Na prática
TC
Ressoar a mais bela melodia da harmonia
Redação
04/09/2024
O passatempo favorito de Ikeda sensei na juventude era ouvir música, em especial, as do compositor e pianista alemão Ludwig van Beethoven. Quando escutou pela primeira vez as quatro notas iniciais da Quinta Sinfonia — tchan-tchan-tchan-tchaaaan — ficou emocionado e sentiu como se seu minúsculo apartamento tivesse se tornado um palácio. Todas as vezes que ouvia Beethoven era como se fosse incentivado a não ser derrotado e continuar fazendo o seu melhor.1
A combinação harmoniosa e expressiva dos sons tem mesmo esse poder.
A composição mais conhecida de Beethoven e a que o consagrou no mundo inteiro também está entre as preferidas do Mestre, a Nona Sinfonia, que neste ano completa duzentos anos de sua estreia, que ocorreu em 1824.
Quando apreciamos uma boa melodia, nem sempre percebemos seus diferentes instrumentos, a mistura das tonalidades e os momentos de silêncio.
A música e seus elementos nos ajudarão a entender, com base na filosofia do Budismo de Nichiren Daishonin e no humanismo de Ikeda sensei, como pôr em prática a harmonia em um mundo onde “as pessoas estão repletas de queixas e insatisfações, e os conflitos e as divisões reinam de forma desenfreada”.2
Instrumentos que parecem conversar
A Nona Sinfonia foi escrita a partir de um poema de Schiller que Beethoven apreciava profundamente, Ode à Alegria. Aos 22 anos, ele já tinha concebido a ideia da melodia. Entretanto, ele levou mais de trinta anos até conseguir dar forma de música ao texto.
Quando nos concentramos em ouvir essa obra, percebemos várias nuanças: às vezes, o grave sobressai, em outras, o agudo. Os instrumentos parecem estar em uma conversa. O clarinete pergunta para a flauta e depois o oboé dá sua contribuição para o diálogo. Então, as cordas “pegam a palavra” e passam a vez para as trompas.
Uma parte especialmente difícil nessa composição foi a inovação de incluir vozes na sinfonia. Isso nunca tinha sido feito antes. No quarto movimento entram solistas e, depois, um coro.
Com brilhantismo, Ikeda sensei explica o que representam os recursos musicais utilizados e o que a música suscita:
Num instante, ocorre um misterioso silêncio e, em seguida, vem uma suave melodia como murmúrios de um córrego ou como a voz de ninar de uma mãe. São os acordes da alegria. A melodia acalma o espírito dos ouvintes, enchendo o coração com vitalidade refrescante e despertando a alegria, e gradualmente o tom vai crescendo até que toda a orquestra junta-se a ele.3
Organizar o estado e as relações das coisas
Em português, a palavra “harmonia” é utilizada tanto no contexto social com o significado de “paz e amizade” quanto no âmbito da música como “arte de ordenar os acordes musicais”.
Em japonês, “harmonia” se diz chowa. O ideograma chinês para cho, de chowa, originou-se na China antiga como um termo para designar a harmonia da música. É derivado do significado de ajustar o som e passou a se referir a várias palavras, como afinado, ajuste, harmonia. Diz-se que esse kanji evoluiu de hieróglifos que indicavam ordem e equilíbrio. Além disso, significa “organizar o estado e as relações das coisas”. Comumente, Ikeda sensei utiliza essa expressão em suas explanações.
Em perfeita sintonia com a sinfonia da paz, neste mês, a Editora Brasil Seikyo lança o livro Budismo de Harmonia e Esperança: Rumo à Era do Humanismo, de Daisaku Ikeda. A palavra “harmonia” no título é a tradução do seu original em japonês chowa.
Profissionais da música ou não, podemos supor quão árdua foi a missão de compor a obra imortal Nona Sinfonia. Nessa e em outras ricas e complexas melodias, é grande o desafio de fazer com que os sons, cada qual com suas características, se sobreponham de maneira que criem a harmonia da música.
Envolver o outro com um coração grandioso
As relações humanas parecem uma verdadeira obra musical. Os indivíduos também enfrentam o desafio de criar, cada um deles com suas características, uma convivência harmoniosa.
Nosso mestre Daisaku Ikeda conta uma antiga história da Coreia do Sul que revela o segredo da harmonia no núcleo no qual estabelecemos nossas primeiras relações: a família.
Em uma casa humilde morava uma família que, apesar da pobreza, seus membros viviam dando risadas. Um rico viajante que passava por desarmonia em seu lar resolveu perguntar para eles qual o segredo para viver daquela forma.
— Como é possível viver em perfeita harmonia como a sua família? — perguntou o viajante.
— Imagine, eu não tenho nada que possa lhe ensinar — respondeu a mãe
da família.
Bem nesse momento, uma voz aflita pôde ser ouvida:
— A vaca está solta destruindo a plantação!
Era justamente a vaca que a família criava. Quando, enfim, conseguiram detê-la, a plantação estava totalmente destruída.
O viajante pensou: “É agora que a discussão vai começar”.
No entanto, cada integrante da família começou a justificar o motivo da confusão:
— Isso aconteceu porque eu não amarrei a vaca direito.
Outro disse:
— Foi porque eu não a alimentei bem.
E a outra filha disse:
— Não, aconteceu porque eu estava ocupada lavando roupa.
Dessa forma, um tentava proteger o outro.
E, no final, sabiamente, todos deram boas risadas da repentina confusão. Observando esse episódio, o viajante compreendeu o segredo de uma família harmoniosa.4
Ikeda sensei compartilha essa história e nos traz o primeiro ensinamento prático para conquistar a harmonia:
Vivemos numa sociedade em que inevitavelmente somos expostos ao estresse. Justamente por isso, desejo que em nosso lar, antes de qualquer atitude de culpar, de ficar irado, primeiro respire fundo e aja com serenidade a ponto de promover o incentivo mútuo. Quanto mais envolvemos o outro com um coração grandioso, mais uma ilimitada força se manifesta em nossa vida.5
Tomar a responsabilidade para si
A Soka Gakkai também é diversa. Tal qual uma orquestra, cada integrante tem seu ritmo, sua voz. Assim como na composição de uma linda melodia, conseguir harmonizar as diferenças com maestria é desafiador.
Ikeda sensei disse, certa vez, que é natural acontecerem situações de conflitos por diferença de opiniões e que a chave está em nosso comportamento nesses momentos:
Seres humanos dificilmente olham para si próprios. Suponhamos que exista uma organização na qual as pessoas não conseguem se unir e o kosen-rufu da localidade segue vagarosamente. Ao questionarem alguns líderes “Onde está a causa disso?”, geralmente levantam várias razões como “A culpa é de fulano”; “A culpa é de sicrano”. Sem dúvida, pode ser que as pessoas apontadas sejam parte do problema, mas essas análises carecem de uma visão crítica a respeito de si mesmos. Não é porque o outro está errado que você está certo. Contudo, ninguém pensa: “A responsabilidade é minha. A culpa é toda minha”. Ou seja, seus olhos enxergam apenas o que está fora de si, e tanto os escritos de Nichiren Daishonin como as orientações da Soka Gakkai lhes servem apenas como critérios para avaliar e criticar os outros.6
No Estudo desta edição, como Ikeda sensei esclarece, justamente por sabermos que cada indivíduo possui suas preferências e antipatias é que devemos ser receptivos e tolerantes em relação ao próximo, “apoiar e ter consideração mútua, suprir as falhas uns dos outros e possibilitar que cada um tire o máximo proveito de suas habilidades, sempre visando ao grandioso e supremo objetivo do kosen-rufu”.7
Analisar o seu modo de vida
Seja no lar, na organização ou qualquer outro ambiente, aprendemos na filosofia budista que qualquer transformação começa por avaliar o próprio modo de vida.
Nas situações apresentadas, fica claro que o comportamento de cada pessoa é o que cria ou não ambientes harmoniosos.
O que cria a harmonia é:
- Ser receptivo e tolerante.
- Agir com serenidade.
- Promover o incentivo mútuo.
- Envolver o outro com um coração grandioso.
- Suprir as falhas uns dos outros.
- Possibilitar que cada um tire o máximo proveito de suas habilidades.
O que destrói a harmonia é:
- Apontar culpados.
- Ficar irado.
- Enxergar apenas seu exterior.
- Avaliar e criticar os outros.
Compositores da sinfonia da paz
Nossa missão é transformar a vida das pessoas, edificar a paz e a harmonia neste mundo conturbado.
Ikeda sensei afirma:
Como devem saber, em uma orquestra, muitos instrumentos diferentes — cada qual produzindo diversos sons e ritmos juntos — criam música. Se a orquestra carecer de apenas um deles, a sinfonia estaria incompleta. Cada instrumento tem sua missão preciosa. O mesmo se aplica às pessoas.
O kosen-rufu é, especialmente, o esforço de unir o coração das pessoas (...), extraindo o que há de melhor em cada uma e criando uma grande sinfonia da paz.8
Como compositores da sinfonia da paz, a partir dos ensinamentos do nosso mestre, vamos repassar, de nota a nota musical, em todos os compassos, para fazer ressoar à nossa volta, com nosso comportamento, a mais bela melodia da harmonia.
No topo: Orquestra Filarmônica Brasileira do Humanismo Ikeda apresenta Concerto para a Paz. A Sala São Paulo, renomado espaço, tem suas pilastras iluminadas pelas cores da bandeira da Soka Gakkai (São Paulo, out. 2019). Foto: Brasil Seikyo
Notas:
1. Cf. RDez, ed. 176, 6 ago. 2016, p. 6-9.
2. Terceira Civilização, ed. 673, set. 2024, p. 60.
3. IKEDA, Daisaku. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 5, p. 88-90, 2019.
4. IKEDA, Daisaku. Ensaio sobre as Mulheres. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2024. p. 51-52.
5. Ibidem, p. 52.
6. IKEDA, Daisaku. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 29, p. 141-142, 2021.
7. Terceira Civilização, ed. 673, set. 2024, p. 59.
8. RDez, ed. 199, 7 jul. 2018, p. 6-10.
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