A história da menina-dragão

Antes do Sutra do Lótus acreditava-se que apenas os homens seriam capazes de atingir a iluminação. Porém, no capítulo “Devadatta” desse sutra é narrada a história da menina-dragão.3 É relatado que no fundo do mar havia um palácio habitado por oito reis dragões. Certo dia, um grande bodisatva chamado Manjushri visitou esse palácio e pregou o Sutra do Lótus. Assim, no seu movimento de propagação, converteu inúmeras criaturas.

Em uma de suas pregações, uma menina-dragão, de apenas 8 anos, estava presente. Era filha de Sagara, um dos oito reis. Depois de ouvir o Sutra do Lótus, ela atingiu imediatamente a iluminação, sem mudar seu aspecto físico de réptil.

Esse fato não se refere a um feito individual ou exclusivo da filha do rei dragão, mas mostra que todas as mulheres não só podem atingir o estado de buda na forma que se apresentam, como também abrem o caminho da iluminação para as pessoas das eras posteriores.

Após esse maravilhoso feito, a filha do rei dragão recitou o seguinte verso em louvor ao Buda: “Revelo as doutrinas do grande veículo para resgatar os seres vivos do sofrimento”.4 Ao mesmo tempo em que desfruta felicidade e sabedoria, um buda também dedica a vida para que aqueles ao seu redor também usufruam a mesma condição.

A prática do budismo faz despertar a esperança de que as pessoas podem atingir a condição de buda, da maneira como são.

Todos têm a condição de atingir a iluminação

Algumas pessoas talvez acreditem que não serão capazes de manifestar a iluminação por julgar terem cometido ações negativas no passado. No entanto, a iluminação é irrestrita, ou seja, absolutamente todas as pessoas, sem exceção, são capazes de atingi-la. Vejamos o exemplo de Angulimala.

Nos ensinamentos budistas, encontramos a história do contemporâneo de Shakyamuni (fundador do budismo), chamado Angulimala, o qual era temido por ter assassinado muita gente. Um dia, Angulimala decide matar Shakyamuni. Persegue-o com todas as suas forças, mas não consegue alcançá-lo. Frustrado, ele interrompe sua corrida e grita: “Pare!”. Shakyamuni responde: “Angulimala, parei. Você também deveria parar”. Perplexo, ele pergunta ao Buda por que o mandava parar, já que não estava mais se movimentando. Shakyamuni explica que se referia ao fato de Angulimala matar os seres vivos sem piedade e a maldade por trás de tais atos. Profundamente comovido com as palavras de Shakyamuni, Angulimala decide eliminar a maldade do coração e não mais praticar atos maus. Nesse momento, o homem se despe de suas armas e solicita a Shakyamuni permissão para ser seu discípulo. Dali em diante, Angulimala se arrepende dos seus crimes e se dedica de forma sincera à prática budista, em busca de expiação.

Em sua Proposta de Paz de 2019, o presidente Ikeda narra outro episódio na vida de Angulimala:

Um dia, enquanto caminhava pela cidade pedindo esmolas, ele [Angulimala] vê uma mulher sofrendo as dores do parto. Não há ninguém ao lado dela e ele, sentindo-se impotente diante da cena, a deixa sozinha. Porém, incapaz de parar de pensar em sua dor, ele procura Shakyamuni e relata o que havia acontecido. Shakyamuni pede que ele vá até ela e ofereça as seguintes palavras: “Irmã, desde o meu nascimento não destruí conscientemente um ser vivo sequer. Em nome desta verdade, que você fique bem e aquele que for nascer também fique bem”. Consciente do seu histórico de más ações, Angulimala não consegue compreender a verdadeira intenção do Buda. No entanto, Shakyamuni esclarece que Angulimala já havia conseguido dissipar a maldade oculta em suas ações por seu arrependimento e sincero envolvimento com a prática religiosa. Para lembrá-lo disso, Shakyamuni pede novamente que ele diga as seguintes palavras à mulher: “Irmã, desde que renasci como alguém que busca o nobre caminho, não me recordo de ter conscientemente tirado a vida de um ser vivo. Em nome desta verdade, que você fique bem e aquele que for nascer também fique bem”. Por conhecer a profunda compaixão de Shakyamuni, Angulimala corre para perto da mulher e lhe oferece tais palavras. O sofrimento da mulher se abranda e ela dá à luz em segurança.5

Mesmo uma pessoa como Angu­limala é capaz de realizar essa transformação interior. Essas histórias ilustram o fato de que todos os seres vivos têm em comum esse potencial de buda. Perceber isso é o caminho para compreender que a vida de cada um é inestimável e, logo, digna de respeito. Esse processo de transformação é o que chamamos de revolução humana.

A revolução humana é realizada no dia a dia, vencendo os desafios individuais que surgem no drama da vida, por meio da recitação do Nam-myoho-renge-kyo. Se fizer isso, compreenderá que não apenas você mesmo é digno de valor, como também as pessoas ao redor são, e assim poderá realizar mudanças significativas em sua realidade.

Um mundo de paz e de harmonia

Como afirmamos no início da matéria, vivemos num mundo muitas vezes dominado por um ciclo negatividade. No entanto, o que compõe a sociedade são pessoas. Se uma única pessoa realiza sua própria revolução humana e atinge a iluminação, ela inspirará outras pessoas a seguir o mesmo caminho, e assim transformaremos o mundo de negatividade em um mundo rico de sabedoria e compaixão. A fonte do ódio e dos conflitos é a intolerância às diferenças que as pessoas enxergam entre si. Seguir o caminho da revolução humana é abrir os olhos para um mundo em que seus habitantes, apesar de possuírem características diferentes entre si, têm em comum a natureza de buda.

O presidente Ikeda declara:

Daishonin escreve: “Compreender e perceber que a cerejeira, a ameixeira, o pessegueiro e o damasqueiro possuem cada qual a sua própria entidade, sem nenhuma alteração, dos três corpos eternamente dotados” (OTT, p. 200). Ele quer dizer que todos os seres vivos, assim como são, sem passar por nenhuma mudança, manifestam a condição de vida original do estado de buda — expresso aqui como os “três corpos eternamente dotados do Buda”. (cf. OTT, p. 200)6

Portanto, realizar a prática da fé para atingir o estado de buda e propagar este ensino ao maior número de pessoas é o primeiro passo que cada ser humano pode fazer para construir um mundo de paz e de harmonia. Logo, da perspectiva do budismo, a transformação do mundo começa dentro de cada um de nós.

Notas:

1. Terceira Civilização, ed. 619, mar. 2020, p. 53.

2. Fundamentos do Budismo, ed. set. 2015, p. 230.

3. Cf. LSOC, p. 226.

4. Ibidem, p. 227.

5. Terceira Civilização, ed. 609, maio 2019, p. 22.

6. Terceira Civilização, ed. 619, mar. 2020, p. 52.

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