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Na prática

Observar a mente através da prática budista

Ressignifique as experiências do passado criando um novo estímulo para aprimorar e elevar a vida no presente em direção a um glorioso futuro

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Redação

02/10/2023

Observar a mente através da prática budista

Sigmund Freud (1856–1939), médico neurologista austríaco, é conhecido como instituidor da psicanálise. Em uma de suas investigações, Freud passou a inquirir se as pequenas ações que as pessoas afirmavam praticar, aparentemente ao acaso, eram de fato acidentais. “Ele se perguntava se não havia uma causa para lapsos como esquecer promessas, escrever uma palavra errada ou deixar o guarda-chuva em algum lugar por distração.”1

Freud concluiu que, por trás dos evidentes lapsos no comportamento humano, sempre havia causas psicológicas. Por exemplo, “Uma pessoa que quebra uma promessa talvez não tenha consciência do que está fazendo, mas, em algum lugar remoto de sua mente, o desejo de quebrar essa promessa está presente com tamanha intensidade que obscurece sua memória”.2

No livro Vida, Um Enigma, uma Joia Preciosa, o presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), Dr. Daisaku Ikeda, destaca o feito de Freud:

A descoberta que ele fez de uma mente subconsciente que se oculta por trás da consciente (...) tornou-se um marco para as pesquisas posteriores sobre a mente humana. Na analogia de Freud, a mente é como um iceberg flutuando no oceano. O oceano representa a vida em si. E assim como a maior parte do iceberg fica submersa e imperceptível, a maioria das atividades mentais reside no inconsciente.3

Dada as informações apresentadas, podemos compreender ainda que a mente exerce incontáveis funções, tais como pensar, perceber, aprender, tomar decisões, resolver problemas, comunicar-se, amar, criar e construir. Essas atividades se processam no cérebro, e sua expressão, no comportamento.

Assim sendo, Na Prática apresentará os mecanismos para a observação da mente, e como essa aplicação permite às pessoas estabelecer atitudes para uma vida permeada de alegria e de realização.

“Como ela [a mente] funciona?”

A busca pelo conhecimento da mente humana remonta à antiguidade. Entretanto, o estudo como ciência aplicada data do fim do século 19.

Como dito no início, a mente tem papel essencial para a percepção e significação do mundo exterior. A especialista em neurociências e doutora em ciências da saúde pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lidia Cardoso, explica de maneira simples o funcionamento da mente:

Como ela funciona [a mente]? Primeiro, existe o cérebro, uma parte do nosso corpo que é essencial para a vida, para que o corpo funcione. O cérebro é algo físico, concreto, biológico. Ele tem peso, tem aquela aparência enrugada que todos conhecem. A mente é tudo aquilo que se passa dentro dessa estrutura física. A mente é o resultado do funcionamento do cérebro: os pensamentos, os sentimentos e as emoções. E os dois não podem ser entendidos de forma separada. Por quê? Porque tudo o que pensamos e sentimos desde o nosso nascimento vai “formando e moldando” nosso cérebro. Não existe mente sem o cérebro e o cérebro não serviria para nada do que fazemos se não houvesse a mente.4

O buda Nichiren Daishonin, lá no século 13, já descrevia essa asseveração dizendo que “Se observarmos nossa mente em qualquer momento, perceberemos que ela não apresenta cor nem forma para comprovar sua existência. No entanto, não podemos dizer que ela não existe pelo fato de incessantes pensamentos nos ocorrerem”.5

A seguir, para compreender ainda mais sobre o tema, compartilharemos algumas reflexões do presidente Ikeda.

Fazer das adversidades grandes oportunidades

Conforme a ilustração do oceano da vida mencionada, Ikeda sensei diz que nesse lugar há muitas atividades ocultas, as quais impulsionam a todos a realizar ações conscientes ou inconscientes e, de outras maneiras, sustentam também as atividades do corpo. “Existe uma galáxia de forças que constituem uma entidade, independentemente de a percebermos ou não, que é a substância de nossa vida interior. Na filosofia budista, isso é chamado de aspecto espiritual. É esse elemento interior que se manifesta de forma constante nas ações do aspecto físico e que dá origem à vida tal como a conhecemos.”6

Ou seja, as infinitas experiências, entre elas as vivências dolorosas, ficam alocadas em diferentes áreas do cérebro, como o córtex (camada externa) e regiões mais profundas (subcórtex), dependendo do tipo de lembrança. Isso significa que a compreensão do indivíduo se baseia em pressuposições desenvolvidas a partir de vulnerabilidade física, biológica e experiências que a pessoa teve ao longo da vida.

Para explicar o conceito citado, apresentamos o relato de um médico. Ele deu um exemplo marcante de como o estímulo mental pode afetar não apenas as ações de uma pessoa, mas também seu estado físico.

Em um hospital, duas mulheres tomavam conta de uma criança. Uma era sua mãe; a outra era uma enfermeira contratada. Após uma série de testes sanguíneos realizados com as duas mulheres, o médico chegou à conclusão de que, quando a criança reagia melhor, as duas mulheres apresentavam um nível de pH normal. Porém, quando a doença da criança se aproximava de um estado crítico, o sangue da mãe apresentava um nível de acidez muito mais alto. Em outras palavras, sua ansiedade afetava até o conteúdo de seu sangue. Isso não ocorria no caso da enfermeira, apesar de que não havia razão para dizer que ela era insensível, ou que não estava fazendo o melhor que podia para ajudar a criança a se recuperar. É claro que é natural para a mãe ser afetada num nível mais profundo pela doença dos filhos, mas o que realmente chama a atenção é seu estado mental ter causado tamanha alteração em seu estado físico. Esse exemplo certamente ilustra como a ação da mente pode se manifestar no mundo do aspecto físico.7

Assim como Freud estudou e desenvolveu a psicanálise, fundamentado no comportamento humano, outros campos da ciência estudam continuamente os meios para entender cada vez mais os mistérios relacionados à mente. Não obstante, os ensinamentos do Budismo Nichiren são ferramentas para que os praticantes examinem, por vezes com o auxílio profissional, suas dores, transformando essas adversidades em oportunidades. Ou seja, ressignificar os momentos desfavoráveis criando uma causa, um novo estímulo para aprimorar e elevar a vida. Na sequência, aprenderemos sobre os principais mecanismos para a observação de mente.

Mecanismos para observação da mente

No trecho anterior, compreendemos que, quando uma pessoa passa por um sofrimento ou uma intensa angústia, e não tem condições para superá-los, sendo dominada pela situação adversa, sua força vital enfraquece e o corpo apresenta sinais de perda da vitalidade. Alterações no estado mental e emocional são refletidas no comportamento e até no funcionamento do corpo — autossabotagem diante de uma tarefa importante, ou sintomas como taquicardia, falta de ar, suor excessivo e tremores podem ser algumas delas.

Ao considerar as questões relacionadas à mente, Nichiren Daishonin pondera: “Devemos ser mestres de nossa mente em vez de permitir que ela nos domine”.8 Essa sábia frase do Buda é a chave para constituir uma vida saudável e, acima de tudo, valorosa. Observar a mente possibilita ao indivíduo revelar um ilimitado potencial, em que qualquer sofrimento pode ser enfrentado com coragem, isto é, ressignificar os eventos passados.

Daishonin propõe os recursos para ativar essa observação. Ele diz que o budismo reconhece o potencial para todos transformarem as questões inerentes à vida. Com a recitação do Nam-myoho-renge-kyo, “Qualquer um — por mais que esteja mergulhado na ignorância ou ilusão — pode revelar seu estado de buda e transformar numa terra pura até mesmo o local mais maléfico e maculado”.9 É por isso que, por meio da recitação do daimoku, podemos “lustrar” o espelho embaçado da “mente que se encontra encoberta pela ilusão da escuridão da vida”, tornando-o um espelho límpido, que refletirá a natureza essencial dos fenômenos e da realidade.

De fato, quando recitamos daimoku de maneira compenetrada diante do Gohonzon,10 uma intensa energia vital interior é concebida e, assim, podemos ponderar e refletir de forma honesta quais aspectos da vida serão necessários regular. Em seguida, será preciso efetivar a resolução da reflexão com ajustes na conduta diária para que aquela dor seja transformada em oportunidade de avanço e de crescimento — esse é um claro exemplo de observar a mente. Vejamos uma história que atesta essa proposição.

Converter tristeza em resoluta coragem

Apresentamos um breve relato do jovem Guilherme Matos, 34 anos, responsável pela DMJ da Sub. Penha-Ermelino (CCLP), que alcançou a vitória com uma mudança de postura mental a partir da recitação do daimoku e estudo do budismo:11

“Eu tinha 10 anos quando fui diagnosticado com escoliose congênita, uma deficiência que, conforme eu crescia, foi formando uma gibosidade [curvatura da coluna vertebral com elevação exterior] nas minhas costas, deixando-me corcunda. “Ganhei” apelidos [por isso], eu era um menino nervoso e revoltado na escola, envolvendo-me em brigas constantes.

Em janeiro de 2022, conheci um médico que, com suas explicações, me deu confiança para fazer a cirurgia com ele. Planejei a cirurgia para ser realizada em dezembro. Antes da data, amigos Soka me deram uma dica para ler o escrito de Nichiren Daishonin, Resposta a Kyo’o. Eu já o conhecia, mas, desta vez, li com minha própria vida: ‘O Nam-myoho-renge-kyo é como o rugido de um leão. Que doença pode, portanto, ser um obstáculo?’. Selei minha convicção.

No dia 13 de dezembro, a cirurgia, apesar de durar treze horas, não foi finalizada por ser de alta complexidade. [E] no dia 16 de janeiro de 2023, fiz a segunda etapa da cirurgia, que durou mais de oito horas, desta vez, concluída com sucesso.

Na Soka Gakkai encontrei um mestre da vida e companheiros que todos os dias me fazem lembrar a tamanha alegria de poder assumir as rédeas da minha vida e de ser absolutamente feliz. Apostei certo no tesouro do coração, dediquei-me ao kosen-rufu e a tudo o que me foi necessário para realizá-lo. Eis o caminho da vitória.”

Como vimos, Guilherme converteu o sentimento de tristeza, causado na infância, em resoluta coragem. E foi com essa determinação, constituída com a prática budista, que ele conquistou vários benefícios. A recitação do Nam-myoho-renge-kyo; a dedicação ao estudo do budismo para entender com profundidade como acessar e usufruir esses ensinamentos; e a relação estabelecida com pessoas inspiradoras, assim como Ikeda sensei e os membros da BSGI, foram determinantes para o avanço e progresso do jovem Guilherme.

Transformação interna de momento a momento

Como explicado no início da matéria, as resoluções de Sigmund Freud e as reflexões de Ikeda sensei indicam que sempre há causas psicológicas nos lapsos ou nas imprecisões do comportamento humano.

Dessa maneira, quando uma pessoa não consegue superar os sofrimentos, isso pode levar a alterações no estado mental e emocional refletidas no comportamento e até no funcionamento do corpo, sendo estas as imprecisões já citadas.

O buda Nichiren Daishonin preconiza a importância de observar a mente para transformar os sofrimentos em oportunidades de avanços. As ações de Guilherme Matos mencionadas em seu depoimento, dentre elas, a recitação do daimoku, o estudo do budismo e a relação firmada com os membros da BSGI, são mecanismos para observar a mente e lapidar o coração, sempre de modo ativo e constante, para que a vida seja permeada de inúmeras possiblidades de progressos.

Nesse sentido, Ikeda sensei diz:

Myoho-renge-kyo é a Lei inerente à nossa vida. A transformação interna de momento a momento que efetuamos mediante a recitação do Nam-myoho-renge-kyo acarreta não somente uma mudança fundamental em nossa mentalidade, mas no nosso modo de vida como um todo, colocando-nos no rumo da consecução do estado de buda nesta existência. Além disso, gera uma onda de grande transformação de toda a humanidade chamada kosen-rufu. Myoho-renge-kyo é o pulsar dinâmico da mudança em todas as esferas.12

Portanto, a prática budista é a maneira mais sublime de observar a mente, isto é, ressignificar as experiências do passado, criando uma causa, um novo estímulo para aprimorar e elevar a vida no presente, em direção a um glorioso futuro.

No topo: Membros da Divisão dos Estudantes participam da Academia dos Sucessores Ikeda 2030 (São José dos Campos, SP, fev. 2019) Foto: Brasil Seikyo

Notas:

1. IKEDA, Daisaku. Vida, Um Enigma, uma Joia Preciosa. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2019. p. 27.

2. Ibidem.

3. Ibidem, p. 28.

4. Disponível em: https://www.universidadedascriancas.fae.ufmg.br/perguntas/como-funciona-nossa-mente/#:~:text=Primeiro%20vou%20dizer%20que%20existe,passa%20dentro%20dessa%20estrutura%20f%C3%ADsica. Acesso em: 14 set. 2023.

5. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, p. 4, 2020.

6. IKEDA, Daisaku. Vida, Um Enigma, uma Joia Preciosa. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2019. p. 28.

7. Ibidem, p. 29.

8. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, p. 525, 2020.

9. IKEDA, Daisaku. Coragem. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2019. p. 59.

10. Para entender os benefícios da oração budista, leia a seção Na Prática, na Terceira Civilização, ed. 661, set. 2023, ou acesse ao QR Code.

11. Brasil Seikyo, ed. 2.634, 13 maio 2023, p. 10.

12. IKEDA, Daisaku. Coragem. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2019. p. 60.

Para entender os benefícios da oração budista, leia a seção Na Prática, na Terceira Civilização, ed. 661, set. 2023, ou acesse o link.

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