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Diálogo Sobre a Filosofia Budista
Por que os obstáculos e as maldades tentam impedir a prática budista
Diálogo Sobre Religião Humanística
TC
[12] Exílio na Ilha de Sado
O estabelecimento de uma grande religião para transformar o carma
01/09/2004
![[12] Exílio na Ilha de Sado](https://meubs.com.br/assets/images/meubs/no-image-16.jpg)
Presidente da SGI, Daisaku Ikeda: Parece que os meses mais frios do ano se foram, e agora aguardamos a chegada da primavera. Sob os cálidos raios do Sol, novos brotos crescem profusamente nas árvores e a paisagem ganha cores mais vivas. A natureza não cessa seu movimento por um instante sequer. Lenta, mas continuamente, a primavera se aproxima cada vez mais. É exatamente como Nitiren Daishonin afirma: “O inverno nunca falha em se tornar primavera.” (The Writings of Nichiren Daishonin [WND], pág. 536.) Em breve, as flores primaveris irão desabrochar novamente.
Masaaki Morinaka: Em Okinawa (no extremo sul do Japão) as flores de cerejeira desabrocharam cedo, no início de fevereiro, e essa onda de florescimento está se estendendo para o norte no arquipélago japonês.
Pres. Ikeda: É verdade. Meu mestre Jossei Toda, segundo presidente da Soka Gakkai, gostava muito das flores de cerejeira. Uma vez, quando seus negócios passavam pelo pior momento, ele me disse profundamente emocionado: “Veja como essas cerejeiras florescem novamente depois de terem suportado o rigoroso frio do inverno!” Ainda hoje me lembro vividamente de suas palavras.
As cerejeiras florescem com tanta beleza porque resistem ao extremo rigor do inverno. O mesmo se aplica à vida humana. A vida é uma sucessão de mudanças. É preciso travar uma luta incessante — enquanto observamos, aguardamos e criamos o tempo. Por meio do acúmulo de esforços, podemos fazer com que as “flores da vitória” desabrochem plenamente em nossa vida.
Katsuji Saito: Em outras palavras, cada momento é uma batalha. Lembro-me dos versos de um poema que o senhor compôs: “Destruição — uma questão de instantes. / Construção — uma luta até a morte.”1 O budismo ensina a importância de vivermos com o espírito de avançar continuamente.
Pres. Ikeda: O presidente Toda costumava dizer: “Não se pode realizar um trabalho com perfeição sem despender duzentas ou trezentas vezes mais esforço do que de costume.” Acredito que isso se aplica a todos os aspectos da vida e significa agir com ânimo e convicção, sem negligenciar nada, bem como dedicarmo-nos de corpo e alma às tarefas imediatas. A vitória se encontra nesse esforço contínuo. Sem isso, não podemos desenvolver uma vida realmente grandiosa.
Daishonin diz: “O coração é o que importa.” (WND, pág. 1000.) Ele também nos ensina: “A mente e o corpo de uma pessoa em um único momento compreende todo o mundo fenomenal.” (WND, pág. 366.) E diz ainda: “O domínio do ambiente também surge dessa única Lei da vida.” (Gosho Zenshu, pág. 563.) Essa é a essência do budismo. Portanto, é importante que tenhamos a disposição de nos empenhar e desafiar a nós próprios continuamente. A vitória se revelará conforme a intensidade com que mantemos essa convicção.
Morinaka: O povo japonês tende a pensar na religião como um reino espiritual isolado, que se retrai ao enfrentar a realidade. Mas o Budismo de Nitiren Daishonin é diferente. Seu propósito fundamental como religião é mudar a realidade.
Pres. Ikeda: Tsunessaburo Makiguti, o primeiro presidente da Soka Gakkai, perguntou: “Qual é a razão de ser, ou qual a função social de uma religião, senão servir à felicidade da humanidade e fazer do mundo um lugar melhor?” E o presidente Toda afirmava: “Devemos nos empenhar em conduzir à iluminação todos aqueles que estão mergulhados em grande sofrimento.”
Transformando a nossa vida, transformamos a sociedade. Esse é o verdadeiro caminho da fé. Isso requer esforços contínuos e compenetrados em meio à realidade. Nosso estado de vida se desenvolverá proporcionalmente a nossos esforços.
Saito: Essa foi a batalha espiritual que Nitiren Daishonin conduziu enquanto suportava todos os tipos de perseguições. Acredito que Daishonin demonstra um estado de vida de autêntica liberdade que expressa a grandiosidade do ser humano e que comprova que não há corrente capaz de prender o espírito humano, que é infinitamente nobre.
Pres. Ikeda: A luta que Daishonin travou na Ilha de Sado foi uma batalha de palavras. Durante o exílio, ele escreveu muitas teses e cartas. Podemos concluir que essa luta para expressar suas idéias por escrito teve dois propósitos: o estabelecimento da base doutrinal de seu ensino e a reorganização da comunidade de seus seguidores. Esses dois objetivos baseavam-se em sua visão de Kossen-rufu, a propagação de seu ensino nos mais de dez mil anos dos Últimos Dias da Lei.
Morinaka: Com relação ao estabelecimento da base doutrinal de seu ensino, podemos compreender a a importância dessa ação em seus escritos “Abertura dos olhos” e “O objeto de devoção para a observação da mente,”2 que esclarecem o significado do objeto de devoção. Isso é algo que já discutimos em detalhes anteriormente.3
Pres. Ikeda: Enquanto esteve exilado em Sado, Daishonin expôs sua filosofia enfocando a prática (o Chakubuku ou refutação do apego aos ensinos errôneos) e o Kossen-rufu (ampla propagação da Lei para o futuro). Mas este é um tema que trataremos em uma outra ocasião.
Com o desejo de reerguer a comunidade de seguidores, Daishonin escreveu um grande número de cartas de encorajamento. Por outro lado, um punhado de seguidores fizeram a longa e árdua viagem para visitá-lo em Sado. Por meio desses intercâmbios entre mestre e discípulo, Daishonin procurou transmitir seu espírito destemido — o “coração do rei-leão”. Ele explicou que aqueles que o perseguiam eram a personificação da predição do Sutra de Lótus de que “Demônios se apossarão dos outros”4 (WND, pág. 303.), e revelou o significado das perseguições à luz do budismo. Por isso, seus seguidores foram capazes de se desenvolver como pessoas de forte fé, triunfando sobre as perseguições e, uma vez mais, iniciar a correnteza do Kossen-rufu nos Últimos Dias da Lei.
Saito: Nesta oportunidade, gostaria de solicitar-lhe que fale sobre o princípio de transformação do carma, que Daishonin expôs com muita ênfase nesse momento de sua vida.
“Os sofrimentos do Inferno desaparecerão num instante”
Pres. Ikeda: A transformação do carma é um dos ensinos que substanciam o humanismo do Budismo de Nitiren Daishonin. Ele expôs esse princípio durante o exílio na Ilha de Sado porque muitos de seus dedicados seguidores começaram repentinamente a sofrer uma terrível repressão. Por sentir o sofrimento dessas pessoas como se fosse o seu próprio, Daishonin explicou por que deviam enfrentar esses obstáculos como budistas. Desse modo, ele enfocou a questão do carma como a fonte do sofrimento. De fato, o princípio da transformação cármica ensinado por Daishonin é, em essência, idêntico a dois outros conceitos que analisamos anteriormente nesta série: “os obstáculos conduzem à iluminação” e “as perseguições conduzem ao estado de Buda”.5
Saito: “As perseguições conduzem ao estado de Buda” significa que, quando superamos adversidades e perseguições evidenciando nosso estado de Buda inerente, podemos fortalecer nossa vida e atingir a iluminação nesta existência.
Pres. Ikeda: A doutrina de Daishonin sobre a transformação do carma está centrada nos sofrimentos da vida e revela o princípio da realização da nossa transformação interior.
Ele inicia explicando o princípio de “amenização do efeito cármico” que consta no Sutra do Nirvana e que significa receber um efeito leve por um carma negativo pesado. Daishonin esclarece este ensino pela primeira vez na carta “Amenizar o efeito cármico”, escrita enquanto estava preso em Eti [em outubro de 1271], menos de um mês depois da Perseguição de Tatsunokuti. A carta foi endereçada a Ota Saemon-no-jo, ao sacerdote leigo Soya Kyoshin e a Ponte do Darma Kimbara.6
Morinaka: Nessa carta, Daishonin diz: “O Sutra do Nirvana ensina o princípio de amenizar o efeito cármico. Se o mau carma do passado não for expiado nesta existência, a pessoa terá de suportar os sofrimentos do Inferno no futuro. Mas, se ela passar por grandes dificuldades nesta vida [pelo bem do Sutra de Lótus], os sofrimentos do Inferno desaparecerão num instante. E quando morrer, obterá os benefícios dos mundos humano e celestial, bem como os dos três veículos e do veículo único.”7 (WND, pág. 199.)
Saito: Os ideogramas japoneses para o termo “amenizar o efeito cármico”, tenju kyoju, significam literalmente “transformar o efeito pesado e recebê-lo mais leve”. Nessa frase, a palavra “pesado” indica o carma negativo acumulado por incontáveis kalpas. O princípio de amenizar o efeito cármico significa que, ao lutar com um efeito cármico relativamente amenizado nesta existência, podemos expiar o carma pesado que comumente iria nos afetar adversamente não só nesta existência mas nas próximas também.
Pres. Ikeda: “Os sofrimentos do Inferno desaparecerão num instante”, diz Daishonin. Este é um ponto importante. Ele também cita o benefício de atingir o estado de Buda, outro ponto-chave. Isto significa que os sofrimentos que experimentamos quando enfrentamos grandes obstáculos pelo bem do budismo são adversidades menores que devemos suportar para erradicarmos rapidamente os sofrimentos do estado de Inferno que, de outro modo, perdurariam indefinidamente. Portanto, encontrar tais obstáculos nos conduz ao estado de Buda. Este é o princípio da transformação cármica ensinado por Daishonin.
Na Soka Gakkai, uma organização que atua de acordo com o decreto e o desejo do Buda, há centenas de milhares de pessoas — não, milhões de pessoas — que enfrentaram seus próprios sofrimentos com forte fé, e que experimentaram uma profunda revitalização quando seus sofrimentos “desapareceram num instante”. Na verdade, o poder do Budismo de Nitiren Daishonin de transformar o carma tem sido comprovado por relatos verídicos de aproximadamente dez milhões de pessoas.
Morinaka: Às vezes as pessoas questionam se faz sentido, em termos da lei de causa e feito, dizer que que o carma “desaparece”, já que o carma, bom ou mau, é algo que se acumula continuamente em nossa vida.
Pres. Ikeda: Consideremos a questão passo a passo. Por que não começamos confirmando o significado preciso de carma, e então seguimos adiante?
Saito: A palavra “carma” deriva do sânscrito “karma” e significa “ato” ou “ação”; como conceito, aparece originalmente no antigo pensamento indiano. Quando o budismo foi transmitido para a China, esta palavra foi traduzida utilizando-se o ideograma chinês ye (go, em japonês), que significa “ato” no sentido de realização ou resultado.
Morinaka: Parece que na Índia antiga as pessoas acreditavam que as circunstâncias do renascimento eram determinadas pelos atos bons e maus de cada uma, ou seja, por seu carma.
Pres. Ikeda: O termo “carma” originalmente se referia tanto aos atos bons como maus. Mas, ao longo do tempo, passou a aplicar-se de maneira generalizada no sentido negativo.
Saito: Talvez seja porque as pessoas têm mais dificuldade de esquecer os acontecimentos dolorosos. Dessa forma, a transformação do carma negativo tornou-se um dos temas religiosos mais importantes.
Pres. Ikeda: Para as pessoas dos dias de hoje, o conceito de carma pode ser mais facilmente entendido se o substituirmos por “destino” ou “sorte”.
Pode a sorte ser mudada? Pode o destino de um país, de uma pessoa ou da humanidade, ser alterado? Este é um tema extremamente importante, não somente para a religião e a filosofia, mas também para a arte e a literatura.
Morinaka: A palavra “destino” faz-me lembrar da Quinta Sinfonia de Beethoven, também conhecida como sinfonia do “Destino” ou da “Sorte”. Sei que o senhor sempre a ouvia quando era jovem.
Pres. Ikeda: Sentando em meu minúsculo apartamento em Omori, Tóquio, eu ouvia o disco “até furar”. Só que agora dei-me conta de que a expressão “furar o disco” não significa nada para os jovens de hoje que não estão familiarizados com os discos de vinil!
Não importa quantas vezes eu ouvia a Quinta Sinfonia de Beethoven, sempre ficava profundamente emocionado por seus acordes agitados, que aos meus ouvidos soavam como uma tempestade implácavel açoitando a porta. Esta peça reflete a própria luta de Beethoven contra o destino. Enquanto ele combatia a dificuldade da surdez, compôs obras musicais brilhantes.
A Quinta Sinfonia de Beethoven vibra com o espírito heróico de enfrentar as dificuldades direta e resolutamente. Dizem que o famoso escritor russo Leon Tolstoi sentia-se encorajado toda vez que ouvia esta sinfonia. Minha reação era a mesma. Talvez pudéssemos pensar na Quinta Sinfonia de Beethoven como uma “sinfonia da transformação do carma”. Em contraste, a Nona Sinfonia de Beethoven (que inclui a seção de coral, “Ode à Alegria”) poderia ser descrita como um “hino ao triunfo do espírito humano”.
Saito: Como o senhor sugeriu, a idéia de mudar o destino ou a sorte de uma pessoa pode representar o desejo universal de todas as pessoas. Podemos supor que todos os movimentos filosóficos e religiosos, incluindo aqui as grandes religiões mundiais, resultaram dos esforços para tratar dessa questão.
Morinaka: Entretanto, hoje, mais e mais pessoas têm dificuldade de aceitar a idéia de que algum poder superior ou divindade controla seu destino. Isto acontece porque, quanto mais absoluto for o conceito de que um poder superior ou divindade controla o destino, mais passivas as pessoas se tornarão e mais insignificante parecerá sua vida.
Na Índia antiga, antes do advento do budismo, a idéia do carma era igualmente vista como absoluta, a ponto de acreditarem que as pessoas poderiam se libertar do ciclo de renascimento produzido pelo carma somente por meio de rituais religiosos executados pelo clero.
Pres. Ikeda: Esta pode ter sido uma razão importante para o subseqüente florescimento do budismo. O budismo libertou as pessoas dessa visão absolutista do carma ou destino, e enfatizou o poder do livre-arbítrio. Ensinou que tanto a formação como a libertação desse carma dependiam exclusivamente da vontade e dos atos da pessoas. Por isso, o budismo é conhecido como o “caminho interior” [em oposição ao “caminho exterior”, um termo usado para designar os ensinos não-budistas].
Deixemos para uma outra ocasião a análise detalhada desse tópico. No momento, digamos que há uma progressão sistemática do superficial ao profundo no conceito da “comparação quíntupla”,8 por meio da qual a verdadeira causa para atingir o estado de Buda é esclarecida. Esta pode ser vista também como a progressão dos ensinos que oferecem ao indivíduo uma margem de liberdade cada vez maior com relação às correntes do carma. Em síntese, o Sutra de Lótus é o ensino que liberta as pessoas fundamentalmente das amarras do destino por defender que todas as pessoas possuem a natureza de Buda inerentemente.
Este é o ponto-chave deste nosso diálogo. Quando entendemos que a causalidade pregada nos ensinos pré-Sutra de Lótus é incorreta e compreendemos a doutrina da transformação cármica exposta no Sutra de Lótus, conseguimos enxergar claramente o poder benéfico do Budismo de Nitiren Daishonin com relação a esse princípio. Portanto, vamos nos ater especificamente ao que o Sutra de Lótus ensina sobre este tema.
A erradicação das ofensas passadas do Bodhisattva Jamais Desprezar
Saito: Sendo assim, gostaria de retomar a escritura “Amenizar o efeito cármico”. Depois de explicar esse princípio, Daishonin analisa a história do Bodhisattva Jamais Desprezar, mencionada no Sutra de Lótus. Ele diz: “O Bodhisattva Jamais Desprezar não foi insultado e caluniado, apedrejado e agredido com bastões sem uma devida razão. Provavelmente ele caluniou o ensino correto no passado. A frase ‘quando suas ofensas foram expiadas”9 indica que, por ter sofrido perseguições, o Bodhisattva Jamais Desprezar foi capaz de erradicar suas ofensas de existências anteriores.” (WND, pág. 199.)
Morinaka: O Bodhisattva Jamais Desprezar praticou a filosofia essencial do Sutra de Lótus: todas as pessoas possuem a natureza do Buda. Ele respeitava todas as pessoas igualmente, saudando-as recitando o Sutra de Lótus de Vinte e Quatro Caracteres,10 que expressa esta verdade. Entretanto, nessa época monges e monjas, leigos e leigas perversos atacavam o Bodhisattva Jamais Desprezar com varas, bastões, telhas e pedras. Apesar disso, ele não se deixou intimidar e, como resultado, obteve o benefício da purificação dos seis órgãos sensoriais,11 prolongou sua vida por “duzentos e dez milhões de nayuta de anos” e continuou a pregar amplamente o Sutra de Lótus. Sakyamuni identifica o Bodhisattva Jamais Desprezar como ele mesmo em uma existência passada.12
Saito: O 20o capítulo do Sutra de Lótus, “Bodhisattva Jamais Desprezar”, explica que a pessoa que propaga a Lei depois da morte do Buda obterá o benefício da purificação dos seis órgãos sensoriais, e que aqueles que perseguirem tais pessoas receberão graves efeitos por suas ofensas.
O Sutra de Lótus ensina que, por ter suportado as perseguições, o Bodhisattva Jamais Desprezar erradicou suas próprias ofensas do passado e obteve o benefício da purificação dos seis sentidos. Este é o significado da frase do Sutra “quando suas ofensas foram expiadas”. (The Lotus Sutra [LS], pág. 270.)
Pres. Ikeda: Após a Perseguição de Tatsunokuti, Daishonin — enquanto esteve detido em Eti e depois exilado em Sado — enfatizou em especial os obstáculos enfrentados pelo Bodhisattva Jamais Desprezar. Em “Carta de Teradomari,” que ele escreveu durante sua estada na vila portuária de Teradomari, de onde um barco iria levá-lo para a Ilha de Sado, Daishonin enfatizou: “O Sutra de Lótus concorda com o tipo de prática empregado por todos os budas das três existências — passado, presente e futuro. Os acontecimentos do passado descritos no capítulo ‘Bodhisattva Jamais Desprezar’ são os que hoje estou vivendo, assim como predito no capítulo ‘Devoção Encorajadora’. Desse modo, o presente predito no capítulo ‘Devoção Encorajadora’ corresponde ao passado do capítulo ‘Bodhisattva Jamais Desprezar’. O capítulo ‘Devoção Encorajadora’ do presente será o capítulo ‘Bodhisattva Jamais Desprezar’ do futuro, e, nessa época, eu, Nitiren, serei o Bodhisattva Jamais Desprezar.” (WND, pág. 209.)
Este é um trecho muito importante. O Sutra de Lótus afirma que a propagação da Lei budista ocorre nas três existências do passado, presente e futuro. Revela, como princípio universal, que aqueles que propagam a Lei budista enfrentarão infalivelmente grandes perseguições. É isso que podemos interpretar da passagem que acabei de citar.
Daishonin também afirma que quando a cerimônia do Sutra de Lótus é transportada para o presente, o protagonista dessa cerimônia não é outro senão o próprio Nitiren Daishonin.
Saito: “Os acontecimentos do passado descritos no capítulo ‘Bodhisattva Jamais Desprezar’” referem-se à prática de Sakyamuni em uma existência prévia como Bodhisattva Jamais Desprezar, enquanto o capítulo “Devoção Encorajadora” do presente indica a luta de Nitiren Daishonin contra os três poderosos inimigos13 nos Últimos Dias da Lei.
Estas palavras nos transmitem o grandioso espírito de Daishonin. É como se ele nos dissesse: “Sou eu que tenho provocado o surgimento dos três poderosos inimigos descritos na estrofe de vinte versos do capítulo ‘Devoção Encorajadora’. Dessa maneira, realizo no presente a mesma luta empreendida pelo Bodhisattva Jamais Desprezar para reverenciar a todos. As pessoas de épocas futuras compreenderão que eu sou igual ao Bodhisattva Jamais Desprezar.”
Pres. Ikeda: Daishonin considera a prática do Bodhisattva Jamais Desprezar descrita no sutra como algo inseparável de sua própria prática. Desse modo, ele ensina a seus seguidores que ao enfrentarem grandes perseguições, poderão expiar as ofensas das existências passadas.
Por ter lido todos os 28 capítulos do Sutra de Lótus com a própria vida, Daishonin fala de sua possibilidade de atingir a iluminação: “Estou mais confiante do que nunca.” (WND, pág. 200.) Não há dúvida de que alguém que encontra grandes perseguições exatamente como descritas no sutra atingirá o estado de Buda. A frase “Estou mais confiante do que nunca” é dirigida a seus discípulos que o seguiam e que, por isso, também eram alvo de perseguições. Mediante seu próprio exemplo, enquanto enfrentava todos os tipos de perseguições, Daishonin transmitiu a seus seguidores a certeza de que todos eles atingiriam a iluminação.
Morinaka: Ao enfrentarem uma severa perseguição, é natural que as pessoas recebam palavras de consolo. É realmente admirável que Daishonin, em uma situação como essa, em vez de consolo, tenha declarado corajosamente: “Estou mais confiante do que nunca.”
Pres. Ikeda: A visão do Sutra de Lótus sobre “expiar as ofensas” difere fundamentalmente daquela dos ensinos pré-Sutra de Lótus.
Havíamos dito que o reconhecimento do livre arbítrio é uma das características mais distintas do conceito budista de carma. Entretanto, não se pode negar que, ao longo dos séculos, depois da morte de Sakyamuni, essa base primordial foi sendo esquecida, e o que passou a predominar foi uma idéia mais determinista do carma. Por exemplo, era dito para as pessoas que elas vinham acumulando um número incalculável de faltas e más ações de suas existências passadas até o presente. Isso, naturalmente, fazia com que se sentissem impotentes, sem esperanças, incapazes de erradicar um carma tão pesado.
Saito: Presume-se, nesse caso, que seja impossível transformar e erradicar todas as causas ou carma negativo que acumulamos ao longo de muitos kalpas, e que o máximo que podemos esperar é reduzir pelo menos uma pequena parcela desse saldo negativo que carregamos conosco, nas profundezas de nossa vida. Mas, enquanto isso, no decorrer dos dias, continuamos a acumular mais carma negativo decorrente de nossas ações e, presos a esse ciclo, acabamos desenvolvendo uma mentalidade pessimista e impotente.
Pres. Ikeda: A essência do budismo está em ver o carma como responsabilidade de cada pessoa. Esse é o significado de “caminho interior”. Mas os ensinos provisórios ou pré-Sutra de Lótus interpretaram este princípio de forma equivocada.
Morinaka: Pergunto se, em parte, não teria sido por causa da intervenção de alguns clérigos corruptos. Em muitos casos, eles declaravam que as pessoas eram prisioneiras de seu carma e que somente o clero poderia erradicar seus maus atos do passado. Eles usavam sua autoridade religiosa como um instrumento de intimidação. Esses sacerdotes enfatizavam que o ser humano era uma criatura pecadora por natureza. Mas, na realidade, eram eles próprios os maiores pecadores que poderia haver.
Pres. Ikeda: O Budismo de Nitiren Daishonin opõem-se às tendências desses ensinos errôneos. Ensina que podemos transformar nosso carma completa e definitivamente. Esta é precisamente a razão de Daishonin ter enfocado a questão do carma.
Saito: É verdade. Se ele enfatizasse o carma e deixasse de revelar claramente que é algo que pode ser transformado, as pessoas não teriam outra escolha senão resignar-se ou permanecerem passivas ante os aspectos mais profundos de seu carma.
Abrir os olhos para a grandiosidade da própria vida
Pres. Ikeda: O que liberta as pessoas de seu carma ou destino é a clara revelação de que é possível transformá-lo. O budismo explica o carma para mostrar como transformá-lo. Em outras palavras, sustentar a doutrina do carma sem esclarecer devidamente a forma de transformá-lo é interpretar o budismo de maneira equivocada. Esses ensinos só contribuem para que as pessoas continuem prisioneiras dos grilhões do carma.
Outra característica distinta do Budismo de Nitiren Daishonin com relação ao carma é seu foco intenso e rigoroso no indivíduo ou no “eu”. Ensina que cada um deve refletir profundamente sobre seu carma e esforçar-se para mudá-lo, empregando o poder da Lei que todos possuem inerentemente.
Morinaka: Sendo assim, para mudar nosso carma precisamos manter os olhos fixos em nossa própria vida.
Pres. Ikeda: Correto. Quando enfrentamos nosso carma diretamente, podemos evidenciar nosso potencial para a iluminação. Ao sondarmos as profundezas da nossa vida, construímos o “palácio da nona consciência”,14 a “realidade imutável que prevalece sobre todas as demais funções da vida”. (WND, pág. 832.) Somente dessa maneira podemos purificar os seis sentidos e realizar nossa revolução humana, ou seja, desenvolver nossa humanidade.
Não limitamos também nossa atenção ao carma pessoal. Quando nos libertamos das amarras do carma, precisamos nos dedicar em ajudar outras pessoas que também estão sofrendo a fazerem o mesmo. Em última instância, precisamos prestar atenção à tarefa de transformar o carma de toda a humanidade. Este é o caminho para a iluminação de si próprio e a de outros.
Ao mesmo tempo em que nos empenhamos para transformar nosso próprio carma, ajudamos nossos amigos a transformarem o seu também. É para essa finalidade que existem as atividades da SGI. Este é o caminho fundamental e correto da prática budista.
Saito: É admirável ver a profundidade com que Daishonin refletia constantemente sobre seu próprio carma.
Morinaka: É uma postura totalmente oposta à auto-reflexão arrogante que muitos pseudo-intelectuais inclinam-se a tomar. Essas pessoas assim agem para manter a pose, para dar a impressão de que são grandes pensadores.
Pres. Ikeda: É importante enfrentar os problemas no momento em que surgem e examinar com seriedade a própria vida. Mas, se nesse processo nos fechamos ou nos isolamos das pessoas, ou ainda, se encaramos esse desafio com uma atitude parcial ou pouco comprometida, esse intento de auto-reflexão acabará sendo um exercício intelectual vazio.
Daishonin abrigava em seu coração o nobre desejo de libertar todas as pessoas dos sofrimentos. Por essa razão ele conseguia observar sua vida de maneira profunda e manifestar um estado espiritual supremo. Procurou ensinar a todos os seus discípulos — não, a toda a humanidade — o meio certeiro para transformarem seu carma.
Morinaka: Até que ponto Nitiren Daishonin refletiu sobre seu próprio carma? Ele deixou um registro de sua batalha espiritual na “Carta de Sado”,15 que escreveu um mês depois de “Abertura dos olhos”.
Saito: “Abertura dos olhos” constitui um chamado para reconhecer o grandioso espírito e o nobre estado de vida de Daishonin, ao passo que “Carta de Sado” é uma exortação a seus discípulos para que abrissem os olhos e se conscientizassem da grandiosidade deles próprios.
Morinaka: Em “Carta de Sado”, Daishonin examina seriamente sua própria vida, analisando a razão de ter de enfrentar perseguições e sofrimentos tão grandes. Ele chega à conclusão de que tudo isso era devido ao seu próprio carma.
Pres. Ikeda: Ele fez tudo isso pelo bem de seus discípulos, que estavam passando por grandes sofrimentos devido às perseguições. Ele queria forjar pessoas de força e caráter genuínos.
A época atual caracteriza-se por uma espiritualidade superficial e frívola. Essa futilidade do espírito exemplifica os Últimos Dias da Lei. Essa tendência, de acordo com muitos observadores, é particularmente notória no Japão dos dias de hoje.
A mensagem de Daishonin era: considerem o sofrimento ou a perseguição como uma oportunidade para crescerem e tornarem-se pessoas mais humanas. Quanto mais dificuldades encontramos, mais melhoramos como seres humanos. Esse é o modo de vida de um verdadeiro praticante do Budismo de Nitiren Daishonin.
Saito: Isso não se aplica unicamente aos sofrimentos e às perseguições enfrentadas em prol do budismo, mas também a quaisquer outras dificuldades que enfrentamos na vida. Poderíamos dizer que há duas formas de lidar com os sofrimentos da vida. Há pessoas que, ante os problemas, sentem frustração e raiva de tudo e de todos ao redor, e há aquelas que, em contraste, usam a situação para elevar seu espírito e crescer.
Pres. Ikeda: Por isso é extremamente importante o conceito e a prática da revolução humana ou transformação interna. Se negligenciarmos nosso crescimento como seres humanos, então quando enfrentarmos um grande obstáculo tenderemos à autocomiseração, à lamentação e ao ressentimento com todos ao nosso redor. Essa reação pode até ser tipicamente humana, mas, para impedir que isso ocorra, devemos fazer uma profunda auto-reflexão e desafiarmos continuamente visando ao nosso crescimento pessoal.
De que maneira, então, Daishonin fazia sua auto-reflexão? Analisemos uma outra passagem de “Carta de Sado”.
Morinaka: Ele próprio diz: “As perseguições que Daishonin tem enfrentado resultam do carma criado em existências passadas. No capítulo ‘Bodhisattva Jamais Desprezar’ consta a frase ‘quando suas ofensas foram expiadas’, indicando que o Bodhisattva Jamais Desprezar foi difamado e agredido por inúmeros caluniadores do ensino correto por causa de seu carma do passado. Isso se aplica ainda mais à vida de Nitiren, que nasceu em uma pobre e humilde família chandala.16 Em meu coração abrigo certa fé no Sutra de Lótus, mas, meu corpo, de aparência humana, é fundamentalmente o de um animal. Foi concebido de dois fluidos, um branco e outro vermelho, de um pai e uma mãe que se alimentavam de carne e peixe. Meu espírito habita este corpo, tal como a Lua refletida na água lamacenta, ou como o ouro guardado em um saco sujo. Como meu coração crê no Sutra de Lótus, não temo nem mesmo Brahma ou Shakra,17 mas meu corpo continua sendo o de um animal. Com essa disparidade entre meu corpo e minha mente, não é de admirar que os tolos me desprezem. Sem dúvida, quando comparada à minha forma física, minha mente resplandece como a Lua ou como o ouro.” (WND, pág. 303.)
Saito: Aqui, Daishonin diz que devido ao seu próprio carma teve de enfrentar perseguições tão severas. E, citando a frase que mencionamos anteriormente do capítulo “Bodhisattva Jamais Desprezar”, “quando suas ofensas foram expiadas”, Daishonin chega até mesmo a analisar seu próprio nascimento e sua posição social.
Pres. Ikeda: Ele sondou sua vida sem concessões.
Embora Daishonin declare “em meu coração abrigo certa fé no Sutra de Lótus”, naturalmente ele leu o sutra com todo o seu ser, com o corpo e a mente, leu os 28 capítulos com sua própria vida.
No final, ele afirma: “Quando comparada à minha forma física, minha mente resplandece como a Lua ou como o ouro.” Faz essa comparação precisamente porque seu corpo, “fundamentalmente o de um animal”, contrasta totalmente com seu coração ou mente, que “resplandece como a Lua ou como o ouro”.
Não obstante, ele reconhece a fragilidade e inconstância do coração humano, que faz com que as pessoas vivam embriagadas pela ilusão e sucumbam à atração da natureza maligna. O caminho para a transformação do carma implica em superar essa fraqueza interna, pois o coração possui tanto o lado fraco como o forte.
A fé nos possibilita desenvolver um espírito forte, inseparável da Lei Mística, e a extrair o ilimitado poder de nosso estado de Buda inerente. Eis por que Daishonin diz: “Como meu coração crê no Sutra de Lótus, não temo nem mesmo Brahma ou Shakra.”
Prosseguindo nesse processo de auto-reflexão, ele fala sobre suas existências passadas e aqui chegamos, finalmente, ao tema do carma.
Morinaka: Daishonin diz: “Quem poderia saber das calúnias que eu possivelmente cometi no passado? Talvez possua a alma do monge Intenção Superior18 ou o espírito de Mahadeva.19 Ou, então, seja descendente daqueles que insolentemente perseguiram o Bodhisattva Jamais Desprezar, ou esteja entre aqueles que se esqueceram das sementes da iluminação plantadas em sua vida.20 Posso ainda ter algum parentesco com as cinco mil pessoas arrogantes,21 ou então pertencer ao terceiro grupo [dos que não conseguiram tomar fé no Sutra de Lótus] nos dias do Buda Grande Excelência da Sabedoria Universal.22 É impossível sondar o carma de uma pessoa.” (WND, pág. 303.)
Saito: É surpreendente que ele se coloque entre aqueles que caluniaram os praticantes do Sutra de Lótus no passado. Isso mostra que o Budismo Nitiren não vê o bem e o mal como um simples dualismo, ambos os termos são inseparáveis; a escuridão ou a ignorância fundamental é indivisível da iluminação fundamental. Creio que por isso ele foi capaz de fazer semelhante declaração.
Pres. Ikeda: Daishonin diz: “É impossível sondar o carma de uma pessoa.” Isso revela seu interesse incessante pela vida humana com o propósito de conduzir todas as pessoas à iluminação. Não poderia haver benevolência maior pela vida dos seres humanos do que essa. Acredito que a profunda fé de Daishonin no potencial inerente das pessoas e sua profunda compreensão da fraqueza humana são a base de sua análise da natureza da vida. Todo o seu ser estava imbuído do profundo desejo de salvar, em um nível fundamental, seus seguidores de Kamakura que lutavam bravamente contra a opressão.
Conforme já dissemos antes, se Daishonin tivesse dedicado meras palavras de consolo a seus discípulos enquanto sofriam cruéis perseguições, ele não teria conseguido inspirá-los a se manterem firmes e a travarem uma batalha espiritual para mudar a situação.
É natural que, ao longo da prática budista, surjam dúvidas. O espírito do Budismo de Nitiren Daishonin é de questionar seriamente e buscar a verdadeira essência dos fenômenos e acontecimentos. Uma pessoa de fé genuína é aquela que, mesmo despojada de todos os atributos e adornos externos, possui em seu âmago uma convicção inabalável.
Saito: As funções malignas atuam de todas as formas para influenciar o coração das pessoas. Por exemplo, um sentimento superficial de realização pode levar à arrogância.
Pres. Ikeda: É verdade. Essa arrogância abre uma brecha para as funções malignas entrarem e agirem na vida de uma pessoa. Freqüentemente, os mais vulneráveis são os que superam uma grande dificuldade e depois declaram com arrogância que está tudo bem. Essas pessoas, muitas vezes, são extremamente fracas espiritualmente. Podemos observar que as pessoas humildes são mais fortes e menos propensas a serem influenciadas.
De toda forma, se analisarmos a atitude séria e rigorosa com que Daishonin refletia sobre sua própria vida, não poderíamos deixar de fazer o mesmo em nossas circunstâncias pessoais. As funções malignas jamais agem na vida daqueles que possuem um forte espírito e se esforçam para crescer dia após dia e mês após mês.
Morinaka: Daishonin difere totalmente de um mestre religioso que prega aos demais como se fosse um ser superior ou especial.
Pres. Ikeda: A chave está em compartilhar os sofrimentos das pessoas, como semelhantes, de igual para igual. Da mesma forma que Daishonin, devemos reconhecer que, no passado, podemos ter perseguido os devotos do Sutra de Lótus. Só então podemos começar a trabalhar, no sentido mais fundamental, para transformar o carma de toda a humanidade.
Saito: Se alguém dissesse algo como: “Você está sofrendo por causa de seu carma. Como eu não tenho nenhum carma, irei salvá-lo”, as pessoas se sentiriam indignadas ou ofendidas.
Pres. Ikeda: A grandiosidade da Soka Gakkai reside justamente na disposição de seus membros de compartilharem os sofrimentos dos outros. Muitos deles podem estar passando por sérios problemas e tentando transformar seu próprio carma, mas mesmo assim não poupam esforços para ajudar os outros a fazerem o mesmo também. É isto o que torna suas ações tão nobres.
Trata-se neste caso de pessoas comuns ajudando pessoas comuns, pessoas conduzindo outras à iluminação. Por esta razão, absolutamente nada pode quebrar os laços que unem os membros da Soka Gakkai.
Agora, voltemos à “Carta de Sado”. Por que Daishonin examina seu próprio carma tão minuciosamente? Em seguida ele esclarece suas razões.
Grandes perseguições são provações para expiar as ofensas passadas
Morinaka: Daishonin diz: “Quando forjado nas chamas, o ferro transforma-se em uma excelente espada. Sábios e veneráveis são postos à prova pelos insultos. Este meu exílio não se deve a nenhum crime secular. Seu único propósito é possibilitar-me expiar nesta existência minhas ofensas graves do passado e libertar-me dos três maus caminhos na próxima.” (WND, pág. 303.)
Pres. Ikeda: “Quando forjado nas chamas o ferro transforma-se em uma excelente espada.” Esta é a essência do princípio da transformação do carma no Budismo de Nitiren Daishonin. Assim como este exemplo, o propósito da fé e da religião é possibilitar-nos “forjar” nossa vida.
Nós não focalizamos nosso carma somente para saldar nosso “débito cármico” e fechar o balanço em zero. Nosso objetivo é transformar nossa “conta negativa” em um grande “saldo positivo”. Este é o princípio da transformação do carma no Budismo de Nitiren Daishonin. E é a natureza de Buda existente na vida de todas as pessoas que torna isso possível. O desafio de transformar o carma é sustentado pela firme fé em nossa própria natureza de Buda.
São os grandes sofrimentos que nos oferecem a oportunidade de forjar e temperar nossa vida. O momento de aprofundarmos e engrandecermos nossa humanidade ao máximo é quando a realidade se torna mais dolorosa.
A atitude de Daishonin em relação ao exílio em Sado, a maior perseguição que havia sofrido, pode ser resumida na declaração que ele mesmo faz [em “Abertura dos olhos”]: “Isto é o que irei declarar. Mesmo que os deuses me abandonem e que todos os tipos de perseguição recaiam sobre mim. Ainda assim, darei minha vida pela Lei.” (WND, pág. 280.) Daishonin afirma que, mesmo que o privem de tudo, mesmo que as funções protetoras o abandonem, ele continuará avançando serenamente pelo caminho de suas convicções. Nada pode abalar uma pessoa que se levanta com essa determinação. A fé nos possibilita edificar uma vida tal como uma fortaleza.
Dessa perspectiva, as grandes dificuldades representam uma oportunidade única para expiar nossas ofensas do passado e para estabelecermos o supremo estado de Buda em nossa vida.
Saito: Esta passagem de “Abertura dos olhos” também nos oferece uma reflexão sobre a relação entre um grande desejo ou juramento de um praticante e o seu carma.
Pres. Ikeda: É verdade. Daishonin, que baseou sua vida no grande desejo [de livrar todas as pessoas do sofrimento], diz: “Todas as demais atribulações nada mais são do que poeira ao vento.” (WND, pág. 280.) Visto a partir da perspectiva de uma vida baseada nesse grande desejo ou juramento, o carma que uma pessoa tem ou não tem deixa de ser importante. Isto porque por mais doloroso que seja o sofrimento ou o carma que a pessoa tenha de enfrentar, uma vez que dedica sua vida ao cumprimento de um grande desejo ou juramento, é capaz de suportar tudo.
Morinaka: Naturalmente, era difícil imaginar que Daishonin, depois de revelar um estado de vida tão extraordinário em “Abertura dos olhos”, estaria na verdade sofrendo com seu próprio carma um mês mais tarde.
Pres. Ikeda: Daishonin analisa seu carma em “Carta de Sado” somente para incentivar seus seguidores que estavam sofrendo em decorrência da perseguição. Mostrando seu próprio exemplo, ele lhes respondeu: “Este exato momento, em que resistem à perseguição, é sua oportunidade de erradicarem o carma do passado e estabelecerem o estado de Buda em sua vida.” Esta é a benevolência do Buda Original pela humanidade.
Morinaka: Mesmo sendo o Buda dos Últimos Dias da Lei, Daishonin ainda era um ser humano. E não há nenhum ser humano sem um carma originado em existências passadas.
As pessoas geralmente se perguntam: “Não é contraditório que ele tivesse um carma mesmo sendo o Buda Original?” Mas esse pensamento se baseia em uma falsa premissa.
Pres. Ikeda: Baseia-se na idéia de que o Buda é um ser especial, superior a todas as pessoas. Em oposição a isso, Nitiren Daishonin é o Buda que atingiu a iluminação como um ser humano comum”, ou seja, uma pessoa comum como qualquer outra, que manifestou o mais elevado estado de vida da forma exata como era.
Em termos de estado de Buda que existe inerente na vida, Daishonin pode ser descrito como “o Buda verdadeiro que surgiu neste mundo com a identidade de uma pessoa comum”.
Como qualquer outra pessoa, Daishonin experimentou os quatro sofrimentos da vida — nascimento, velhice, doença e morte. Na forma de uma pessoa comum, ele manifestou o imensurável estado de Buda. Revelar o estado de Buda não significa que uma pessoa mudará de forma ou adquirirá atributos especiais.
Como ser humano e, ainda, como uma pessoa orgulhosa de sua origem humilde, Daishonin demonstrou com sua própria vida que enfrentar grandes perseguições ou adversidades pelo bem da Lei representa o caminho para a transformação do carma. Esta é a sua verdadeira grandeza, a prova de que ele possuía as virtudes de soberano, mestre e pais para todas as pessoas dos Últimos Dias da Lei.
A “causalidade geral” e a “causalidade maior de se atingir o estado de Buda”
Saito: A partir dessa questão em “Carta de Sado”, Daishonin atribui seu próprio carma às “calúnias à Lei no passado”, dizendo: “O próprio Nitiren proferiu calúnias no passado. (...) Quão terríveis são as calúnias que Nitiren cometeu em suas existências passadas e no presente! Como os senhores nasceram neste país maligno e tornaram-se discípulos de uma pessoa assim, não há forma de dizer o que lhes ocorrerá.” (WND, pág. 304.)
Desse modo, ele revela o princípio da transformação do carma de acordo com o seu budismo.
Morinaka: Ele procede a essa explanação em duas etapas. Primeiro, Daishonin esboça o conceito da transformação cármica que consta nos ensinos pré-Sutra de Lótus. Depois, ele revela o princípio de transformação do carma exposto no Sutra de Lótus, e em seu próprio ensino em particular.
Daishonin começa citando a passagem do Sutra Parinirvana23 sobre o princípio da amenização do efeito cármico. Depois, cita os seguintes exemplos de retribuições dolorosas ou sofrimentos nesta vida: (1) ser desprezado, (2) possuir deformidade física, (3) carecer de vestimenta, (4) carecer de alimento, (5) buscar riqueza em vão, (6) nascer numa família pobre, (7) nascer em uma família com visões errôneas, e (8) ser perseguido pelo soberano. (WND, pág. 304.)
Saito: A distinção aqui apresentada é o conceito de “retribuição cármica”, ou o saldo de causas e efeitos. A idéia que predominava nesses sutras, conforme visto na passagem “Aquele que desrespeita o outro será desprezado” (WND, pág. 305), significa que se uma pessoa faz boas causas receberá efeitos positivos, e se ela comete más causas receberá efeitos negativos.
Pres. Ikeda: Daishonin também explana isso por meio desta metáfora: “Aquele que sobe uma montanha deve descer de alguma forma.” (WND, pág. 305.) Este é um modo comum de pensar no budismo. Em “Carta de Sado”, Nitiren Daishonin refere-se a este princípio como “causalidade geral”. (WND, pág. 305.)
Saito: A idéia de causalidade indicada aqui é que para cada caso de retribuição ou efeito recebido na existência presente, deve haver uma causa específica em uma existência passada. O princípio básico é claro, mas extremamente difícil de ser aplicado na realidade.
Se uma pessoa recebesse um determinado efeito por cada mau ato cometido no passado, o tempo que levaria para extinguir cada uma dessas causas ou mau carma acumulado seria incalculável. Entretanto, considerando-se a idéia da causalidade geral, tornar-se um buda somente seria possível ao longo de uma prática budista de incontáveis kalpas.
Pres. Ikeda: Daishonin diz: “Geralmente, estes sofrimentos aparecem um de cada vez, ao longo do futuro ilimitado.” (WND, pág. 305.) Mas esta é a limitação da causalidade exposta nos ensinos provisórios pré-Sutra de Lótus. Mesmo que uma pessoa tente erradicar seu carma negativo durante um período de tempo extremamente longo, há o risco de acumular novas causas negativas neste ínterim.
Em análise final, se aceitamos a idéia da causalidade geral, ou o balanço de causas e efeitos, o princípio da transformação cármica continuará sendo sempre inatingível. Daishonin também indica claramente que seu ensino não se baseia nesse tipo de causalidade.
Morinaka: Sim. Ele diz: “Meus sofrimentos, entretanto, não se atribuem a esta lei causal. No passado, desprezei os devotos do Sutra de Lótus. Ridicularizei também o próprio sutra, algumas vezes elogiando-o exageradamente e outras falando dele com desdém — justamente o ensino tão magnificente como duas luas brilhando lado a lado, como duas estrelas unidas, como um Monte Hua24 colocado sobre um outro ou como duas jóias combinadas. Este é o motivo pelo qual tenho experimentado os oito tipos de sofrimento mencionados anteriormente [expostos no sutra Parinirvana].” (WND, pág. 305.)
Saito: Em “Carta de Sado”, Daishonin diz que caluniar o Sutra de Lótus é a ofensa mais grave e fundamental.
Pres. Ikeda: Na essência desse ato contra a Lei está a incredulidade, a descrença na existência da natureza de Buda em si mesmo e em outras pessoas. Essa descrença é o que fundamentalmente impede a manifestação do estado de Buda em nossa vida. É também a causa primordial de muitos tipos de carma negativo. Erradicar essa incredulidade e fazer surgir o estado de Buda representa uma causalidade mais profunda, que nos torna possível transformar nosso carma.
Saito: Com base no conceito dos Dez Mundos, isso representa manifestar o estado de Buda, enquanto, em termos de doutrina das nove consciências, representa manifestar a nona consciência.
Pres. Ikeda: O carma negativo é abarcado pelo mundo do estado de Buda e purificado pelo seu poder. Usando uma analogia, o surgimento do estado de Buda é como o nascer do Sol. Quando o Sol desponta no leste, as estrelas que até então brilhavam intensamente no céu noturno, em questão de instantes, desaparecem, como se não tivessem existido.
Morinaka: As estrelas no céu simplesmente tornam-se invisíveis. Mas isso não significa que tenham deixado de existir.
Pres. Ikeda: Correto. Se isso acontecesse, seria algo contraditório ao princípio da causalidade. Assim como as estrelas e a Lua aparentemente desaparecem com o nascer do Sol, quando manifestamos o estado de Buda em nossa vida, paramos de sofrer os efeitos negativos correspondentes a cada má causa cometida no passado.
Em outras palavras, essa idéia não nega ou contradiz a lei da causalidade geral, que continua sendo uma premissa básica do budismo. Mas isso está incluído pelo que poderia ser chamado de “causalidade maior”. Esta última, mais abrangente, é a causalidade de atingir o estado de Buda expressa no Sutra de Lótus e na Lei Mística.
O presidente Toda, em uma certa ocasião, descreveu a pessoa comum que vive embasada nessa causalidade maior como um “ser humano comum, iluminado desde o tempo sem início”.
Saito: Ele disse: “Se nós simplesmente comparássemos o budismo com esse ensino menos desenvolvido da causalidade exposta nos ensinos pré-Sutra de Lótus, nosso destino seria algo fixo e irredutivelmente determinado. Isso nos levaria a adotar uma atitude passiva em relação à vida, de forma que nossa única preocupação seria não fazer nada de errado ou ruim. Essa idéia de causalidade ensina que os efeitos das causas que fizemos em existências passadas manifestam-se um por vez em cada uma das sucessivas existências até o infinito futuro, afetando nossa vida ao longo de incontáveis kalpas. De acordo com essa idéia, um dia, no futuro distante, quando tivermos erradicado todas as causas passadas, talvez possamos viver sem preocupações, cheios de coragem e esperança...
“Esse ensino não tem nenhuma relevância para nós nos Últimos Dias da Lei. Nesta época em que vivemos, precisamos de um ensino que nos possibilite, como pessoas comuns que somos, romper os limites desse princípio de causalidade expostos nos ensinos pré-Sutra de Lótus e revelar nossa natureza de Buda inerente. Foi Nitiren Daishonin que, em resposta a essa necessidade, estabeleceu um ensino que nos permite romper as correntes do carma criado em existências passadas e moldar com nossas próprias mãos um destino brilhante e positivo no presente. Daishonin estabeleceu a Lei tal como estava descrita no Sutra de Lótus exposto por Sakyamuni, de uma maneira muito semelhante a um engenheiro que constrói um avião a partir de projetos, possibilitando às pessoas comuns, em seu cotidiano, romperem os limites de suas causas passadas e retornar ao passado inescrutável do tempo sem início.
“Em outras palavras, devotar nossa vida à Lei Mística e orar o Nam-myoho-rengue-kyo representam o caminho para mudar nosso destino para melhor.
“Por meio disso, todas as causas e efeitos intermediários desaparecerão e nosso verdeiro eu, como pessoas comuns iluminadas desde o tempo sem início, emergirá.
“Daishonin diz: ‘O tempo sem início não é um tempo criado nem adornado, mas que permanece em seu estado original.’ (Gosho Zenshu, pág. 759.) ‘Buda do tempo sem início’ parece ser um conceito extremamente difícil, mas ‘tempo sem início’ refere-se simplesmente ao nosso estado original, sem artificialidades e de modo algum extraordinário. Desde que Buda é a própria vida, quando nos conscientizamos de nossa vida em seu estado original, todas as causas e efeitos intermediários desaparecem, e o Buda de Myoho-rengue, a simultaneidade de causa e efeito,25 manifesta-se26.”
Pres. Ikeda: Uma “pessoa comum iluminada desde o tempo sem início” significa aquele que despertou para a essência fundamental de sua vida, a qual sempre existiu desde o tempo sem início. O presidente Toda caracterizava o “tempo sem início” como sendo “alegre, puro, brilhante e harmonioso”.
Conforme disse o presidente Toda, a causalidade dos ensinos pré-Sutra de Lótus (ou causalidade geral) refere-se às “causas e efeitos intermediários”. Pessoas comuns podem romper os limites representados pelas causas e efeitos intermediários de existências passadas. Sem deixarem de ser o que são, podem manifestar em sua vida a causa e o efeito originais (do tempo sem início) e o Buda de Myoho-rengue, a simultaneidade de causa e efeito.
Em outras palavras, em vez de pessoas comuns acorrentadas pelo carma, nós nos tornamos pessoas comuns dotadas do estado de Buda, embasadas na possessão mútua dos Dez Mundos. De pessoas comuns à mercê de seu destino, passamos a ser “pessoas comuns portadoras de missão” que se levantam com o desejo e a determinação de mudar o destino da humanidade.
Morinaka: Agora que chegamos a este ponto, gostaria de retornar à questão original. Dizer que “as causas e os efeitos intermediários se dissipam” não significa que as causas e os efeitos criados do passado deixam de existir, está correto?
Pres. Ikeda: Exatamente. Na analogia que usamos há pouco, as estrelas no céu deixam de ser visíveis, mas não podemos dizer que elas não existem mais.
Morinaka: De uma outra perspectiva, perguntarmos se o carma ou destino existe ou não é algo irrelevante para uma “pessoa comum iluminada desde o tempo sem início”. Não seria isso o que estaríamos inferindo?
Pres. Ikeda: Sim. Esta é a conclusão a que chegamos. As ações que uma pessoa realiza para eliminar o carma, como as expostas nos ensinos pré-Sutra de Lótus, são apenas meios. Mas, na realidade, o carma incide muito na vida das pessoas. Nós, que praticamos o Budismo de Nitiren Daishonin, sabemos que podemos revelar nosso estado de Buda orando Daimoku e colocando nossa vida em contato com o Gohonzon. Mas há uma grande diferença entre saber isso teoricamente e experimentar o poder do estado de Buda em nossa própria vida.
Para dirigirmos um carro é a mesma coisa. A carta de habilitação nos permite fazer isso, mas a única forma de adquirirmos habilidade para dirigir com segurança é sentar ao volante, ligar o motor e começar a andar. Para pilotar um avião não é diferente. É preciso acumular horas de vôo para se tornar um piloto exímio.
Em termos de prática budista, é somente enfrentando nosso carma que adquirimos força para transformá-lo. Justamente porque nos vemos frente a frente com nosso carma podemos desenvolver a capacidade para vencer todos os tipos de dificuldade ou sofrimento.
Saito: Budismo é razão. Um ensino que se baseia em magias ou forças ocultas vai totalmente contra a essência do budismo.
“Assumindo voluntariamente o carma apropriado”
Pres. Ikeda: Na base do conceito budista sobre a transformação do carma está um outro conhecido como “assumir voluntariamente o carma apropriado”.
Morinaka: Sim. O 10o capítulo do Sutra de Lótus, “Mestre da Lei”, apresenta as figuras de grandes bodhisattvas que acumularam imensa boa sorte e benefícios. Eles aparecem deliberadamente em um mundo impuro e propagam a Lei Mística por causa de seu ardente desejo de libertar as pessoas de seus sofrimentos.27
Saito: O Grande Mestre Miao-lo da China refere-se a isso como o princípio de “assumir voluntariamente o carma apropriado”. Embora, fundamentalmente, esses bodhisattvas não tivessem o carma de nascer em um mundo impuro, decidem fazê-lo por vontade própria e suportam as provações e sofrimentos dessa era obscura porque seu desejo é ajudar aqueles que sofrem.
Pres. Ikeda: Isso descreve o estado de vida de Nitiren Daishonin. Em “Abertura dos olhos”, Daishonin diz que ter sido perseguido pelos três poderosos inimigos por causa de seus esforços para propagar amplamente a Lei Mística condiz com a descrição do Sutra de Lótus sobre o comportamento do devoto nos Últimos Dias da Lei. Ele declara que sente uma alegria ainda maior por ter sido sentenciado ao exílio na Ilha de Sado.
Saito: Confesso que as linhas finais de “Abertura dos olhos” me comovem profundamente. Daishonin declara: “Fui condenado ao exílio. Mas esse é um sofrimento pequeno, limitado a esta existência e do qual não vale a pena lamentar-me. Em existências futuras, desfrutarei uma imensa felicidade e esse pensamento me enche de alegria infinita.” (WND, pág. 287.)
Pres. Ikeda: Daishonin compreendeu perfeitamente que as grandes perseguições que enfrentava eram adversidades que ele próprio desejou para cumprir sua missão. Ele declarava que, pelo simples fato de estar passando por essas dificuldades para conduzir as pessoas à iluminação, estas, eram para ele, uma fonte de grande alegria.
A única forma que tinha de ajudar as pessoas era compartilhar seus sofrimentos e mostrar-lhes, como um ser humano comum, a forma de superá-los. Por Nitiren Daishonin ter travado essa batalha monumental, nós o consideramos o Buda Original dos Últimos Dias da Lei.
Nesse exemplo também encontramos o significado da relação de mestre e discípulo no budismo. O mestre é aquele que empreende ações exemplares e que dedica sua vida em prol de uma grande missão. Os discípulos aprendem com o mestre e empenham-se em seguir a forma como ele vive. Quando realizamos essa “prática de acordo com o ensino do Buda”, conseguimos ver a Lei como a nossa própria vida. A relação de mestre e discípulo é, portanto, o coração do budismo.
Em meio à terrível perseguição que foi o exílio em Sado, Daishonin mostrou com sua própria conduta o princípio da transformação cármica para seus discípulos e as pessoas das eras posteriores. É uma grande conquista espiritual que nos conclama a fazer o mesmo. Mediante sua luta como um ser humano, Daishonin ensina a nós, pessoas comuns desta era impura, o caminho para transformar nosso destino. Ele revelou que mesmo aqueles que parecem estar irremediavelmente presos às correntes do destino, estão, na verdade, vivendo uma existência que eles próprios “assumiram voluntariamente como o carma apropriado”.
Saito: Este é o caminho para “transformar o carma em missão” que o senhor tem enfatizado.
Pres. Ikeda: Exatamente. Todos nós temos nosso próprio carma ou destino. Mas quando o olhamos de frente e compreendemos seu verdadeiro significado, todas as dificuldades podem servir para nos ajudar a construir uma vida mais rica e profunda. E nossas ações na batalha contra nosso destino tornam-se um exemplo e inspiração para inumeráveis pessoas. Em outras palavras, quando transformamos nosso carma em missão, transformamos nosso destino. Em vez de permitir que o carma desempenhe um papel negativo, atribuímos a ele uma função favorável. Aquele que consegue transformar seu carma em missão é alguém que “assumiu voluntariamente o carma apropriado”. Portanto, os que continuam avançando, considerando tudo como parte de sua missão, seguem em direção à transformação de seu destino.
Morinaka: Em última análise, fugir do carma ou evitá-lo só atrasará nosso processo de mudança.
Pres. Ikeda: Agora, nosso desafio é ver se podemos produzir uma mudança no carma ou destino da humanidade.
Saito: Isso fez-me lembrar da pergunta que o historiador Arnold J. Toynbee28 fez-lhe certa ocasião sobre o conceito do carma no budismo. Ele queria saber, especificamente, se as pessoas podiam mudar o carma acumulado em existências passadas.
Pres. Ikeda: Lembro-me disso claramente. Ele exibia um sorriso cordial de alguém que já havia conhecido a glória e os dissabores da vida, e seus olhos brilhavam com a luz de seu intelecto. De fato, sua pergunta foi muito perspicaz.
Respondi-lhe diretamente: “O Budismo de Nitiren Daishonin, que se fundamenta no princípio da simultaneidade de causa e efeito, ensina que podemos transformar nosso carma e ir mais além. Quando mudamos a nós próprios, mudamos a sociedade.” Expressei também minha opinião de que nesse desafio estava a chave para mudar o mundo e a humanidade para melhor no século XXI.
Após ouvir minhas palavras, ele assentiu em sinal de concordância.
Como prometi ao Dr. Toynbee, venho atuando sinceramente durante todos esses anos para mudar o carma da humanidade. Não sinto o menor arrependimento, pois tenho plena confiança de que muitos jovens seguirão meus passos.
Acredito que os jovens da SGI, tanto do Japão como do mundo inteiro, com um desejo ardente e espírito de desafio, haverão de se levantar para assumir a tarefa de mudar o destino da humanidade e lançar luz aos lugares onde ainda reina a escuridão.
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