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Caderno Soka

Você é budista em todos os momentos?

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01/09/2001

Você é budista em todos os momentos?
Antes de discorrer sobre o tema proposto no título, gostaria de agradecer aos e-mails, cartas e telefonemas manifestando apoio e concordância com a matéria publicada neste Caderno no mês passado. Muito obrigado!

Com aquela matéria, não tive a intenção de ferir suscetibilidades, tampouco atingir aqueles profissionais sérios — psicólogos e psicoterapeutas — que utilizam a neurolingüística como uma das tantas técnicas existentes para a solução de problemas específicos.

Em nossa organização, existem muitos desses profissionais sérios, nossos companheiros que aplicam a neurolingüística como uma de suas ferramentas.

Insurjo-me, sim, contra aqueles que querem fazer da neurolingüística uma panacéia, ou seja, um remédio para todos os males, uma solução para todos os problemas, e a usam a ponto de deixar margem ao entendimento de que poderia substituir a prática do Daimoku pela simples eficácia de seus resultados. Sob o ponto de vista budista, a aplicação da neurolingüística nesse sentido é totalmente inconcebível, pois está fundada na aplicação de uma técnica de efeito sem causa, ou seja, no combate ao efeito e não à causa, o que contraria os ensinos de Nitiren Daishonin, que se baseia na lei de causa e efeito.

Deixo aqui meu profundo respeito aos nossos companheiros profissionais que utilizam a técnica da neurolingüística de forma correta e dentro dos limites de aplicabilidade. É nessas pessoas que podemos confiar.

Agora, abordarei aqui um outro tema polêmico, no qual tive a oportunidade de dialogar longamente nas reuniões do Departamento de Juristas, realizada na última quinta-feira de cada mês. É uma reflexão sobre nossas próprias convicções filosóficas e, quem sabe, do por quê não concretizamos todos os objetivos que almejamos, mesmo praticando corretamente (ou achando que praticamos?).

Nós, budistas, muitas vezes lamentamos por nossos objetivos não serem concretizados. Fique claro que, se recitamos o Daimoku e o Gongyo ao Gohonzon muitas coisas em nossa vida começam a mudar para melhor, mesmo sem percebermos. Esses são os benefícios inconspícuos ou imperceptíveis. Porém, para transformarmos o carma fundamental da nossa vida, é necessário um profundo e constante esforço visando a aprimorar nossa prática e quebrar os paradigmas que trazemos do passado.

Sabemos que o valor fundamental do Budismo de Nitiren Daishonin é a dignidade de todas as formas de vida, seja ela animal, mineral, vegetal ou humana. E o presidente Ikeda vem dialogando há mais de quarenta anos com as autoridades mundiais com esse mesmo objetivo: valorizar a dignidade da vida.

Proponho, então, nessa nossa reflexão, imaginarmos a seguinte situação: Uma mulher é estuprada por um perigoso bandido. Desse estupro resulta uma gravidez. O que você a aconselharia fazer, considerando que o nosso Código Penal não pune os chamados “abortos necessários”, nesse caso resultante de estupro? Você a aconselharia fazer o aborto? E se ela fosse sua parente? Imagine carregar no ventre o filho de um bandido. Mas, afinal, aquela criança, que está sendo gerada, também não é uma vida? E ela tem culpa da forma que foi gerada? Temos o direito de acabar com ela? O Código Penal brasileiro diz que sim.

Se as questões forem decididas levando em conta somente os aspectos práticos entre as pessoas envolvidas, poderíamos até concordar com o Código Penal, que não pune o aborto. Porém, como budistas, precisamos visualizar não somente os envolvidos. Devemos levar em conta o princípio da lei de causa e efeito num contexto mais amplo, apesar de a primeira reação em uma situação como essa ser de total revolta. Eis a diferença entre escuridão e iluminação!

As relações entre as pessoas ocorrem quando existem nelas o que chamamos no budismo de “kenzoko”, traduzido como “relação mística” ou “relação causal”. Jamais podemos nos esquecer que tudo que nos acontece está embasado na lei de causa e efeito. Ou seja, todo efeito é resultante de uma causa. E esse efeito, uma vez manifestado, imediatamente se transforma em uma nova causa e assim sucessivamente.

Uma vez que nada acontece por acaso, tudo tem uma relação causal, ao praticarmos o aborto, tirando uma vida sadia, não estaríamos fazendo uma causa negativa e deixando de transformar o mau carma do passado, postergando-o para o futuro? Além disso, não sabemos se esse carma se manifestará novamente em uma circunstância pior no futuro.

Se a vida é o bem mais importante que existe para o budismo, ao praticarmos o aborto, ainda que autorizado pelas leis, estamos agindo verdadeiramente como seguidores do Budismo de Nitiren Daishonin e discípulos do presidente Ikeda?

Não quero manifestar aqui minha posição pessoal com relação ao aborto. Tampouco discutir se é válido ou não. O que pretendo com esse exemplo é demonstrar que muitas vezes cometemos equívocos de avaliação e pensamos e agimos contrariando os ensinos de Nitiren Daishonin, impulsionados pelos paradigmas sociais. Talvez seja essa a razão de não transformarmos nosso mau carma criado no passado, pois por um lado fazemos boas causas quando recitamos o Daimoku, por outro fazemos más causas por acalentarmos no coração um sentimento contrário à verdadeira filosofia de vida.

Como o espaço não permite aprofundar mais no assunto, muita coisa deixou de ser colocada, o que poderá ensejar mau entendimento. Por essa razão, caro leitor, tome minhas palavras como uma reflexão de como anda nossa prática. Sugestões, escreva para: juridico@bsgi. org.br

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