Na prática
TC
Como transformar seu destino a partir de agora
É possível afirmar que, ao longo dos nossos dias, nós nos deparamos com uma infinidade de microdecisões a tomar, desde o despertar até o momento de voltarmos novamente à cama para o devido descanso. Levantar ou dormir mais cinco minutos após o despertador soar, comer alimentos saudáveis ou não durante a refeição, dizer obrigado ou avaliar que era apenas dever do outro em determinada situação. Das inúmeras decisões tomadas, sabe-se que a maioria é automática, pois é fruto de processamento inconsciente. Mas existem decisões conscientes e de extrema magnitude que podem definir o avanço ou retrocesso individual, e influenciar no progresso de muitas outras pessoas. Dessa perspectiva, podemos dizer que as decisões, sobretudo as mais complexas, conforme citado, estão vinculadas à maneira como a pessoa interpreta o mundo exterior a partir de suas crenças e valores. O psicólogo social e pesquisador transcultural norte-americano, Shalom H. Schwartz, afirma que valores servem como princípios que guiam a vida do indivíduo: Os valores são guias para a seleção e avaliação de ações, situações e pessoas. É a partir dos valores que são criados padrões ou normas de conduta. Sendo assim, ao longo da vida de um indivíduo, os valores de seu meio são incorporados de forma a delimitar o seu próprio comportamento.1 Então, compreendendo que valores delimitam o comportamento pessoal, que tal refletirmos sobre como a crença balizaria nossa conduta em determinada situação? Como exemplo, temos em mãos o encargo sobre uma decisão que poderá definir o futuro de várias pessoas (tente lembrar de alguma situação que tenha vivenciado). Essa decisão será pautada em princípios e valores. Isso significa que evidenciaremos claramente o que reside em nosso coração. A escolha, seja qual for, provocará diversos juízos positivos e negativos. Diante de tremenda pressão, qual melhor decisão tomar? Num momento crucial como este, é necessário capacitar a mente e o espírito para adotar as melhores decisões diante das circunstâncias mais adversas que a vida oferta.
01/09/2020
Conheça o princípio
No Estudo (p. 61) desta edição, o presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, revela que, ao manifestarmos uma profunda fé, podemos de fato capacitar a mente e o espírito diante das adversidades:
O estado de vida de infinita sabedoria e compaixão de Nichiren Daishonin, o Buda do Últimos Dias da Lei, revela-se, portanto, em nossa própria vida. Quando manifestamos uma profunda fé e recitamos Nam-myoho-renge-kyo, o Gohonzon das profundezas do nosso interior é iluminado e ativado pelo espelho límpido do Gohonzon físico ao qual dirigimos nossas orações. Podemos ver o estado de buda de nossa própria vida. Pelo fato de ser um objeto de devoção de “abraçar é, em si, observar a mente”, o Gohonzon possui o extraordinário poder de possibilitar que superemos quaisquer adversidades e solucionemos todos os problemas.2
Quando preparamos a mente e o coração com a prática budista, evidenciamos máxima sabedoria nos momentos decisivos ao longo de nossa jornada. Essa afirmação se baseia no princípio de “três mil mundos num único momento da vida” (ichinen sanzen). Assim como o psicólogo Schwartz cita que as decisões estão vinculadas com o modo como a pessoa interpreta o mundo exterior, o buda Nichiren Daishonin diz que a maneira como enxergamos a dinâmica da vida depende unicamente da nossa condição de vida interior. Em um de seus escritos consta:
Por exemplo, os espíritos famintos veem o Rio Ganges como fogo, os seres humanos o veem como água, e os seres celestiais, como amrita.3 Embora a água seja a mesma, ela se manifesta de forma distinta dependendo do efeito cármico originado no passado.4
E o presidente Ikeda se aprofunda ainda mais:
O renomado poeta inglês do século 17 John Milton (1608–1674) observou: “A mente é a sua própria terra, e dentro dela podemos fazer do inferno o paraíso e do paraíso o inferno”. A afirmação de Milton de que a mente de uma pessoa tem o poder de transformar o inferno em paraíso e vice-versa é o resultado de uma contemplação profunda da natureza da vida, que se assemelha ao princípio budista de três mil mundos num único momento da vida (ichinen sanzen).5
O princípio de “três mil mundos num único momento da vida” (ichinen sanzen) foi exposto por Tiantai da China e é um dos mais importantes conceitos budistas. Ele elucidou a relação entre a “possessão mútua dos dez mundos”, “os dez fatores” e os “três princípios da individualização da vida”. Contudo, não precisamos ficar imobilizados com todos esses números. Tiantai quis apresentar com esse fundamento que cada instante da vida (ichinen) incorpora os três mil mundos (sanzen). Isso explica o mecanismo que transforma o destino a partir da mudança imediata da determinação, deste exato instante.
O futuro da humanidade
Vamos ir além e pensar na teoria de modo prático. O exercício proposto no início da matéria tem relação com um dos episódios mais emblemáticos da história recente. E embora não seja um simples fato do cotidiano, o relato a seguir retrata exatamente as convicções e a condição de vida de humanidade do personagem.
A “crise dos mísseis”, ocorrida em 1962, envolveu as duas maiores potências mundiais do período, Estados Unidos e União Soviética. A maneira como o presidente norte-americano John F. Kennedy conduziu a complexa questão foi determinante para que um possível conflito nuclear não eclodisse. A história foi retratada no romance Nova Revolução Humana, de autoria do presidente Ikeda.
Em 1962, navios cargueiros soviéticos começaram a navegar na rota entre Cuba e União Soviética. Diante disso, os Estados Unidos passaram a realizar voos de espionagem invadindo o espaço aéreo cubano. De acordo com uma análise minuciosa das fotos tiradas por aviões U-2 confirmou-se a presença de mísseis soviéticos e a existência de bases de lançamento, o que foi comunicado imediatamente ao presidente Kennedy. A Casa Branca entrou em alerta total. Kennedy e seus assessores trancaram-se em uma sala e permaneceram em reuniões discutindo as medidas a serem tomadas. Qualquer erro na decisão poderia pôr o mundo à beira de uma guerra nuclear.
Alguns defendiam um ataque aéreo para destruir as bases de lançamento de mísseis, o que foi rebatido por outros que sustentavam o não desencadeamento de uma guerra total. No Conselho de Segurança, as opiniões se chocavam, os ânimos se exasperavam e os associados entravam constantemente em ásperas discussões. Quando o medo e a tensão alcançam o extremo, é comum o indivíduo perder a razão e escolher o caminho mais fácil ou ser tentado a atos mais bárbaros, como a guerra.
Ao final de repetidas discussões, as opiniões começaram a centralizar-se em duas propostas básicas. A primeira era a execução do bloqueio naval para impedir o desembarque de mísseis soviéticos. Pretendia-se, com isso, tomar medidas repressivas de acordo com a conduta de Cuba, sem se envolver diretamente num conflito armado. Outra era o ataque com as forças armadas, uma vez que o bloqueio naval não impediria o uso dos mísseis já existentes em Cuba.
Após cinco dias de exaustivas discussões, Kennedy tomou finalmente uma decisão, optando pela execução do plano de bloqueio naval. Dizem, porém, que ele nunca se mostrou inclinado a adotar uma ação armada pelo alto risco de estendê-la para uma guerra total. Apesar da gravidade da situação, Kennedy manteve plenamente sua capacidade de autocontrole.6
O desfecho do episódio é arrebatador. A cada desdobramento, uma situação dramática poderia ser desencadeada. Mas, no momento decisivo, a sabedoria e a magnanimidade do coração de John Kennedy foram evidenciadas, o que evitou uma possível grande tragédia para a humanidade. Com essa ilustração, podemos entender o ichinen sanzen, a decisão repleta de coragem manifestada no instante crucial, operando na vida do jovem presidente.
Mude a realidade
Em suas palavras, o buda Nichiren Daishonin deixa claro que o poder de transformar o inferno em paraíso e vice-versa é o resultado da contemplação interior, ou seja, o poder de alcançar vasta condição de vida habilitado a ser evidenciada, especialmente, em circunstâncias cruciais.
Assim, diante das situações mais adversas, seja desemprego, doença ou conflitos de relacionamento, manifestar uma profunda determinação “neste exato momento” (niji, em jap.) poderá sim transformar o rumo das adversidades. Contudo, tratar esses desafios como algo distante ou sem relação direta com você pode resultar em escapismos, desculpas ou atribuição da responsabilidade a outrem. De forma contrária, ichinen sanzen é crer genuinamente de que a responsabilidade por mudar a rota do seu destino é totalmente sua.
O presidente Ikeda simplifica:
O princípio extremamente profundo de “três mil mundos num único momento da vida” (ichinen sanzen) resume-se à fé alimentada pela determinação de levantar-se só e de ser aquele que inicia a mudança. Se perdermos esse espírito de luta e de contínuo desafio, então, não estaremos praticando o ensinamento de Nichiren Daishonin. Se não nos empenharmos em mudar a realidade, nada jamais mudará.7
Dessa forma, capacitar mente e espírito é manter elevada condição de vida. O presidente Ikeda diz que certa vez seu mestre Josei Toda elucidou esse ponto:
O presidente Josei Toda disse: “Mesmo ficando doentes, devemos manter a atitude de que ‘Eu estou bem. Sei que se orar ao Gohonzon irei melhorar’”. O fato de manifestarmos o estado de buda já não confirma que somos capazes de viver desfrutando uma completa paz espiritual? Porém, pela razão de o estado de buda conter os outros nove estados, em algumas ocasiões ainda poderemos ficar irados ou nos surpreendermos; pois o fato de desfrutarmos uma paz espiritual não significa que eliminamos a ira, por exemplo. Uma preocupação ainda continua sendo uma preocupação. Contudo, em nosso interior, sentimos uma profunda paz espiritual. A pessoa que manifesta essa condição de vida pode ser chamada de Buda.8
Por fim...
...concluímos com um poema do presidente Ikeda:
Este é o budismo dos
“três mil mundos
num único momento da vida”
(ichinen sanzen).
Com uma única mudança de
determinação (ichinen)
tudo começa a mudar.
Recite daimoku
decidindo que vencerá!
É a partir daí que se inicia o
dinâmico avanço.9
Diante dos momentos que podem aparentar não ter uma resolução simples ou que você se sinta sem forças e sem serenidade para superar, recite daimoku com determinação e assuma para si a responsabilidade pela transformação plena da circunstância. Decida com bravura (“Agora é comigo!”). Diante do Gohonzon manifeste forte decisão (“Tudo começa com daimoku e vencerei infalivelmente”). Conduza a tudo, momento a momento, com muita alegria (“Sou imensamente feliz. Minha vitória vai inspirar muitas pessoas”). Mesmo em circunstâncias difíceis, manter mente e espírito impassíveis é o caminho para um pujante avanço. Com daimoku repleto de decisão e a coragem para romper as barreiras do coração, a vitória será certeira. Essa mudança se encontra no agora, neste exato momento!
Notas:
1. SCHWARTZ, Shalom H. Universals in the Content and Structure of Values: Theoretical Advances and Empirical Tests in 20 Countries. In: ZANNA, M. (org.). Advances in Experimental Social Psychology, v. 25, p. l-64.
2. Terceira Civilização, ed. 625, set. 2020, p. 61.
3. Amrita: Ambrosia. Na Índia antiga, era considerada a bebida adocicada dos deuses. Na China, acreditava-se que esse líquido choveu do céu quando o mundo se tornou pacífico. Dizem que a amrita remove os sofrimentos e torna a pessoa imortal. A palavra amrita significa “imortalidade”.
4. CEND, v. I, p. 508.
5. Brasil Seikyo, ed. 2.230, 7 jun. 2014, p. B2.
6. Cf. Nova Revolução Humana. v. 7.
7. Terceira Civilização, ed. 434, out. 2004, p. 18.
8. Brasil Seikyo, ed. 2.230, 7 jun. 2014, p. B2.
9. Brasil Seikyo, ed. 2.243, 13 set. 2014, p. A1.
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