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Os encantos da Amazônia [Parte 2]

O astrônomo Ronaldo Mourão e o presidente Ikeda dialogam sobre os encantos da Amazônia e suas belezas naturais relacionando-os com princípios universais da vida, da natureza, do universo e do Budismo de Nichiren Daishonin

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11/10/2014

Os encantos da Amazônia [Parte 2]
Mourão: Gostaria de discorrer sobre o céu estrelado da Amazônia.

Ikeda: É um assunto interessante. Gostaria realmente de ouvi-lo. A propósito, o que ficou marcado em seu coração de astrônomo com relação à Amazônia?

Mourão: Tive a oportunidade de
assistir a um eclipse total do Sol no meio
da floresta. Logo que o céu começou a escurecer, teve início uma revoada de pássaros em direção aos seus ninhos. Em seguida, uma sinfonia de cantos e ruídos se fez ouvir como se anunciasse o crepúsculo e o fim do dia. É a natureza que se manifesta através de uma música que só cessou com o início da fase de totalidade do eclipse. Alguns minutos depois — justamente durante o intervalo de tempo em que o Sol esteve encoberto pelo disco lunar —, a natureza mergulhou no silêncio. Pareceu estar quieta para admirar aquele espetáculo do aparecimento da coroa solar. Subitamente, uma nova algazarra: as aves deslocaram-se, deixando seus ninhos. Era o renascer e o despertar da natureza. A vida na floresta assumiu de novo o seu esplendor logo que a luz do sol começou a retomar os céus. Era como se estivesse assistindo a uma indescritível sinfonia da vida.

Ikeda: Creio que se tornou certamente uma rara e preciosa experiência.

Mourão: Os encantos da Amazônia são infindáveis. A beleza do céu estrelado é especialmente encantadora.

Ikeda: Tive a oportunidade de conversar com o famoso poe­ta amazônico Thiago de Mello. Ele nos apoia como diretor honorário do Cepeam. Ele nasceu em Barreirinha, no interior do estado do Amazonas, e descreve a lembrança do céu estrelado que contemplou quando jovem: “Noite na Amazônia. Céu repleto de estrelas. Como um espelho límpido, elas refletem nas águas negras do Amazonas. Estrelas no céu, estrelas na água. No meio delas, bailam vaga-lumes. Centenas de milhares de ‘estrelas terrestres’ bailam exibindo seu brilho”. O poeta disse-me que realmente foi uma cena inesquecível.

É verdade que na Amazônia é possível observar satélites artificiais a olho nu?

Mourão: Sim, é possível. A observação do céu estrelado na região amazônica é algo indizível em virtude do brilho das estrelas que parecem brilhantes incrustados na abóbada azul-escura. Isso torna possível distinguir as estrelas dos satélites artificiais e das estrelas cadentes — autênticas lágrimas estelares — e, junto ao solo, o voo luminoso dos vaga-lumes — verdadeiras estrelas móveis que iluminam o interior da floresta.

Ikeda: Parece até uma cena de um conto de fantasias. As expressões “lágrimas estelares” e “estrelas móveis que iluminam o interior da floresta” são realmen­te maravilhosas.

Mourão: A noite de magia da Amazônia deu origem às lendas indígenas. Quanto mais as estudamos, maior se torna o nosso sentimento de admiração e respeito em relação às mentes desses povos. Como não possuíam uma escrita que permitisse perpetuar as suas ideias, quase tudo o que conhecemos foi transmitido nas noites estreladas junto às praias ou nas clareiras, próximo às suas cabanas, pelos velhos índios que, colocados no centro, acabavam rodeados pelos mais jovens que os escutavam. A maioria desses relatos tem um caráter mais poético-mitológico do que astronômico.

Ikeda: Entendo. Quando estive no Brasil, ouvi um folclore sobre a vitória-régia cuja folha chega a ter 2 metros de diâmetro.

Mourão: Conheço esse conto indígena. Dizem que a flor branca da vitória-régia, que só se abre à noite, representa o renascer de uma jovem índia que queria ser transformada em estrela pela Lua. É uma flor que chega a ter 20 cm de diâmetro e é chamada também “estrela d’água”.

Ikeda: Contaram-me esse folclore quando vi a vitória-régia pela primeira vez, em 1993, no parque ecológico do Centro Cultural Campestre da BSGI, localizado no subúrbio do município de Itapevi, no estado de São Paulo. Era uma vitória-régia com cerca de 1 metro de diâme­tro que resplandecia sob os raios solares. Lembro-me dela nitidamente ainda hoje. De toda forma, é interessante essa relação que os índios criaram entre a Lua e a vitória-régia. Os antigos egípcios fizeram a relação entre o Sol e o lótus, da mesma família da vitória-régia. Dizem também que as pessoas do antigo Oriente consideravam o lótus como “sol da terra” e o Sol como “lótus do céu”.

O lótus é uma planta que produz a flor e o fruto ao mesmo tempo. Sua flor simboliza a pureza que não é manchada pelo pântano onde o lótus cresce. “O Sutra do Lótus é como o Sol, a Lua e o lótus” — consta assim definido no budismo. Em uma explicação simplificada, essa definição quer dizer que o Sutra do Lótus é um supremo ensinamento que ilumina tudo tal como o Sol e a Lua, e tão puro como o lótus.

Mourão: É uma analogia interessante que transmite profundos princípios filosóficos do budismo. No som e no ritmo da recitação do Nam-myoho-renge-kyo, sinto que existe uma energia básica e criativa do universo.

Para os índios, as estrelas que se espalham pela abóbada celeste constituíam uma réplica do que ocorre nas matas, onde as árvores parecem envolver os rios ou caminhos no interior das imensas florestas terrestres. Assim, o céu seria na imaginação uma enorme floresta cósmica. Na estrutura mental deles, encontramos a tendência de procurar transpor para o céu a flora e a fauna que constituíam o seu conhecimento ou acervo cultural. Alguns denominavam a Via Láctea de Tainá-titire (caminho das estrelas), enquanto para outros era Rroria-ciú-rôrô (imenso caminho).

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