Ensaio
TC
[6] Dante Alighieri
por Daisaku Iikeda
01/07/2006
![[6] Dante Alighieri](https://extra2.bsgi.org.br/media/impressos/TC/455/1864.A.jpg)
Cantarei, agora, o segundo reino, onde o espírito, purgando culpas, faz-se digno de ascender ao Céu. (Purgatório, I, 4–6.)1
Uma montanha com sete terraços
Lá não era escuro como o Inferno. O céu era tingido com as cores da alvorada. Havia plantas e flores e o ar era fresco e puro. Observando-se acima, podia-se ver a montanha do Purgatório com sete terraços.
O Purgatório era o local onde os pecadores cumpriam pena por suas transgressões. Seus habitantes percorriam um caminho em espiral que levava ao topo, experimentando punições não menos dolorosas do que aquelas infligidas aos pecadores no Inferno. A diferença, entretanto, era que quando aqueles no Purgatório eram purificados expiando seus pecados, podiam depois ascender ao Paraíso.
Para ilustrar, os pecadores no Purgatório avançam em direção ascendente, ao contrário daqueles no Inferno. Os pecados das almas no Purgatório são purificados à medida que ascendem.
Dante, acompanhado de seu mestre Virgílio, sobe a montanha do Purgatório e descreve o sofrimento e os castigos dos pecadores que ele observa ao longo do caminho.
No primeiro terraço do Purgatório estão os pecadores que carregam imensas pedras em suas costas. Esses são os soberbos ou presunçosos. Até que superem o orgulho, devem caminhar durante milhares de anos, com suas costas curvadas pelo peso das pedras.
O segundo terraço do Purgatório é onde os invejosos são purificados de seus pecados. Até que vençam a inveja, devem andar com suas pálpebras costuradas com arame, a punição por não quererem ver as coisas “com uma luz melhor”.
O terceiro terraço do Purgatório é o local dos iracundos. Ali, Dante encontra almas que, envoltas por nuvens de fumaça espessas e causticantes, oram implorando para que sua ira seja perdoada.
No quarto terraço do Purgatório, os preguiçosos estão sempre correndo, berrando para si próprios “Depressa! Eia! Avante!” e tentando impacientemente compensar sua lerdeza e negligência no passado (Purgatório, XVIII, 103–107).
No quinto terraço, estão os avarentos e os pródigos, deitados de bruços, com as mãos atadas. Tudo o que seus olhos conseguem ver é o chão. Esse é o castigo por fixarem os olhos apenas nos bens materiais e não conseguirem ver e admirar a glória do céu.
O sexto terraço do Purgatório é onde os glutões sofrem de fome e de sede até ficarem franzinos, com os olhos tão profundamente encovados que mais parecem “anéis sem pedras” (Purgatório, XXIII, 31).
Finalmente, no sétimo e último terraço, as almas luxuriosas caminham entre chamas ardentes para se purificarem.
O surgimento do Purgatório
Embora os conceitos cristãos de Paraíso e Inferno sejam bem conhecidos no Oriente, a doutrina do Purgatório da Igreja Católica Romana não é tanto. Esta surgiu, como conceito acabado, “com o florescimento da civilização medieval na segunda metade do século XII”,2 milhares de anos após o estabelecimento do cristianismo.
Também se afirma que “a extraordinária obra de Dante [A Divina Comédia] compõe uma vasta sinfonia de temas fragmentados [que então existiam em relação ao Purgatório]”.3
A causa do mal que permeia o mundo
Em “Purgatório”, Dante registra o seguinte diálogo. Depois de descrever o mundo como “deserto de virtudes, grávido e sepulto pelos pecados”, o poeta solicita: “Rogo-te aclares os motivos de tão funesto estado, para que eu aprenda e os reproduza a outrem” (Purgatório, XVI, 59–61).
Uma das almas do Purgatório responde:
Vós, viventes, atribuis ao Céu as causas de todos os efeitos, como se por ele tudo determinado resultasse. Se assim realmente acontece, destruído o livre-arbítrio... (Purgatório, XVI, 67–71.)
Em outras palavras, Dante diz que o mal que permeia o mundo não deve ser punido no Céu. Mas onde está então a sua causa? Dante declara:
Se, apesar disso, o mundo desviou-se do
bom caminho, em vós está a causa.
(Purgatório, XVI 82–83.)
A causa está em nós mesmos e, por esse mesmo motivo, temos o poder de acabar com o mal e com a tentação exercitando a nossa própria vontade, e de mudar nosso ambiente por meio da conduta. Os pecadores do Purgatório simbolizam essa verdade.
Dante acreditava no poder da vontade humana. Por isso, proclamou:
Sendo livre a escolha, quem se esforça e
obtém a vitória em nome do Céu tudo o mais
vencerá, se do bem se nutre.
(Purgatório, XVI, 76–78.)
Livre arbítrio e carma
Até que ponto os seres humanos podem realmente exercer o livre arbítrio, já que Deus é onipotente? Esta é uma questão que vem sendo debatida pelo cristianismo há séculos.
Discuti esse tema com o Dr. Aurélio Peccei, co-fundador do Clube de Roma e defensor dos direitos humanos que lutou vigorosamente contra o facismo. Em nosso diálogo, esse grande pensador da humanidade perguntou-me sobre a relação do livre arbítrio e o conceito budista de carma, que se acredita governar nossa vida.
Eu respondi que o Budismo Nitiren ensina que não somos apenas governados pelo nosso destino desde existências anteriores, mas que possuímos a força interior para transformar mesmo o carma imutável. Eu comentei: “Dr. Peccei, o senhor passou sua juventude em meio à furiosa tempestade do fascismo, mas não o apoiou. De fato, escolheu combatê-lo e defender a dignidade humana. Um modo de vida no qual construímos nosso próprio destino, tal como o senhor fez, é o que nós, da Soka Gakkai, chamamos de ‘revolução humana’.”
O Dr. Peccei assentiu, demonstrando uma profunda compreensão.
Somos os protagonistas de nossa própria vida
O famoso escritor francês Romain Rolland escreveu: “A vida de uma pessoa nunca é tão grande, tão rica e tão feliz como quando experimenta a dor”.4 Os seres humanos não são escravos de seu destino. Possuímos dentro de nós a força para criar ativamente nossa própria vida.
Somos protagonistas de nossa vida — Dante chegou a essa conclusão durante seu amargo exílio. Ele escreveu:
Pois a vontade, quando não quer,
não se deixa vencer, como sucede à chama
que mil vezes curvada pelo sopro,
outras mil se ergue.
(Paraíso, IV, 76–78.)
Dante estava firmemente convencido da dignidade do ser humano. Esse espírito posteriormente floresceu com a Renascença Italiana. Pode-se dizer que Dante abriu as portas para esse “renascimento da humanidade”.
Sejam vitoriosos!
A vida é uma luta. É uma série de desafios e respostas. Somente nós e ninguém mais determinamos se vencemos ou perdemos.
Portanto, meus amigos, sejam vitoriosos. Por favor, empenhem-se resolutamente e triunfem sem falha. A vitória de vocês assegurará que a verdade e a justiça prevaleçam. Se vocês se permitirem serem derrotados, convidarão a miséria para si, para sua família e seus companheiros.
O propósito de nossa prática budista é sermos vitoriosos. Nossa fé não pode ser derrotada. Como diz Daishonin, “embora as maldades sejam numerosas, elas não podem prevalecer sobre uma única grande verdade”.5
É crucial que triunfemos sobre as dificuldades e perseguições. Se encontrarmos um obstáculo, devemos lutar com uma força dez vezes maior. Se encontrarmos dez obstáculos, devemos lutar com uma força cem vezes maior.
Um caminho infinitamente extenso se abre para aqueles que transformam um destino árduo em sua missão pessoal e levanta-se corajosamente diante do desafio que se apresenta.
Dante escreveu:
Teus brados serão quais ventos que mais agridem os alterosos cimos, e este fazer será para ti razão de não pequena glória.
(Paraíso, XVII, 133–134.)
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